O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve hoje (11) a anulação dos julgamentos dos 74 policiais militares acusados de participar do Massacre do Carandiru, em outubro de 1992. A 4ª Câmara Criminal do tribunal analisava a possibilidade de absolver os réus, hipótese levantada pelo voto divergente do desembargador Ivan Sartori em setembro de 2016, quando o resultado do júri foi considerado nulo. Com a anulação, os policiais militares acusados de participar do massacre serão julgados novamente.
Quatro desembargadores entenderam que apenas o júri pode decidir pela condenação ou absolvição em caso de crimes intencionais contra a vida. “Quando se quer absolver alguém, que o faz é a primeira instância. Nós estaríamos atravessando uma situação que só a primeira instância poderia trabalhar”, enfatizou o relator, desembargador Luís Soares de Mello.
Já o desembargador Sartori manteve a posição pela absolvição dos policiais, manifestada na sessão de setembro do ano passado. “Não se sabe quem atirou em quem. Se não existe o exame balístico, não existe uma condenação dessa forma. Nunca se viu isso na história, uma condenação conjunta”, disse, ao argumentar que não há elementos que apontem quais foram os crimes cometidos pelos acusados individualmente.
No dia 2 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo matou 111 presos em operação para controlar uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo. Conhecido como Carandiru, o presídio inaugurado em 1920 funcionava na zona norte da capital. O local chegou a abrigar 8 mil detentos no período de maior lotação. A unidade foi desativada e parcialmente demolida em 2002.
Por envolver grande número de réus e de vítimas, o julgamento foi dividido, inicialmente, em quatro etapas, de acordo com o que ocorreu em cada um dos pavimentos da casa de detenção. Setenta e três réus foram condenados a penas que variam de 48 a 624 anos. Um dos acusados foi julgado em separado, e também condenado.
O Ministério Público de São Paulo recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a anulação dos julgamentos. “Queremos que os superiores tribunais possam examinar esse recurso em caráter breve, antes que essa causa possa voltar a ser julgada pelo júri”, ressaltou a procuradora Sandra Jardim.
As condenações coletivas fazem sentido, segundo ela, devido à forma como as ações foram cometidas. “Nós estamos falando de crimes coletivos, onde cada um contribui para a obra do outro, como uma colaboração. Não precisa ser responsabilizado apenas aquele que atira”, argumentou.
Uma das advogadas que defende os policiais, Ieda Ribeiro de Souza, discordou da tese que prevaleceu entre os magistrados, de que somente os jurados poderiam absolver os réus. “Essa soberania [do júri] é extremamente limitada. Eu não posso ter uma soberania quanto ao efeito extensivo.” A defesa entende que absolvição de três réus, que, segundo a promotoria, não participaram dos atos dentro do presídio, deveria ser estendida aos demais.
O outro advogado dos réus, Celso Vendramini, usou grande parte do tempo a que teve direito no plenário para defender o desembargador Sartori. Durante o primeiro julgamento que anulou o júri, o magistrado, então relator do caso, foi criticado nas redes sociais e em vários veículos de comunicação por afirmar que não houve massacre no Carandiru, mas legítima defesa dos policiais. O magistrado também publicou suas opiniões nas redes sociais.
“Denegriram a imagem de um homem que foi presidente dessa casa, ilibado e honesto”, disse Vendramini sobre as críticas a Sartori. “O que eu vi foi o achincalhe, a crucificação de um desembargador”, acrescentou, virando-se para os jornalistas que acompanhavam o julgamento de hoje. Outros desembargadores também manifestaram solidariedade a Sartori. “Quando se atinge um magistrado de 36 anos de carreira, se atinge a todos nós”, disse o desembargador Soares de Mello.
Na época da anulação do júri, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) chegou a abrir um procedimento para apurar a conduta de Sartori. O processo atendeu a uma reclamação de 60 juristas, jornalistas e organizações não governamentais – entre elas a Conectas, a Justiça Global, o Instituto Vladimir Herzog, o Instituto Sou da Paz e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A moção acusava o desembargador de quebra de decoro, falta de isonomia e imparcialidade na condução do caso.