15 anos após o maior atentado terrorista da história, Adriana Maluendas vai lançar um livro sobre a tragédia: “Quero transformar o que sofri em esperança”
Você se lembra do que estava fazendo na manhã do dia 11 de setembro de 2001? É bem provável que sim. O atentado às Torres Gêmeas, em Nova York (EUA), que matou cerca de 3 mil pessoas, marcou muita gente. Uma delas foi a administradora de empresas Adriana Maluendas, 45 anos, que se recorda como se fosse ontem. Adriana estava no World Trade Center exatamente na hora do atentado e lutou machucada pra sobreviver.
A brasileira natural de Paranaguá (PR) havia escolhido o Hotel Marriott, localizado entre as duas torres, para se hospedar e, ainda no quarto, ouviu e sentiu o primeiro avião se chocar com a torre norte. O hotel também foi ao chão após a queda da segunda torre, a sul.
Hoje, exatos 15 anos após o atentado, Adriana conta à Glamour como sobreviveu não só ao 11 de setembro, mas aos dias seguintes. “Sofri com transtorno de estresse pós-traumático, síndrome de culpa e depressão. Foram anos de terapia…”, diz. Agora, ela se prepara para uma nova fase e vai lançar um livro sobre a história. “Meu sonho é transformar toda a experiência que sofri em uma mensagem de esperança e positividade”, completa. Leia o depoimento completo abaixo:
“Cheguei a Nova York no dia 8 de setembro de 2001, exatos três dias antes do atentado. Minha família trabalhava com importação e exportação de soja e fui a Manhattan justamente para me preparar e fazer os exames do NYIF (New York Institute of Finance), que me dariam a licença pra ingressar no mercado de commodities. Desde o início da viagem eu me hospedei no Marriott World Trade Center Hotel. Era a minha primeira vez em Nova York e o escolhi justamente por estar próximo ao local do curso. Achei que fosse o mais seguro a fazer.
No dia do atentado eu acordei cedo, por volta das 6h da manhã – no horário de Nova York – tomei café e voltei ao quarto para responder alguns e-mails e me preparar para o primeiro teste, que aconteceria na torre sul do World Trade Center. Também liguei pro meu trabalho no Brasil e comentei que, por pelo menos mais uma hora, eu continuaria no meu quarto, caso precisassem falar comigo. Em seguida, liguei para os meus pais. Minha mãe se preparava para a sua última sessão de quimioterapia. Eu estava tão, tão feliz… Ela estava vencendo o câncer e tudo caminhava bem.
Porém, às 8h46 daquela manhã, a minha vida foi literalmente virada de cabeça pra baixo! Essa foi a hora exata que a primeira torre do World Trade Center foi atingida pelo avião da American Airlines. Eu estava no quarto, no sexto andar do prédio, quando um som ensurdecedor invadiu o hotel. Chão, paredes e janela tremeram e todos – repito – todos os móveis saíram do lugar. Ainda sem ter noção alguma do que havia acontecido, tentei me comunicar com a recepção pelo telefone, mas ninguém atendeu. Curiosa, resolvi pessoalmente checar o que estava acontecendo. Peguei só a minha bolsa e a chave da porta e saí.
Assim que coloquei os pés para fora do quarto, o sistema de alarme do hotel foi acionado. Tudo ainda parecia tranquilo. No trajeto entre o quarto e as escadas de emergência, vi muitas pessoas descendo calmamente, algumas ainda vestiam pijama. Mas, a situação mudou em questão de segundos! Assim que ouvimos algumas explosões – a torre estava em chamas – o pânico se instalou. Todos os milhares de hóspedes corriam loucamente pelas escadas. Um empurrava o outro, pessoas caíam… O Marriott tinha 22 andares e 825 quartos, então você já pode imaginar o terror que vivi naquela escadaria. Eu mesma caí com a correria e bati as costas na quina do degrau. Se eu senti dor? Nada! A adrenalina e o instinto de sobrevivência eram tão grandes, que me levantei rapidamente para continuar a “missão” de sair de lá. E tudo foi ficando ainda pior… Ao pisar no térreo, o elevador desabou na nossa frente. Pronto! O caos estava instalado e nenhum lugar era mais seguro.
Só quando saí do hotel, tive a real noção do que estava acontecendo: a torre norte do principal prédio dos EUA estava em chamas! Era muita fumaça e a visão começava a embaçar. Pouco tempo depois, o segundo avião, agora da United Airlines, colidiu. Naquele momento, havia milhares de pessoas na rua que corriam e gritavam sem parar: “Segundo avião, segundo avião”. Mesmo presenciando e vivendo na pele aquela situação, tudo ainda era muito irreal na minha cabeça. Só entendi que aquele som ensurdecedor que ouvi no meu quarto era – na verdade – o primeiro avião colidindo, quando vi o segundo bater na torre sul.
Confesso que as palavras ainda fogem quando tento expressar os sentimentos que aquelas cenas me trazem. Elas me atingiram tão profundamente… Foram momentos de profunda tristeza, uma dor tão forte que me impedia até mesmo de gritar e extravasar! Eu estava em estado de choque e fiquei petrificada, completamente parada em frente às torres gêmeas em chamas, escutando gritos de desespero, pessoas pedindo ajuda e assistindo civis se jogando pela janela em direção à morte.
