Advogado da família diz que Elizabete já deixou o Rio por segurança. Ele fala também que o filho dela está sob pressão e, por isso, a desmentiu.
O advogado da família do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, assassinado por policiais da UPP da Rocinha em 2013, entrou com uma petição para impedir que um vídeo gravado com a viúva, Elizabete da Silva, seja usado na campanha do candidato à prefeitura do Rio Marcelo Crivella (PRB). O advogado João Tancredo afirmou ao G1 que Bete já deixou a cidade por questões de segurança.
Ela relatou na delegacia da Rocinha que foi induzida, após receber dinheiro para usar drogas, a criticar o adversário do bispo, Marcelo Freixo (PSOL), em um programa que seria utilizado em anúncio de TV. Em um vídeo ao qual o G1 teve acesso e que circula na internet, Emerson Gomes de Souza negou também que houve consumo de drogas por parte da mãe.
“Ninguém coagiu minha mãe a nada. Ninguém deu droga para minha mãe, não deu bebida alcoólica, não deu nada. Minha mãe quis falar por livre e espontânea vontade”, diz ele. Em outro, no entanto, uma irmã dele confirma a história da mãe. Já o advogado afirma que Emerson recebeu presentes da associação de moradores para fazer as declarações.
O grupo, segundo ele, apoiaria a candidatura de Crivella. “O Emerson está sendo muito pressionado em razão do emprego dele. Sofre pressão porque é gari comunitário, cujo vínculo é com associação de moradores e poderia ser demitido”, disse o advogado.
A petição para impedir a exibição do programa, protocolada na noite de quinta-feira (27), diz que os autores do vídeo se aproveitam de uma “dolorosa história” para fins eleitorais. O documento fala também em “propaganda negativa” interessada em “difundir inverdades, calúnias e boataria”.
Bete registrou ocorrência na delegacia da Rocinha na quinta. Ela diz que os autores do vídeo perguntam a ela se Freixo ficou com parte do valor da campanha “Somos Todos Amarildo”, o que o candidato socialista refuta. Com o projeto, Elizabete comprou uma casa para a família após a morte do marido. A viúva de Amarildo diz, porém, que não se lembra do que respondeu.
Vídeo para campanha de candidato
Segundo o advogado, Bete é usuária de drogas e gravou o vídeo após receber dinheiro para comprar cocaína. “Eles falaram: toma aqui e vai lá comprar uma coisinha”. Bete teria saído de casa e voltado instantes depois. Já a campanha de Crivella diz que foi buscada espontaneamente para ouvir a denúncia relativa a campanha de Amarildo.
“Ela foi procurada tarde da noite na casa dela por uma quantidade de 12 a 15 homens que insinuavam que o advogado [o próprio Tancredo] e Marcelo Freixo tinham ficado com o dinheiro da campanha chamada ‘Somos Todos Amarildo’. Sendo que a família sabe que parte era para compra da casa e parte para um projeto sobre outros desaparecidos no Rio de Janeiro”, afirma o advogado.
Bete também garante que foi surpreendida em casa pela chegada do grupo que trabalha para Crivella. Ela se diz eleitora de Freixo e disse ter confiança nele. “Eu não procurei esse povo [do Crivella]. Eles vieram falar para mim que iam fazer a filmagem da minha casa para o Crivella ganhar [a eleição], arrumar minha casa e arrumar um dinheiro para mim durante quatro anos”, diz Bete.
Segundo Tancredo, os homens se disseram funcionários da campanha de Crivella e teriam dado R$ 190 a Elizabete, que teria comprado droga com o dinheiro. Depois de gravar o material, eles teriam dado mais R$ 100 e dito que ela seria recompensada pela colaboração.
Tancredo opina que o caso é uma “perversidade” por “aproveitar” a fragilidade da família. O advogado disse também que vai tentar impedir judicialmente que as imagens de sua cliente sejam veiculadas. “Tenho plena compressão se ela tenha dito qualquer coisa em que não acredita. Vamos solicitar as gravações e buscar a não-divulgação das imagens”.
O advogado disse estranhar o fato de que os homens chegaram à casa de Bete sem nenhum integrante da Associação de Moradores da Rocinha, por conta da presença do tráfico de drogas, apesar da instalação de UPPs. Já a campanha de Crivella diz que foi procurada justamente através de uma das associações da comunidade.
Saída da Rocinha
No final da tarde de quinta-feira, Elizabete deixou a Rocinha. Segundo João Tancredo, ela estava muito assustada com a repercussão. “A ideia é levá-la para algum lugar onde ela se sinta segura”, disse Tancredo.
