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Filho que tomou injeção de HIV dada pelo pai vai a tribunal

'Não sou seu filho, sou sua vítima': o reencontro de jovem com pai que o infectou com HIV

Bailey e Kinney

Filho enfrenta o pai no tribunal

Quando o pai de Brryan Jackson injetou uma seringa cheia de sangue com HIV nele quando ainda era bebê, ele esperava nunca ver o menino crescer, como a BBC Brasil noticiou em junho passado.

Ninguém imaginava que, 24 anos depois, ele estaria frente a frente com o filho num tribunal para ouvir sobre os efeitos devastadores de seu crime.

É hora do almoço no Departamento de Correições de Missouri, nos Estados Unidos. Nervoso com a situação, Brryan Jackson é retirado da barulhenta sala de espera da prisão, com alarmes e portas de metal, e levado a um silencioso tribunal de paredes brancas.

Do outro lado da sala, um prisioneiro aguarda por ele. Eles nunca mais se viram desde que Jackson era criança, mas o homem, Bryan Stewart, é seu pai.

O filho está ali para ler uma declaração que espera ser suficiente para garantir que o pai fique atrás das grades pelo maior tempo possível.

São palavras que poucos acreditavam que ele teria chance de dizer quando, em 1992, foi diagnosticado com Aids e mandado de volta para casa para morrer.

Com uma única folha de papel em mãos, Jackson se posiciona calmamente ao lado da mãe, a cinco cadeiras de distância do pai. “Tentei olhar sempre para frente. Não queria fazer contato visual com ele”, diz Jackson.

Mas ele podia enxergá-lo com a visão lateral, e viu seu rosto por um breve momento.

“Reconheci pela foto de quando foi preso, mas não temos nenhuma ligação. Não o reconheço como meu pai”, afirma Jackson.

O conselho de avaliação de pedidos de liberdade condicional chama o rapaz para que ele leia sua declaração em voz alta. Jackson hesita.

“Naquele momento, me perguntei se estava fazendo a coisa certa, mas minha mãe sempre me ensinou a ser corajoso. Lembrei que Deus estava comigo. Qualquer que fosse o resultado da audiência, Deus é maior do que eu, do que meu pai, do que aquela sala ou mesmo o Departamento de Justiça.”

Ele respira fundo, olha fixamente para os membros do conselho e começa a contar sua história.

Trajetória
A trajetória começa quando seus pais se conheceram em um centro militar no Missouri, onde recebiam treinamento como médicos. Eles foram morar juntos e, cinco meses depois, em meados de 1991, a mãe de Jackson ficou grávida.

“Quando nasci, meu pai ficou muito animado, mas tudo mudou quando ele foi mandado para a Operação Tempestade do Deserto (primeira Guerra do Golfo, em 1990-1991). Ele voltou da Arábia Saudita com uma atitude completamente diferente em relação a mim.”

Stewart começou a dizer que Jackson não era seu filho. Exigiu um teste de DNA para provar a paternidade e passou a abusar física e verbalmente da mãe de Jackson.

Quando ela finalmente o deixou, o casal brigou sobre a pensão alimentícia do menino, que Stewart se recusava a pagar. Ele fazia ameaças sinistras, segundo Jackson.

“Ele costumava dizer coisas como ‘seu filho não viverá além dos cinco anos de idade’ e ‘quando eu te deixar, não deixarei nenhum laço entre nós para trás’.”

Enquanto isso, Stewart havia encontrado um novo emprego trabalhando com exames de sangue em um laboratório. Também tinha começado, em segredo, a coletar amostras de sangue infectado e levá-las para casa, segundo investigadores do caso.

“Ele brincava com os colegas dizendo: ‘Se eu quisesse infectar alguém com um destes vírus, a pessoa nunca saberia o que a atingiu’.”

Quando Jackson tinha 11 meses de idade, seus pais já não mantinham contato. Isso mudou quando Jackson foi hospitalizado após um ataque de asma.

“Minha mãe ligou para meu pai para avisá-lo, pensando que ele iria querer saber que seu filho estava doente. Quando telefonou, colegas dele disseram a ela que meu pai não tinha filhos.”

Crime
No dia em que Jackson receberia alta, Stewart fez uma visita inesperada a ele no hospital.

“Como não era um pai presente, todo mundo estranhou ele aparecer daquela maneira”, diz Jackson. “Ele pediu que minha mãe buscasse uma bebida para ele no café para ficar sozinho comigo.”

Stewart tirou do bolso uma ampola com sangue infectado com HIV e o injetou no filho. “Ele queria que eu morresse para não pagar a pensão.”

Ao voltar, sua mãe encontrou Jackson aos berros no colo do pai. “Meus sinais vitais estavam todos alterados, porque o sangue que ele injetou em mim não tinha só HIV. Era de um tipo incompatível com o meu.”

Os médicos ficaram abismados. Sem saber do vírus mortal que corria nas veias do bebê, eles o estabilizaram e o mandaram para casa. Mas, nas semanas seguintes, a mãe de Jackson viu a saúde de seu filho se deteriorar e ficou desesperada por um diagnóstico.

“Ela me levou a vários médicos implorando para que descobrissem por que eu estava à beira da morte”, diz Jackson. Por quatro anos, exames não deram pista.

Mesmo sendo uma criança, Jackson sabia que sua situação preocupava. “Lembro de acordar gritando ‘mãe, por favor, não me deixe morrer’.”

Uma noite, após ter sido examinado para todo tipo possível de doença, seu pediatra acordou de um pesadelo e ligou para o hospital pedindo um teste de HIV.

