Condenado a 22 anos pela morte de Eliza Samudio, ex-jogador vai aguardar julgamento de recursos em liberdade; soltura foi determinada pelo STF.
O goleiro Bruno Fernandes, condenado a 22 anos e 3 meses de prisão pelo assassinato da ex-namorada Eliza Samudio, afirma que a prisão perpétua não traria de volta a vítima do crime. O ex-jogador deu a declaração em entrevista exclusiva à TV Globo Minas logo após ser libertado na noite de sexta-feira (24).
“Independente (sic) do tempo que eu fiquei também, eu queria deixar bem claro, se eu ficasse lá, tivesse prisão perpétua, por exemplo, no Brasil… não ia trazer a vítima de volta”, afirmou o ex-jogador aos repórteres Fernando Zuba e Saulo Luis.
Bruno deixou a unidade prisional por decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora tenha sido condenado, o goleiro estava preso preventivamente, enquanto aguarda o julgamento de sua apelação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
Marco Aurélio entendeu que há excesso de prazo nessa prisão e que o goleiro tem direito a aguardar em liberdade a decisão sobre os recursos. Depois de julgados os recursos, caso a condenação seja mantida, ele deve voltar para a prisão. Veja a decisão na íntegra.
Na entrevista, Bruno avalia que pagou pelo “erro” que cometeu. “Paguei, paguei caro, não foi fácil. Eu não apagaria nada. Isso serve pra mim de experiência, serve como aprendizado e não como punição”, disse.
“Eu acho que, nessa questão de apagar o passado das coisas, eu não apagaria nada porque através de muito… por mais que eu não tivesse amigos verdadeiros, por mais que eu não tivesse passado por certas situações na [Penitenciária] Nelson Hungria, como eu passei, eu talvez eu não daria tanto valor à vida hoje.”
O goleiro também afirmou que quer retomar a vida profissional. “Eu quero deixar bem claro que eu vou recomeçar. Não importa se seja no futebol, não importa se seja em outra área profissional, mas como eu vou estar na área do futebol, é o que eu almejo pra mim”.
De acordo com o TJMG, a condenação de Bruno em primeira instância está mantida até que todos os recursos da defesa sejam julgados. O goleiro deverá ter endereço fixo, devidamente informado à Justiça. Sobre a demora no julgamento do pedido de habeas corpus, o tribunal disse que não vai se manifestar. A advogada que representa a mãe de Eliza Samudio disse que Sônia Samudio ficou muito tensa com a libertação do goleiro. A defensora também declarou que espera que a liminar seja derrubada pelo STF.
A soltura
A Justiça considerou Bruno culpado pelo homicídio triplamente qualificado, sequestro e cárcere privado de Eliza Samudio, ex-namorada do goleiro. O crime ocorreu em 2010 e o julgamento, em 2013. A defesa dele queria a anulação do júri, mas o recurso ainda não foi analisado pelo TJMG.
Nesta sexta-feira (24), às 19h37, o goleiro deixou a Apac, acompanhado de advogados e da mulher, Ingrid Calheiros. Ele cumprimentou algumas pessoas do lado de fora e saiu em um carro que já o aguardava. Bruno não quis falar com os jornalistas. Segundo a defesa, ele não terá de usar tornozeleira eletrônica.
O advogado de Bruno, Lúcio Adolfo, lembrou que a decisão de Marco Aurélio é provisória e que o ministro ainda precisa decidir sobre o mérito do pedido de liberação. “Trata-se de uma decisão liminar [provisória] no habeas corpus, o habeas corpus ainda terá que ser julgado, mas dificilmente, pode voltar atrás depois de colocar um rapaz primário, bons antecedentes na rua”, disse o advogado de Bruno, Lúcio Adolfo.
Clamor social
Segundo o ministro, Bruno é réu primário, tem bons antecedentes e poderia ter obtido direito de recorrer em liberdade contra a condenação. Marco Aurélio Mello diz que o clamor social não deve ser colocado à frente de garantias individuais. Segundo ele, o condenado está preso há mais de seis anos sem culpa definitiva “formada”.
No despacho, o ministro do STF afirma que Bruno deverá ficar na casa que informar à Justiça, atender aos chamamentos judiciais, informar eventual transferência e “adotar a postura que se aguarda do cidadão integrado à sociedade”.
O G1 conversou com um jurista sobre a decisão de soltura. “O entendimento do Supremo é que pode se iniciar a execução da pena com a condenação em segunda instância, o que não ocorreu neste caso. O ministro está argumentando que Bruno está preso há 6 anos e sete meses anos sem culpa formada, isto é, sem o julgamento do recurso pelo tribunal. Recurso este contra a condenação de primeira instância”, disse Marcelo Peixoto, também advogado criminalista e professor.
Condenação
Bruno foi condenado a 17 anos e 6 meses em regime fechado por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, asfixia e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima), a outros 3 anos e 3 meses em regime aberto por sequestro e cárcere privado e ainda a mais 1 ano e 6 meses por ocultação de cadáver. A pena foi aumentada porque o goleiro foi considerado o mandante do crime, e reduzida pela confissão do jogador.
