Delegacia em Maceió chega a registrar média de dois casos por dia de crimes contra pessoas idosas
No Brasil existem mais de 21 milhões de idosos, conforme estatísticas do Ministério da Saúde. O número dobrou nos últimos 20 anos, e há previsão de que chegará a 32 milhões em 2025, quando então o Brasil será o sexto país com maior população idosa do mundo.
Com isso, aumentaram também os casos de abandono, crime que pode render até 16 anos de prisão para quem o pratica. Além dele, também estão previstos em lei os crimes de maus tratos, apropriação de bem de idoso, negligência/omissão na assistência ao idoso, discriminação de pessoa idosa, ameaça, injúria, lesão corporal, perturbação da tranquilidade e estelionato.
O aumento de casos é uma realidade presente também em Alagoas. Em Maceió, desde o ano passado, por iniciativa do delegado-geral Paulo Cerqueira, as investigações desses crimes estão sob a responsabilidade de quatro distritos policiais: 6° DP (Cruz das Almas), 8° DP (Benedito Bentes), 5° DP (Salvador Lyra) e 4° DP (Farol). Antes, todos os atendimentos eram feitos apenas em um núcleo existente no Complexo de Delegacias Especializadas (Code), no bairro de Mangabeiras.
A descentralização, segundo o delegado-geral, teve o objetivo de facilitar o acesso dos idosos aos serviços da Polícia Civil e agilizar a apuração dos fatos, pois agora são quatro delegados empenhados em elucidá-los.
A Delegacia do 6° Distrito Policial chega a registrar, em média, dois crimes contra idosos por dia. O delegado Robervaldo Davino revela que a maioria é de casos de abandono. “Aqui, chegam também denúncias de estelionato (golpe do empréstimo), ameaças e lesão corporal. Algumas vezes instauramos inquérito, lavramos TCOs [Termos Circunstanciados de Ocorrência], mas o que tem dado mais certo são parcerias que estabelecemos com alguns outros organismos para solucionar as questões”, conta Davino.
Com a defensoria pública, por exemplo, essa parceria consegue barrar o chamado “golpe do empréstimo”, que ocorre quando alguém toma dinheiro emprestado em instituição financeira usando indevidamente o nome do idoso. Constatada a irregularidade, os descontos na pensão ou aposentadoria deixam de ser efetuados.
Resgates
O trabalho de maior alcance e que vem dando muito certo, no entanto, é quando se trata de situação de abandono. Nesse caso, a maior parceria ocorre com Secretaria Municipal de Assistência Social, por meio dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), que colaboram no resgate dos idosos abandonados.
“O que fazemos é humanizar o atendimento a essas pessoas. Nem sempre prendemos os acusados, pois precisamos pensar no idoso. Às vezes, levar o acusado para um presídio pode significar mais abandono para a pessoa idosa. A parceria com os centros nos ajuda a dar assistência completa às vítimas desse crime”, afirma o delegado Davino.
A advogada Rafaela Ambrósio, do centro de referência do Poço, diz que a Polícia Civil tem sido uma grande parceira nesse trabalho. “Nossa equipe é composta também por uma psicóloga e uma assistente social. Realizamos visitas aos idosos, acompanhamos cada caso e o apoio da polícia é fundamental para que possamos fazer a remoção dessa vítima para outro local, quando é necessário”, salienta.
O último resgate feito pelas equipes da delegacia e do centro de referência ocorreu na terça-feira (15), no bairro do Jacintinho. Maria José Santos, 73 anos, estava vivendo com duas filhas (uma delas adotiva) em condições precárias, sem alimentação e remédios adequados, apesar de receber cerca de um salário mínimo e meio. Na pequena casa onde morava, foi encontrada sobre um sofá, sem a devida higienização.
A denúncia do abandono foi feita por outra filha. Como teve um acidente vascular cerebral (AVC) recentemente e sentia dores na cabeça, uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel (Samu) foi chamada e a idosa foi levada para o Hospital Geral do Estado (HGE).
“Felizmente, nesse caso, tivemos um final de sucesso. As três irmãs chegaram a um acordo e dona Maria José será levada para a casa da denunciante. As outras irmãs também vão morar na mesma casa”, explicaa o delegado Robervaldo Davino.
Mas nem sempre se chega a uma solução como essa. Dona Hélia Barros, pensionista da Marinha, e Valdeci Maria da Conceição, hoje estão vivendo na Casa Lar Deus é Amor, abrigo situado no bairro do Prado, depois de serem resgatadas de suas antigas casas. A primeira morava no conjunto José Tenório, na Serraria, e a segunda, no Mirante da Sereia. Ambas viviam em situação de abandono, apesar de terem parentes e receberem pensões que garantiriam uma sobrevivência digna.
A enfermeira aposentada Giselda, de 90 anos, ainda tem destino incerto. Ela mora sozinha no bairro do Poço, não tem filho ou marido e os parentes mais próximos residem no Recife (PE). É um taxista de nome José quem tira instantes de seu dia para visitá-la, levar comida ou comprar remédios. Mas durante a maior parte do dia ela fica sozinha, trancada na própria casa. A equipe do 6° DP esteve no local, conversou com a idosa e o taxista, e o delegado ainda vai aguardar uma posição do Creas para definir o que fazer.
Abuso financeiro
No 4° Distrito da Capital, segundo o delegado Antônio Edson, a parceria com os centros de referência também funciona com sucesso nos casos de pessoas idosas abandonadas. Mas a maioria das ocorrências registradas é de abuso financeiro praticado pelos familiares. Reter cartão magnético, vender bens ou conseguir procuração do idoso de forma fraudulenta são os casos mais comuns.
Em média, ocorre o registro de quatro casos de crimes contra pessoas idosas todas as semanas naquela delegacia distrital. “Nem sempre a gente abre inquérito ou prende os acusados. Procuramos dar a melhor solução que beneficie o idoso, e estamos conseguindo ajudar nesse sentido”, acrescenta Antônio Edson.
No interior do Estado, as investigações sobre abandono e outros crimes contra os idosos são apurados por cada delegacia distrital.
O Estatuto do Idoso, criado pela Lei nº 10.741/03, em seu artigo 1º, considera idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. A definição de idoso leva em conta as dificuldades de acesso próprias das pessoas que se preparam para o envelhecimento, tais como desgaste físico, psíquico e senilidade.