“Fui diagnosticado com Aids e três infecções oportunistas.” Os médicos chegaram à conclusão que ele não sobreviveria e decidiram que o melhor seria levar a vida mais normal possível até o fim. “Eles me deram cinco meses de vida e me mandaram para casa.”

No entanto, ele continuou a ser tratado com todo medicamento disponível.

Sobrevivendo
Ele diz ter vivido “um dia de cada vez” por toda a infância. Permanecer vivo era como andar na corda bamba. “Um dia, eu estava bem e, na hora seguinte, estava sendo levado às pressas para o hospital por mais uma infecção.”

Por causa da medicação, teve a audição do ouvido esquerdo afetada. Mas enquanto outras crianças que conhecia no hospital não resistiam, ele viu sua saúde melhorar aos poucos, para surpresa dos médicos.

Em dado momento, foi liberado para voltar à escola e começou a ter aulas em meio período, sempre acompanhado por uma mochila repleta de remédios.

Simpático e amigável, ele não tinha consciência do estigma social em torno de sua doença. “Minha escola não me queria lá. Eles tinham medo. Nos anos 1990, as pessoas pensavam que você podia contrair Aids de um assento de privada. Uma vez li em um livro-texto que era possível se infectar por contato visual.”

O medo, conta ele, não costumava partir das crianças, mas dos pais delas. Jackson não era convidado para festas de aniversário – na verdade, nem sequer sua meia-irmã era chamada. Mas, ao ficarem mais velhas, as crianças passaram a reproduzir o preconceito dos pais.

“Eles me chamavam de ‘menino Aids, menino gay’. Foi quando comecei a me sentir isolado e solitário. Parecia não haver um lugar no mundo para mim.”

Aos 10 anos, ele começou juntar as peças da história do crime cometido por seu pai, mas levou alguns anos para compreender a dimensão daquele ato.

“No início fiquei bravo e amargo. Cresci assistindo filmes em que os pais celebravam os filhos. Não conseguia entender como meu pai tinha feito aquilo comigo”, diz Jackson.

“Ele não apenas tentou me matar, ele mudou minha vida para sempre. Ele foi responsável por toda perseguição que sofri, por todos os anos no hospital. Ele é a razão pela qual preciso ter tanto cuidado com minha saúde e com tudo que faço.”

Superação
Aos 13 anos, estudando a Bíblia sozinho no quarto, ele encontrou sua fé, o que o permitiu perdoar o pai. “Perdão não é algo fácil, mas não quero me rebaixar ao nível dele.”

Apesar de ter nascido como Bryan Stewart Jr., no ano passado, ele acrescentou um segundo “R” ao seu nome e adotou o sobrenome da mãe. “Isso ajudou a proteger minha identidade”, diz Jackson.

“Também me deu a oportunidade de dizer que não tenho qualquer ligação com Bryan Stewart. Sou vítima de seus crimes.”

“Na audiência, ele continuava a me chamar de filho. Tentei levantar a mão para pedir que ele se referisse a mim como sua vítima. Pensei: ‘Eu já fui seu filho em algum momento? Eu era seu filho quando você injetou HIV de próposito em mim?’.”

Mesmo nos piores momentos no hospital, Jackson mantinha o bom humor e fazia as enfermeiras rirem com imitações do personagem de cinema Forrest Gump.

“Sempre fiz piadas. Gosto de brincar com o que é vida de alguém HIV positivo ou de quem não tem boa audição ou não tem pai. Se não tivesse começado a fazer palestras motivacionais, teria me tornado um comediante”, diz Jackson.

“As pessoas ficam confusas. Elas pensam que meu humor é uma forma de lidar com a situação, mas acredito que, se você tem a capacidade de rir de uma tragédia e das coisas ruins da vida, isso te empodera.”

Em julho, Jackson recebeu uma carta do Departamento de Correições do Missouri informando que a liberdade condicional de seu pai havia sido negada pelos próximos cinco anos, com base na audiência.

“Tudo que pude fazer no tribunal foi ler minha declaração e rezar para que a Justiça fosse feita. Mas ter um veredito é algo muito poderoso”, afirma.

“Houve um tempo em que acordava de pesadelos com medo de que ele voltasse para terminar o trabalho. Posso tê-lo perdoado, mas, ainda assim, acho que ele tem que pagar pelo que fez.”

Ainda que seu pai argumente que sofria de transtorno de estresse pós-traumático após sua temporada na Arábia Saudita, Jackson não está convencido disso – diz que o pai era da reserva da Marinha e nunca entrou em combate.

Futuro
Enquanto isso, continua a superar expectativas médicas.

“Sou mais saudável do que um cavalo. Minha contagem de células T (do sistema imunológico) está acima da média. Isso faz com que praticamente não tenha chances de transmitir o vírus. Tomava 23 comprimidos. Hoje só tomo um, e meu status de HIV é ‘indetectável'”, diz ele, com sorriso no rosto.

“Mas ainda tenho HIV. Uma vez diagnosticado, para sempre diagnosticado.”

Hoje, Jackson se ocupa com a carreira de palestrante e em sua organização de caridade, a Hope Is Vital (Esperança É Vital, em inglês), que busca conscientizar o público sobre o HIV. Mas sempre encontra tempo para sonhar com a paternidade.

Cita a técnica conhecida como “lavagem de esperma”, que separa os espermatozoides do fluido seminal e permite que pais soropositivos tenham filhos sem infectar as parceiras. A inseminação é artificial.

“Amaria ter filhos. Ser pai é algo que está traçado no meu destino. Quero apoiar e torcer por eles, mostrar que sempre estarei ao lado deles para protegê-los. E que coisas ruins podem fazer com que coisas incríveis se tornem realidade.”