Eliza desapareceu em 2010 e seu corpo nunca foi achado. Ela tinha 25 anos e era mãe do filho recém-nascido do goleiro Bruno, de quem foi amante. Na época, o jogador era titular do Flamengo e não reconhecia a paternidade.
Leia a íntegra da decisão de Marco Aurélio Mello:
DECISÃO
HABEAS CORPUS – AUTUAÇÃO.
PRISÃO PREVENTIVA – FUNDAMENTOS – INSUBSISTÊNCIA.
PRISÃO PREVENTIVA – EXCESSO DE PRAZO.
HABEAS CORPUS – LIMINAR – DEFERIMENTO.
1. A assessora Dra. Mariana Madera Nunes prestou as seguintes informações:
O Juízo do Tribunal do Júri da Comarca de Contagem/MG, no processo nº 0079.10.035.624-9, condenou o paciente a 22 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial fechado, ante o cometimento dos crimes descritos nos artigos 121, § 2º, incisos I, III e IV (homicídio qualificado por motivo torpe, com emprego de asfixia e com recurso que dificultou a defesa da vítima), 148, § 1º, inciso IV (sequestro e cárcere privado qualificado por ser a vítima menor de 18 anos), e 211 (ocultação de cadáver), todos do Código Penal. Negou o direito de recorrer em liberdade, afirmando presentes os requisitos ensejadores da preventiva, determinada em 4 de agosto de 2010. Aludiu à gravidade dos delitos, ao temor causado na sociedade e à necessidade de resguardar a paz social.
A defesa interpôs apelação em face da decisão por meio da qual determinada a expedição de certidão de óbito da vítima, não conhecida pelo Juízo. Contra esse pronunciamento, formalizou-se recurso em sentido estrito, provido pela Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para receber a apelação. Protocolou-se nova apelação após a sessão de julgamento do Tribunal do Júri.
Chegou-se ao Superior Tribunal de Justiça com o habeas corpus nº 363.990/MG, inadmitido pelo Relator. Os impetrantes sustentam o excesso de prazo da constrição cautelar, uma vez transcorridos mais de 3 anos desde o julgamento, sem análise da apelação interposta. Dizem tratar-se de antecipação de pena. Destacam as condições pessoais favoráveis do paciente – primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita.
Requerem, em âmbito liminar, a revogação da custódia, com expedição de alvará de soltura. Sucessivamente, buscam a imposição das medidas cautelares versadas no artigo 319 do Código de Processo Penal, especificamente o recolhimento domiciliar com monitoramento eletrônico. No mérito, pretendem a declaração do direito de aguardar em liberdade o trâmite do processo-crime.
A impetração foi inicialmente distribuída ao ministro Teori Zavascki, tendo sido determinada, pela Ministra Presidente a redistribuição, a teor do artigo 38, inciso I, do Regimento Interno do Supremo. O processo foi concluso a Vossa Excelência no último dia 13 de fevereiro.
Consulta ao sítio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais revelou que o recurso de apelação foi remetido para a Quarta Câmara Criminal em 25 de novembro de 2016, estando pendente de apreciação.
Anoto que o paciente encontra-se recolhido, em razão do implemento de prisão temporária, posteriormente convertida em preventiva, desde 20 de julho de 2010.
A fase é de apreciação da medida acauteladora.
2. Retifiquem a autuação considerada a redistribuição.
3. Os fundamentos da preventiva não resistem a exame. Inexiste, no arcabouço normativo, a segregação automática tendo em conta o delito possivelmente cometido, levando à inversão da ordem do processo-crime, que direciona, presente o princípio da não culpabilidade, a apurar-se para, selada a culpa, prender-se, em verdadeira execução da pena. O Juízo, ao negar o direito de recorrer em liberdade, considerou a gravidade concreta da imputação. Reiterados são os pronunciamentos do Supremo sobre a impossibilidade de potencializar-se a infração versada no processo. O clamor social surge como elemento neutro, insuficiente a respaldar a preventiva. Por fim, colocou-se em segundo plano o fato de o paciente ser primário e possuir bons antecedentes. Tem-se a insubsistência das premissas lançadas.
A esta altura, sem culpa formada, o paciente está preso há 6 anos e 7 meses. Nada, absolutamente nada, justifica tal fato. A complexidade do processo pode conduzir ao atraso na apreciação da apelação, mas jamais à projeção, no tempo, de custódia que se tem com a natureza de provisória.
3. Defiro a liminar pleiteada. Expeçam alvará de soltura a ser cumprido com as cautelas próprias: caso o paciente não se encontre recolhido por motivo diverso da preventiva formalizada no processo nº 079.10.035.624-9, do Juízo do Tribunal do Júri da Comarca de Contagem/MG. Advirtam-no da necessidade de permanecer na residência indicada ao Juízo, atendendo aos chamamentos judiciais, de informar eventual transferência e de adotar a postura que se aguarda do cidadão integrado à sociedade.
4. Colham o parecer da Procuradoria-Geral da República.
5. Publiquem.
Brasília, 21 de fevereiro de 2017.
Ministro MARCO AURÉLIO
Relator