Elizabeth da Silva, viúva de Amarildo de Souza, deixa a delegacia após registrar queixa contra campanha de
Veja nota da campanha de Crivella na íntegra:
Na semana passada, a equipe de campanha do senador Marcelo Crivella foi contatada pela Associação de Moradores da Rocinha informando que Elizabete Gomes da Silva, viúva do pedreiro Amarildo, queria conversar sobre o dinheiro arrecadado numa campanha de solidariedade à família que não foi repassado integralmente a ela e a seus seis filhos com Amarildo. Recebemos quatro vídeos com as denúncias de Elizabete.
No início da noite da última terça-feira, por volta das 20h, uma equipe da campanha com quatro integrantes foi entrevistá-la. Elizabete falou por mais de uma hora na presença de dois representantes da Associação de Moradores da Rocinha. Ela não estava sob o efeito de álcool, ao contrário do que Ancelmo Gois afirma em sua coluna de hoje no Globo. A mulher de Amarildo tampouco registrou queixa ontem (quarta-feira, 26) na 16ª DP, na Barra, como diz o jornal.
Elizabete esteve hoje na 11ª DP, na Rocinha, onde registrou queixa, acompanhada do advogado João Tancredo, que doou R$ 200 mil para a campanha do candidato Marcelo Freixo (o montante representa 14% do total arrecadado).
A campanha reitera que não houve consumo de álcool por parte de ninguém durante toda a entrevista.
Acrescenta que a conversa foi sugerida e autorizada por Elizabete. Não houve oferta de dinheiro ou de qualquer outra vantagem, muito menos promessa de reforma de sua casa ou de emprego por quatro anos.
A campanha pretende ainda tomar as medidas legais cabíveis.
Nota da campanha de Marcelo Freixo sobre a campanha “Somos Todos Amarildo”
A campanha “Somos Todos Amarildo”, organizada por artistas, juristas e pesquisadores da área de segurança pública após o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, em julho de 2013, arrecadou R$ 359.341,77 através de leilão realizado pela produtora Paula Lavigne e show de Caetano Veloso e Marisa Monte no Circo Voador. Deste total, R$ 186.213,48 foram doados para a família.
O restante do dinheiro foi destinado a entidades que atuam na defesa dos Direitos Humanos: Grupo Tortura Nunca Mais, Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, Associação de Mídia Comunitária da Rocinha (TV Tagarela), Projeto Via Sacra e Associação Cristã de Ação e Desenvolvimento do Rio de Janeiro.
O projeto “Somos Todos Amarildo” tinha dois objetivos, que foram acordados com a família e bastante divulgados: comprar uma nova casa para a família do pedreiro e financiar o desenvolvimento de um programa sobre pessoas desaparecidas no Rio em consequência de ações de agentes do Estado. A ideia era produzir o perfil das vítimas, entender como ocorrem os desaparecimentos, descobrir as principais dificuldades para a investigação e prestar assistência às famílias.
O primeiro objetivo foi atingido. A nova casa, escolhida pela viúva de Amarildo, Elizabete Silva, e seus filhos na Rocinha custou R$ 50 mil. Os eletrodomésticos e móveis foram adquiridos por R$ 10 mil. O segundo objetivo, infelizmente, não foi alcançado devido à não colaboração do governo do Estado.
Lamentavelmente, o governo Sérgio Cabral não forneceu as informações necessárias para o desenvolvimento do programa sobre pessoas desaparecidas. A coordenação do projeto, formada por Julita Lemgruber (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes), Ignacio Cano (Laboratório de Análise da Violência da UERJ), Michel Misse (Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ) e Glaucio Soares (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ), encaminhou diversos pedidos de informações ao Instituto de Segurança Pública, ligado à Secretaria de Segurança Pública, mas não obteve resposta.
Diante disso, com descrito anteriormente, o dinheiro que seria usado para financiar o programa foi destinado à família e às entidades que atuam na defesa e promoção dos Direitos Humanos. Todas as decisões foram tomadas pelo conjunto de pessoas envolvidas no projeto, inclusive a família de Amarildo.
Relembre o caso Amarildo
O ajudante de pedreiro Amarildo de Souza sumiu após ser levado por policiais militares para ser interrogado na sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) durante a “Operação Paz Armada”, de combate ao tráfico na comunidade, entre os dias 13 e 14 de julho de 2013.
Na UPP, o pedreiro teria passado por uma averiguação. Após esse processo, segundo a versão dos PMs, eles ainda passaram por vários pontos do Rio antes de voltar à sede da UPP, onde as câmeras de segurança mostram as últimas imagens de Amarildo, que, segundo os policiais, teria deixado o local sozinho, o que as câmeras não registraram.
Em janeiro deste ano, a juíza Daniella Alvarez Prado, da 35ª Vara Criminal da Capital, condenou 12 dos 25 policiais militares denunciados pelo desaparecimento e morte de Amarildo.