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Modelo trans sonha ser vista como mulher, e não como ‘criatura exótica’

'Acredito que um dia possa ser irrelevante esse detalhe', diz Branca. Jovem de 23 anos estuda arquitetura em Campinas e fala sobre feminismo.

Branca Brunelli/Arquivo pessoal

Branca Brunelli/Arquivo pessoal

Reconhecimento. Essa é a meta da trans Branca Bacci Brunelli, de 23 anos. A modelo e estudante de arquitetura de Campinas (SP) já teve várias conquistas, mas ainda luta para ser reconhecida e respeitada como mulher.

“[Falta] principalmente o meu espaço como mulher. É a forma como eu me sinto, como eu me vejo, e conseguir transparecer isso para o mundo é uma conquista”, diz.

Os convites para trabalhos como modelo, e até como atriz em um filme com produção prevista para este ano, são para um papel de trans. Ela espera, um dia, ser convidada para representar uma mulher.

“Não quero ser lida como uma criatura exótica. Da mesma forma que vão chamar uma modelo, independente se ela é loira, morena, cis ou trans. É claro que tem um perfil do que é procurado. Mas acredito que um dia possa ser irrelevante esse detalhe”, desabafa.

Objeto sexual
Para Branca, o machismo é o pai de todos os outros preconceitos, e ela conta que ser vista como objeto sexual é só um exemplo.

“Erroneamente, somos vistas como pessoas que abdicaram do ‘privilégio’ de ser homem para se tornar um ser inferior, uma figura secundária. […] Muitas pessoas acabam não nos vendo nem de uma forma nem de outra. Não somos sequer vistas como pessoas. Muitos dos nossos direitos como cidadãos acabam sendo deixados de lado”, afirma.

Força
Em relação às vantagens e desvantagens de assumir o papel de mulher, Branca define: “Ser mulher é ser força”.

“É dito que a força e a coragem são atributos masculinos, mas acredito que isso é muito parte do caráter feminino. Temos que nos prender a essas virtudes de força e coragem para que nós possamos melhorar, sobreviver”, afirma.

A jovem trans não anda sozinha nas ruas por medo e questiona as limitações enfrentadas por uma mulher no mercado de trabalho, como ter uma remuneração menor que a dos homens. A “tarefa” de ser uma mulher não é nada fácil.

“Acho que torna mais difícil em alguns aspectos. […] Questão de segurança, questões salariais. Ajuda? Não sei dizer. Um funcionário é mais gentil porque somos mulheres. Mas é algo que vem do machismo, pode ter uma conotação erótica, não está só fazendo o trabalho dele”.

Ela lida com machismos; trans são vistas como objeto sexual (Foto: Kenji Nakamura/Arquivo pessoal)

Transfeminismo
No movimento transfeminista – uma vertente do feminismo que “abraça” as trans pelos direitos das mulheres na sociedade – Branca encontra apoio, mesmo sem ser uma militante.

A busca é por ter a liberdade de tomar as decisões sobre a própria vida e sobre o próprio corpo – inclusive para realizar procedimentos cirúrgicos que condizem com as transformações de uma trans –, sem barreiras burocráticas.

“Parto do princípio de que todos nós somos iguais aos olhos da Justiça, da natureza, de Deus. Tanto homens, mulheres, mulheres trans. […] O transfeminismo é necessário para nos igualar. […] Nós ainda somos espremidas dentro das causas gays, e certas dificuldades que passamos são particulares aos trans”, explica a jovem.

Ela é contra a ideia de que mulheres cis e mulheres trans sejam tratadas de forma diferente. “Vejo muito das feministas radicais que excluem as mulheres trans. Mas vejo como uma grande hipocrisia. Excluir determinado tipo de mulher pra mim é uma forma de machismo. Isso não é feminismo”.

Branca acredita que trans e mulheres devem ter os mesmos direitos (Foto: Branca Brunelli/Arquivo pessoal)

Machismo no relacionamento
Apesar da luta, o “papel” de mulher acaba sendo bem definido no relacionamento de Branca com o namorado. As preferências determinam a divisão de tarefas, e ela defende que faz o que gosta em casa.

“Meu namorado vai cuidar do meu carro e eu tenho que arrumar o armário de casa. […] Até por uma questão de aptidão. Ele entende mais disso, obviamente, vou preferir que ele faça isso do que eu. Eu não cozinho, não é algo que eu goste. Organizar as coisas, ditas femininas, faço não por ser minha obrigação como mulher, mas porque eu sei fazer”, diz.

‘Quero atingir mais pessoas’
A ideia de gravar vídeos e fazer um canal no YouTube, para contar sobre a transição e o dia a dia de quem passa pelo processo de se tornar transexual ou transgênero – muitas preferem ser chamadas de trans somente –, já rendeu quase 600 mil visualizações em uma das publicações. O canal foi criado há um ano.

“No começo me surpreendeu, não imaginei que seria tão rápido. Quero aumentar mais ainda, conseguir atingir mais pessoas. […] Ainda tem muita ignorância sobre esse assunto. É algo que me motiva, mas quero continuar trabalhando para ‘curá-las’ desse problema”, completa.

Branca encontra apoio nos ideais do movimento transfeminista (Foto: Branca Bacci Brunelli/Arquivo pessoal)