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‘Porta do Inferno’: a gigantesca cratera que continua crescendo e revela como a Terra era há 200 mil anos

Alexander Gabyshev / BBCBrasil.com

Alexander Gabyshev / BBCBrasil.com

Um buraco de 1 quilômetro de extensão e 85 metros de profundidade não para de crescer em uma remota região da Rússia e é chamado de “porta para o inferno” por pessoas que vivem na região, que preferem evitá-lo.

Mas cientistas asseguram que se trata de uma cratera única, um registro detalhado de 200 mil anos de história da Terra.

Batagaika, a gigantesca cratera, emerge de forma dramática na floresta boreal da Sibéria à medida que o permafrost – tipo de solo que está sempre congelado – derrete como efeito do aquecimento global.

A cratera tem crescido na média de 10 metros por ano. Mas em anos mais quentes, esse aumento chegou a 30 metros, conforme indicou estudo do Instituto Alfred Wegener em Potsdam, na Alemanha. A instituição vem monitorando o buraco há uma década.

Camadas expostas com o degelo do permafrost indicam como eram clima, fauna e flora há 200 mil anos

Foto: Julian Murton / BBCBrasil.com

A cratera representa uma rara oportunidade de observar, ao mesmo tempo, o passado, o presente e o futuro.

As camadas de sedimento expostas revelam como era o clima na região há 200 mil anos. Resquícios de árvores, pólen e animais indicam que, no passado, a área foi uma densa floresta.

Esse registro geológico pode ajudar a compreender como será, no futuro, a adaptação da região ao aquecimento global. E, ao mesmo tempo, o crescimento acelerado da cratera é um indicador imediato do impacto cada vez maior das mudanças climáticas no degelo do permafrost.

Desmatamento

A cratera apareceu na década de 60, de acordo com Julian Murton, professor da Universidade de Sussex, na Inglaterra.

O rápido desmatamento na região deixou o terreno sem a proteção das sombras das árvores nos meses de verão. Assim, os raios de sol aqueceram o solo e aceleraram o processo de degelo, uma vez que era a vegetação que mantinha o solo resfriado.

“Esta combinação de menos sombra e transpiração levou a um aquecimento da superfície”, explica Murton em entrevista à BBC.

Com o derretimento do permafrost, é possível que venham a surgir mais crateras como também lagos e bacias hidrográficas.

Para o professor, “à medida que o gelo derrete em novas profundidades, podemos ver o surgimento de paisagens novas”.

Ao emergir, cratera revelou siknais de densa floresta que existiu no local há centenas de milhares de anos

Foto: Julian Murton / BBCBrasil.com

Reconstituição histórica

Cientistas ainda trabalham na análise de sedimentos e tentam decifrar a cronologia exata da cratera.

“Queremos saber se as mudanças climáticas durante a última Era do Gelo esteve caracterizada por uma grande variabilidade, com períodos intercalados de aquecimento e esfriamento”, diz Murton.

A taxa de crescimento da cratera é um indicador direto do crescente impacto das alterações climáticas no permafrost

Foto: Julian Murton / BBCBrasil.com

Isso é importante porque a história climática de grande parte da Sibéria ainda pode ser considerada um mistério. Ao reconstruir alterações ambientais do passado, cientistas esperam conseguir prever mudanças similares no futuro.

Há 125 mil anos, por exemplo, houve um período interglacial, com temperaturas vários graus acima das registradas atualmente.

“Entender como era o ecossistema pode nos ajudar a entender como a região se adaptará ao atual aquecimento do clima”, afirma o professor Julian Murton.

‘O aquecimento acelera o aquecimento’

A cratera Batagaika pode oferecer lições cruciais, em especial sobre os mecanismos que aceleram o aquecimento em áreas de permafrost.

À medida que o degelo avança, mais e mais carbono é exposto a micróbios. Estes micro-organismos consomem carbono e produzem dióxido de carbono e metano – gases causadores do efeito estufa.

À medida que o permafrost degela, gases como dióxido de carbono e metano são liberados e aceleram o aquecimento global

Foto: Julian Murton / BBCBrasil.com

O metano é capaz de acumular 72 vezes mais calor que o dióxido de carbono num período de 20 anos.

Além disso, os gases liberados pelos micróbios na atmosfera aceleram ainda mais o aquecimento.

“É o que chamamos de ‘feedback positivo'”, explica Frank Gunther, do Instituto Alfred Wegener. “O aquecimento acelera o aquecimento e, no futuro, poderemos ver mais estruturas como a cratera de Batagaika”, completa o pesquisador.

Segundo o pesquisador, não há nenhuma obra de engenharia que possa conter o desenvolvimento dessas crateras.