Quem assistiu a minissérie “Capitu” há de lembrar uma cena em que Bentinho, ainda jovem, encontra a personagem Capitu penteando os cabelos e vai ajudá-la. Num determinado momento, inundado de sentimentos ele corre para fora do quarto e encostado à parede com as mãos espalmadas ao lado do corpo, se segura tonto de desejo e respira como se buscasse o ar que havia faltado.
A imagem, junto a música, ē de uma sensualidade e beleza que emocionam, naquele rápido instante entendemos desejo, paixão, amor e tudo o que cerca um coração jovem. Assim é o amor juvenil, envolvido num oceano de descobertas, de explosões, difícil de ser controlado, lindo, um alicerce para o futuro.
Acontece que a juventude passa, o tempo passa e o coração ao longo dos anos coleciona histórias. Não temos mais a mesma disposição para as decisões impulsivas, as emoções se abrandam e num mar de calmaria, eis que de repente, nos surpreendemos com a possibilidade de um amor maduro.
E como são os amores maduros se já não contamos com a ilusão de uma vida longa e perfeitinha, como aprendemos que só assim é possível amar? A magia se esconde no extremo oposto, acontece calmamente no coração, que sem falsas expectativas, se permite amar por amar, sem a obrigação do complemento, sem a ilusão da eternidade.
Sempre fico a me perguntar se existem vários tipos de amor, ou o que diferencia um do outro. Na verdade minha conclusão é simplista, o amor é único, entra pelo nariz, ouvido, boca, invade os poros, quer sejamos jovens ou não, como isso se dá é que muda com o tempo.
Na maturidade o olhar para as limitações tem uma compreensão mais elástica, a tolerância melhora, a fala torna-se mais contida, as manifestações de entrega mais fáceis, acontece com silêncios e com respeito.
Ocupei-me a pensar nisso olhando casais conhecidos que cruzaram comigo, dois deles em particular. Um casado há mais de 30 anos, o outro com pouco menos que 5 anos.
Ambos caminhando juntos, um mais treinado, respeitava uma confortável distância, permitindo a circulação do ar, o outro mais encantado, mais próximo, trocavam olhares cúmplices. Ambos em paz, dentro daquilo que se apresenta para um amor de outono, e me pareciam tranquilos.
Um desses amores atravessou o passar dos anos, o outro, eis o encanto, aconteceu apesar do passar dos anos, não é no tempo que está a resposta, deve estar na ausência da antecipação do inverno. O amor pode ser uma conquista de agora ou uma preservação do passado ainda presente, o que não pode é ser ruim, mesquinho, perverso, mentiroso… até porque não seria amor.
Os amores não são diferentes, o que difere quando o verão finda é que nada mais é urgente, o tempo é um tesouro a ser preservado, o andar fica mais calmo, os caminhos já são conhecidos, não precisamos mais de surpresas, acrobacias ou disfarces. Caminhar lado a lado já ē suficiente.
Quando o coração se propõe a amar, independentemente da idade, o ar fica rarefeito, a alma se enche de sentimentos, a parede é um refúgio, a sensualidade aflora. A diferença imposta pela maturidade é que o outro é bendito e não Bentinho, ainda que tenha sido um personagem muito apaixonado, difere do personagem maduro de agora, porque o amor dessa estação é confiante.
Sem expectativas e com as ilusões esgarçadas, se não há no nosso alicerce amoroso uma grande avaria, tudo parece mais tranquilo, afinal, entendemos que a vida segue, apesar da nossa vontade, apesar das nossas conquistas, apesar dos nossos fracassos, simplesmente porque a idade ensina que nada ē eterno, inclusive os amores de qualquer estação… ou não…
Setembro de 2017