Doze dias em Paris e Lisboa com com tudo pago. Dez dias na Austrália, sem custo nenhum. Dois meses inteiros nos Estados Unidos pra fazer um curso pago com dinheiro público. Esses são só alguns exemplos de viagens recentes dos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU).
Em 2017, o campeão de viagens é o ministro Aroldo Cedraz. Em seis meses, foram 61 dias viajando, 56 deles no exterior. Onze dias nas Bahamas, 17 em Lisboa, 13 em Viena, 12 em Amsterdã e quatro em Bogotá. Foram mais de R$ 72 mil em diárias e passagens bancadas com dinheiro público.
A justificativa é sempre a participação em seminários internacionais. O problema é que esses eventos costumam durar dois ou três dias. Cedraz ficou 12 dias na Holanda para um evento da ONU que durou apenas um dia. Em dois anos e meio, ele ficou 171 dias no exterior, passando por 17 países.
Para Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia na Unicamp, o abuso torna-se ainda mais grave porque o TCU é um órgão fiscalizador:
“É muito típico de um Estado que não é republicano, não é democrático, e no qual não impera a responsabilização dos operadores. São privilégios para magistrados, deputados, senadores, governadores etc. E, nesse caso, particularmente, é escandaloso porque se trata de pessoas que controlam o gasto do dinheiro público em nome do parlamento. Essa prática de fazer turismo com dinheiro do povo tem que acabar rapidamente.”
Considerando deslocamentos nacionais e internacionais, o ministro Augusto Nardes, relator das pedaladas de Dilma Rousseff, foi o que mais viajou desde 2015. Ele esteve 264 dias fora de Brasília, o que dá quase nove meses. Muito mais que os colegas, já que, em média, cada ministro passa 41 dias do ano viajando. Nardes visitou 11 países nos últimos 30 meses.
De acordo com o TCU, só neste ano Nardes passou 50 dias em trânsito, 29 deles no exterior, em países como Peru, Equador, Argentina e México. Os registros do tribunal indicam que o ministro também ficou 14 dias nos Estados Unidos para um congresso na Universidade da Pensilvânia que durou apenas dois dias.
À reportagem da CBN, Nardes disse que houve um erro de digitação ao incluir as informações dessa viagem. Ele enviou comprovantes de passagens que mostram que a duração foi de cinco dias.
Mas o ministro também passou nove dias na Armênia para um congresso que durou só três dias:
“Eu estou com 65 anos, estou viajando em classe econômica, para fazer uma viagem e preparar uma palestra em lingua estrangeira [não é fácil]. Com 32 anos eu aguentava ficar duas noites sem dormir. Hoje eu não consigo. É uma viagem extremamente cansativa e dura na Armênia.”
Sobre ser o campeão em viagens, Nardes diz que é reflexo do trabalho dele e da militância em torno do tema da governança pública:
“Sou o mais requisitado para fazer palestras. Estou me sacrificando porque acredito que é possível refundar o Brasil com nova estrutura na melhoria da governança. Sacrifício pessoal. Aliás, já foi apelidado de ‘Dom Quixote da governança’. Os outros ministros me apelidaram.”
O ministro Bruno Dantas faz viagens longas. Em julho deste ano, ficou 15 dias em Roma. No ano passado, passou dois meses inteiros nos Estados Unidos para fazer um curso que custou R$ 130 mil – pagos, claro, com dinheiro público. Em 2015, ele já tinha passado um mês completo em solo americano, a um custo de R$ 80 mil .
O ministro Vital do Rego está há menos de três anos no TCU e já visitou Rússia, Austrália, Egito, Polônia e Suíça.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o TCU informou que os ministros são designados para as viagens pela presidência do tribunal com o objetivo de cumprir missão oficial ou para fins de treinamento.
De acordo com o órgão, as viagens são realizadas sempre levando em consideração o interesse público e as atribuições do cargo. O TCU informa ainda que, neste ano, houve uma redução de 39% dos gastos com viagens internacionais em comparação com 2015.
Em nota, Aroldo Cedraz disse que as viagens internacionais foram originadas por convites ou por designação da presidência do TCU, seguindo os trâmites regulares do órgão.
Bruno Dantas afirmou que, por possuir currículo acadêmico extenso, costuma ser convidado para congressos, simpósios e programas de capacitação.
Vital do Rêgo disse que as quatro viagens destinaram-se a promover o intercâmbio de informações com outros organismos internacionais referentes a temas de interesse do TCU.
Há, por outro lado, ministros mais discretos: Ana Arraes e José Múcio Filho ficaram menos de 40 dias em viagem nos últimos dois anos e meio. O atual presidente do TCU, Raimundo Carreiro, é o menos viajante: passou 31 dias fora de Brasília e não foi nenhuma vez ao exterior. Detalhe: ele tem medo de viajar de avião e prefere deslocamentos por terra.