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Argentina aprova o uso medicinal da maconha

MARCOS BRINDICCI/REUTERS

Mulher mostra cartaz a favor da legalização da maconha para fins medicinais, nesta quarta-feira

O Senado da Argentina aprovou e transformou em lei o projeto que autoriza o uso medicinal da maconha, que já obteve aprovação da Câmara dos Deputados em novembro de 2016. A norma, que garante a certos pacientes o acesso ao óleo de cannabis, habilitando sua importação até que o Estado esteja em condições de produzi-lo, foi aceita pela unanimidade dos legisladores com 58 votos positivos. A necessidade de regulamentar a substância foi estimulada por grupos de mães de crianças com patologias, especialmente epilepsias, há mais de um ano, e a lei autoriza vários órgãos científicos estatais a produzir, com finalidade de pesquisa, mas não o cultivo particular, que continua sendo punido com prisão de até 15 anos se for o caso de muitas plantas ou de até dois se a justiça considerar que é para uso pessoal.

“Agora temos um marco legal quanto ao uso para pesquisa e tratamento e produção em cannabis medicinal. Não havia nada na Argentina e foi o que nós como mães e organizações conseguimos”, explicou em declarações à imprensa no Congresso Nacional Ana Maria Garcia, presidenta da Cannabis Medicial Argentina (Cameda). A aprovação não deixa de ser um avanço para os pacientes que precisam de prescrição de óleo de cannabis, como Benjamin, de dois anos e quatro meses, que sofre de síndrome de West com epilepsia refratária, ou seja, um tipo de patologia que rejeita a medicação. Trata-se de uma doença que produz entre 200 e 300 convulsões por dia e aparece entre o quarto e o sexto mês de vida. “O óleo fez com que Benja não tenha mais crises e que deixe de tomar todas as medicações. Ele hoje só consome uma gota por dia, do tamanho de um grão de arroz”, explica ao EL PAÍS Yamila Casagrande, sua mãe.

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“A lei é um pouco complicada, mas nós, mães que estivemos todo o ano passado fazendo um trabalho de formiga, visitando três ou quatro gabinetes por dia, explicando a deputados e senadores o que damos a nossos filhos, estamos muito emocionadas. Estamos felizes, mas para nós é claro que a lei é super incompleta e há muitas lacunas, porque nós desde o primeiro dia brigamos pelo autocultivo. Mas esta é uma portinha que abrimos e é muito positivo ter modificado em alguma coisa esta lei nefasta que tínhamos”, afirma a mulher que sorri ao lado do filho.

Depois de uma longa sessão na qual outros assuntos foram abordados, os senadores concordaram em avaliar a iniciativa sem debate prévio na Câmara, uma vez que o projeto já recebeu um amplo tratamento e consenso em comissões legislativas. Com esta aprovação, a Argentina se une a outros países latino-americanos como Colômbia, Uruguai e Chile, que já contam com medidas que regulamentam o uso terapêutico da cannabis. E como nos dois primeiros casos, faz isso sem autorizar a produção pessoal do remédio, elemento chave para evitar que as crianças se acostumem com a cepa. O advogado Mariano Fusero, da Associação do Pensamento Penal, explicou que “a lei, que deverá agora ser regulamentada, autoriza o cultivo de cannabis por parte do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas e o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária com fins de pesquisa e para elaborar a substância destinada aos tratamentos, mas sem habilitar o autocultivo para as famílias”, além da importação potencial do óleo, para o qual muitas empresas estrangeiras já sondaram as autoridades argentinas.

A nova lei, em seu artigo 8, autoriza a criação de um “Registro Nacional Voluntário” a fim de autorizar o cultivo a pacientes e familiares de pacientes afetados, em virtude do disposto pelo artigo 5o da lei 23.737 (a de drogas). Mas o aparte não modifica em anda a antiga letra — de 1989 —, que indica que o cultivo é um delito unicamente nos casos que se realizem “sem autorização ou com destino ilegítimo”. “A fim de contemplar o autocultivo, a norma deve ser clara e não dar espaço a interpretações vagas, imprecisas ou discricionárias”, afirma Fusero.

Para o advogado, a mesma situação acontece com a pesquisa da planta: “A normativa que data de mais de 50 anos e os instrumentos internacionais sempre permitiram ao Estado (e à iniciativa privada) realizar pesquisas com quaisquer substâncias proibidas e garantir seus usos médicos e científicos”. Em palavras mais simples, nada muda em relação a quem provê a matéria-prima para obter o remédio que gerou todo este debate. Apenas um exemplo: enquanto a lei era aprovada no Congresso, a ativista, cultivadora e dosificadora de óleo Brenda Chignoli sofria invasão de domicílio e apreensão de suas plantas na província de Córdoba. Ela recuperou a liberdade no meio da madrugada de quinta-feira, dia 30 de março, enquanto as comemorações evaporavam como fumaça.