Depois de alguns segundos completamente em choque, eu corri… Corri como nunca! Aliás, todos os civis de Nova York correram. Ao cruzar a FDR Drive, uma avenida mega importante e onde apenas carros podem transitar, vi todos os automóveis com as portas abertas e completamente abandonados. Sim, os carros foram largados pelo caminho e as pessoas tão assustadas e confusas quanto eu, corriam para longe da fumaça e da poeira. O cheiro de poeira e produtos tóxicos era insuportável!
Além da queda no hotel, caí outras duas vezes durante a fuga até um local seguro. Fraturei duas costelas e ganhei de “presente” alguns problemas sérios de coluna, com os quais convivo até hoje. Também tive meus dentes frontais superiores lascados, pois, ao cair, fui pisoteada e bati o rosto com força no chão algumas vezes. Sem falar das dezenas de hematomas espalhados pelo corpo. Era possível enxergar, literalmente, marcas de solas de sapato nas minhas costas e pernas.
Eu não conhecia ninguém em Nova York, apenas algumas pessoas do curso e não tinha pra onde ir. Após sair da área do atentado e percorrer quase oito horas a pé, encontrei do outro lado da cidade um hotel em que pudesse me hospedar. Ainda estava em estado de choque, machucada, exausta e não me lembrava de nenhum número de telefone, nem mesmo o da minha casa no Brasil. Só consegui ligar para a agência viagem, pois meu passaporte tinha uma capinha protetora com o endereço e número de telefone da agência. Aliás, foram eles (da agência) quem avisaram meus pais que eu estava viva!
Enquanto eu perambulava por Nova York à procura de um hotel, meus pais entravam em contato com o Consulado Americano no Brasil em busca de informações sobre mim. O vice-cônsul brasileiro nos EUA me encontrou no dia 12 de setembro e disponibilizou um acompanhante para me levar ao hospital. Falei com ele e com a sua esposa até o dia em que retornei ao Brasil. São pessoas maravilhosas e que jamais esquecerei…
A primeira noite foi muito, muito difícil. Além de introspectiva, confusa e superdolorida. Como não conseguia dormir, resolvi caminhar ainda mais e passei a noite sentada em uma pracinha olhando os canhões de luz que buscavam sobreviventes e iluminavam a área do World Trade Center. Chorei muito e minha cabeça fervilhava com perguntas sobre tudo o que havia acontecido. Rezei e agradeci a Deus. Só quando amanheceu eu tive forças para caminhar e retornar ao novo hotel.
Permaneci por mais 10 dias em Nova York, até que a Agência Federal de Aviação dos Estados Unidos juntamente com a Força Aérea Americana liberassem outra vez os voos comerciais. Mesmo voltando ao Brasil, as marcas do atentado permaneceram. Meses após o 11 de setembro, o medo e os temores só intensificavam, até que fui diagnosticada com alto grau de transtorno de estresse pós-traumático, além de uma síndrome psicológica de culpa. Passei meses fechada, isolada e emocionalmente envolvida, o que me trouxe até problemas físicos. Fiz terapia por anos, pois também sofri com depressão. Somente comecei a me recuperar quando tomei coragem para enfrentar os meus traumas.
Em novembro do ano passado, tomei a decisão de doar meu passaporte e as chaves do meu quarto no Marriott ao Memorial do World Trade Center, que tem previsão de abertura no fim de 2016. Sou a única brasileira com itens doados ao projeto. Em uma tarde de conversa com uma das curadoras do museu, percebi o quanto isso era importante. Sei que minha doação simboliza o quão pouco os sobreviventes puderam levar com eles naquele dia. Pra mim, a doação também simboliza parte de uma história de sobrevivência, que infelizmente marcou o inicio de uma era. A era do terror.
Minha vida mudou muito. Estou mais forte em muitos sentidos, mas também muito sensível em outros. Hoje valorizo mais o trabalho humanitário. E estou sempre alerta aos perigos que podemos enfrentar no dia a dia.
Nunca pensei que no auge dos meus 29 anos, teria que lutar pela sobrevivência. Minha vida estava bem estruturada e minhas aspirações profissionais bem definidas… Ter sobrevivido à queda das torres gêmeas me trouxe uma nova perspectiva de vida. Por anos me retirei do mundo e sentia que partes de mim estavam mortas. O fato é que eu jamais serei a mesma pessoa mas gosto de pensar que sou uma versão melhorada, agora, com muito mais fé.
Já escrevi e vou lançar uma edição independente do meu livro, que conta toda a minha história a partir do 11 de setembro, já no próximo mês. Meu objetivo é transformar a experiência negativa em uma mensagem de esperança. Quero encorajar àqueles que, como eu, enfrentaram dificuldades extremas, experimentaram a dor da depressão, o trauma ou a perda. Desejo motivá-las a pensar em nunca desistir de suas metas e (principalmente!) jamais desistir da vida.”