Denúncia foi feita depois que aluno morreu após aula prática de salvamento. Ex-aluno teve treinamento com a mesma instrutora; ela foi afastada em MT.
Um ex-aluno do curso de formação do Corpo de Bombeiros em Mato Grosso denunciou ter passado por tortura e sessões de afogamento durante um treinamento de salvamento, no início deste ano. O rapaz passou por treinamento na Lagoa Trevisan, em Cuiabá, e tinha como instrutora uma tenente dos bombeiros. A mesma tenente foi afastada das funções após a morte de um aluno no dia 15 deste mês.
Rodrigo Claro, de 21 anos, ficou cinco dias internado e morreu depois de passar mal do treinamento. A família do aluno alega que houve tortura e omissão de socorro por parte do Corpo de Bombeiros. Eles também declararam que Rodrigo revelou ter medo de participar das atividades por ser perseguido pela tenente.
A tenente foi afastada das funções e teve a promoção para capitã, suspensa até a conclusão do inquérito. Além da tentente, outras 11 pessoas responsáveis pelo curso foram afastadas do cargo e devem cumprir funções administrativas até a conclusão do inquérito. De acordo com o comandante geral do Corpo de Bombeiros, coronel Júlio Cesar Rodrigues, o inquérito policial militar deve ser concluído entre 30 e 50 dias.
Em entrevista à TV Centro América, o ex-aluno, que pediu para não ser identificado, descreveu o que passou durante o treinamento de salvamento.
Ele, que pertencia a outro grupo de alunos, fez o curso por oito meses e, faltando um mês para a formatura, ocorrida em maio deste ano, acabou desistindo. Ele afirma que ocorreram outros casos e que as sessões de afogamento são comuns.
O ex-aluno afirma que foi afogado pela tenente e humilhado pela oficial durante a travessia na Lagoa Trevisan. Os alunos, antes de entrar na água, já tinham feito flexões, corridas e outras atividades físicas.
“Eu já estava muito cansado, fui rebocado pelos meus colegas em uma boia. No meio da lagoa ela [a tenente] pediu que me soltassem e me chamou até ela. Ela pegou a boia, o cabo que os meninos me puxavam, ela passou por volta do meu pescoço, embaixo do meu braço e começou a fazer os afogamentos. Ela começou a me puxar pra baixo por várias vezes”, afirmou o ex-aluno.
O rapaz conta que pediu para que a tenente parasse com os afogamentos, até que perdeu os sentidos. “Em algum momento, eu peguei nela e disse: ‘pelo amor de Deus, para, para, porque você vai me matar”, declarou o ex-aluno.
Ele se recordou que ia para o fundo do lago, se afogando, e demorava para retornar à superfície. “Eu fui torturado. Eu sou a prova dessa tortura. Ela me torturou naquele dia. E depois, psicologicamente também. Foi então que eu tinha certeza que não tinha mais condições de eu continuar”, recordou.
Depois do afogamento, o rapaz diz que redobrou os sentidos ao ser retirado da água, por dois sargentos dos bombeiros. “Eles me tiraram para fora da lagoa e eu comecei a vomitar toda aquela água que eu tinha engolido. No meio da lagoa ela [a tenente] gritava: ‘Você vai voltar, tem que voltar.’ Eu só disse que não ia voltar. Ela começou a fazer esse mesmo procedimento e afogar mais dois alunos, uma menina e um menino”, afirmou.
Ele diz que foi socorrido em uma ambulância e levado para um hospital, onde recebeu medicação e soro.
“[Ocorriam] muitos excessos, principalmente nas instruções de salvamento aquático. Eu não ia conseguir me formar se tivesse continuado. É muita maldade, parece que ela sente prazer em fazer isso. Ela xinga, fala palavrões e tortura psicologicamente. Te chama de frouxo, diz que você não vai conseguir, não vai aguentar, diz que você é um lixo. São palavras que ofendem até os pais e as famílias”, disse.
Rodrigo Claro
Rodrigo queixou-se de dor de cabeça durante a realização das aulas. O aluno realizava uma travessia a nado na lagoa e quando chegou à margem informou o instrutor que não conseguiria terminar a aula.
Em seguida, segundo os bombeiros, ele foi liberado e retornou ao batalhão e se apresentou à coordenação do curso para relatar o problema de saúde. O jovem foi encaminhado a uma unidade de saúde e sofreu convulsões.
Nas mensagens enviadas por um aplicativo de telefone, Rodrigo alerta a mãe sobre o que poderia acontecer. “Se você não conseguir, passar mal, sei lá. Até eles te pegarem e verem que você não está de corpo mole”, diz a mensagem. Horas depois, Rodrigo volta a falar com a mãe e mandou a última mensagem antes de ser internado em coma.
Ela negou que o filho reclamava de dores de cabeça. De acordo com laudo preliminar da Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec), a causa da morte é indefinida e um novo laudo será emitido no prazo de 15 dias.