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Lua de Júpiter vira aposta de cientistas na busca por vida extraterrestre no Sistema Solar

O satélite natural, um dos 67 já identificados ao redor do gigante gasoso, é menor que a Lua terrestre. À distância, parece um mundinho congelado e marcado por “riscos” que parecem ter sido feitos por uma criança.

De perto, porém, os rabiscos são longas rachaduras lineares no gelo que cobre a superfície de Europa e que se estendem por milhares de quilômetros. Muitas estão preenchidas por uma substância desconhecida, apelidada pelos cientistas de “gosma marrom”.

A imensa gravidade de Júpiter gera forças que repetidamente criam um efeito elástico na lua. Mas os estresses criados na superfície de Europa são melhores explicados pela crosta de gelo flutuando em um oceano.

“Sabemos que há água sob a superfície por causa de medições feitas por missões anteriores. E isso faz de Europa um dos mais excitantes potenciais locais para procurarmos por vida”, diz Andrew Coates, do Laboratório Mullard de Ciências Espaciais da University College London, nos arredores de Londres.

O oceano de Europa tem uma profundidade estimada entre 80 km e 170 km – isso significa que poderia ter um volume de líquido duas vezes maior que os dos oceanos da Terra.

A água é um pré-requisito vital para a existência de vida, mas o oceano de Europa pode ter outros, como uma fonte de energia química para micróbios.

E mais: o oceano pode “se comunicar” com a superfície por uma série de maneiras, incluindo blocos aquecidos de gelo furando a crosta de gelo. Assim, o estudo da superfície pode dar pistas do que está acontecendo na água – por isso a Nasa está preparando duas missões para explorar Europa.

Uma é a Clipper, com lançamento previsto para 2022 e que entrará na órbita da lua. A outra, ainda sem nome, é uma tentativa de pousar ali.

Robert Pappalardo, do Jet Propulsion Laboratory, da Nasa, é o principal cientista da primeira missão.

“Queremos investigar o potencial que Europa tem de abrigar vida. Por isso precisamos tentar entender o que se passa no oceano e na crosta gelada – da composição à geologia, bem como o nível de atividade.”

A Clipper carregará nove instrumentos, incluindo uma câmera que mapeará a maior parte da superfície. Espectômetros analisarão a composição da lua, enquanto um radar de alta potência fará um mapeamento tridimensional da camada gelada. Por fim, um magnetômetro analisará as características mais gerais do oceano.

Mas desde que a missão Galileu descobriu sinais da existência de água em Europa, nos anos 90, sabemos que a lua jupteriana não é um caso isolado.

“Uma das mais significativas descobertas da última década em exploração planetária é que, se você atirasse uma pedra nos planetas do Sistema Solar além de Marte, você acabará acertando um mundo com oceanos”, diz Curt Niebur, outro cientista da missão Clipper.

Em Enceladus, outra das luas de Saturno, por exemplo, há um oceano subterrâneo que provoca “erupções” por meio de fissuras no polo sul. O satélite natural, por sinal, poderá ser o destino de uma missão na próxima década.

Niebur, porém, acredita no maior potencial de Europa.

“Europa é muito maior que Enceladus e tem mais de tudo: atividade geológica, águia, espaço, calor e estabilidade em seu ambiente.”

Mas se há um fator que torna a lua um caso especial é sua vizinhança: a órbita de Europa a leva bem adentro do poderoso campo gravitacional de Júpiter, que captura e acelera partículas criando cinturões de radiação intensa.

Eles “fritam” os componentes eletrônicos de espaçonaves, o que limita a duração de missões espaciais. Mas a mesma radiação causa reações químicas na superfície de Europa, resultando em compostos oxidantes.

Na Terra, reações entre oxidantes e compostos redutores fornecem a energia necessária para a vida. Mas em Europa esses oxidantes só são úteis para possíveis micróbios se chegarem ao oceano.

Os cientistas acreditam que isso pode acontecer com o processo de convecção da crosta, e que reatores criados pela interação entre a água salgada e o fundo rochoso do oceano podem reagir com os oxidantes.

“Você precisa dos dois polos da pilha”, explica Robert Pappalardo.

A missão da Nasa para pousar em Europa usaria a tecnologia Sky Crane, a mesma que de forma bem-sucedida pôs na superfície de Marte o jipe-robô Curiosity, em 2012. A sonda teria um sistema autônomo de aterrissagem para detectar obstáculos em tempo real.

Sendo assim, a missão Clipper terá a função de também fazer reconhecimento para um local de pouso.

“É como se estivéssemos procurando um oásis, com água próxima à superfície. Talvez a água seja morna e tenha materiais orgânicos”, diz Pappalardo.

A sonda que pousaria em Europa seria ainda equipada com uma serra para coletar amostras de gelo mais profundas e menos atingidas pela radiação.

“Queremos buscar as amostras mais preservadas possíveis. Uma forma é cavar fundo, a outra é buscar algum local em que tenha havido algum tipo de erupção, em que material fresco está caindo na superfície”, diz Niebur.

O telescópio espacial Hubble já observou o que podem ser jatos d’água em Europa, assim como em Enceladus. Mas não faz sentido para uma sonda ir a locais de erupção depois de muito tempo – seria necessário visitar locais de eventos mais recentes.

Cientistas precisam, então, descobrir o que está controlando os gêiseres usando a missão Clipper.