Temos, no nosso apartamento, uma pequena varanda com variados tipos de plantas, quase todas resistentes, em caquinhos, dispostas de forma aleatória pelo chão, em cima de um móvel ou na parede.
Já conclui que não somos exatamente “O Menino do Dedo Verde”, personagem do livro infantil que li tantas vezes para Pedro na infância, na hora de dormir. Uma história poética para descrição de uma fantasia angelical. Aqui em casa as plantas morrem.
Nada, nem o gosto pelo verde ou pelo lirismo dos livros, nos salvaram dos repetidos fracassos de jardinagem e apesar de ficar triste quando vejo os galhinhos secos, não desisto por completo, vou à rua, compro mais e refaço tudo.
Faz parte do esforço para manutenção dos nossos verdes, cultivar inclusive pezinhos de pimenta, aquelas decorativas, afinal é tão lindo. Dessa vez, quando vi que estavam morrendo, resolvi inovar e utilizá-las na culinária.
Usamos muitos e variados temperos, inclusive pimentas diferentes, desde as simples, do reino (moídas na hora), a biquinho, a de cheiro… até algumas mais fortes.
Gostamos também de geleias, que podem ser utilizadas com calma e a de pimenta é a nossa preferida. Dai quando olhei as pimenteiras meio que mortinhas, tomei uma decisão, – Farei uma geleia de pimenta caseira.
Não tenho receitas pra nada, uso todos os sentidos, um pouquinho mais ou um pouquinho menos, mistura daqui, mexe de lá, cozinha, testa, mas não provo, detesto provar. Ē uma sorte ter mais acertos que erros na cozinha.
Lavei, cortei, misturei, fiz tudo devagarinho, com a paciência necessária para se preparar uma receita pitoresca, que mistura a doçura do açúcar com o ardor da pimenta e quando finalizei, olhei com orgulho para o resultado, um creme brilhante, com alguma transparência, com a consistência certinha. Pensei apressada, “acertei na mosca”.
Só então peguei uma bolacha, espalhei-a por cima e quase que soltei fogo pelo nariz feito um dragão. Parecia tudo certo, exceto pelo fato que estava fortíssimo o gosto da pimenta, impossível de comer, chegava a doer.
Comecei tudo de novo, acrescentei chuchu e maçã, voltei ao zero. O resultado melhorou, mas só para quem tem o paladar ensinado para pimentas ou para quem pretende usá-la com parcimônia, misturada com queijo cremoso, numa base neutra.
Pensei, “igualzinho a algumas pessoas que conheço”.
Mistura de uma doçura incomparável, com a capacidade de provocar dor sem tamanho, difícil de convivência, possível apenas se misturada com ingredientes mais suaves, como tolerância, amor, admiração, ou até certa dose de masoquismo.
Tem gente que é realmente incompreensível e bem parecida com a minha geleia, doce e ardida.
O que mais me preocupa é me reconhecer assim também, com imensa capacidade de ser doce, de acrescentar sabor, mas com uma pitada picante, corajosa, que assusta e não encontra espaço fácil para combinar.
Uma pimenta é para uma receita como a atração para uma relação, ajuda, dá sabor. Uma relação apimentada é aquela que não se permite entrar no espaço automático de ir levando a vida de qualquer forma, sem gosto e sem ousadia.
Acontece que a vida tranquila combina mesmo é com a paz sugerida nos ensinamentos de Buda, que diz que certos são os caminhos do meio, ou seja, quase não há receitas para colocar uma geleia que apimente.
Apesar da grande maioria das plantas do meu jardim precisar ser trocadas periodicamente, tem duas delas que resistem: um mandacaru, espécie de planta da caatinga, forte, com espinhos e que precisa de sensibilidade para apreciar e uma árvore do deserto, que brinca comigo fingindo que morreu, para ressurgir com flores.
Exatamente como algumas pessoas que conheço nelas incluída eu… Tomara que haja teimosos iguais a mim, que não desistem nunca, da mesma forma como procedo no jardim da minha varanda, apesar de um eventual fracasso.
Agosto de 2017