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A arte é apenas arte

Ainda muito jovem, assisti a um filme chamado “Irmão sol, Irmã lua” e assim conheci São Francisco de Assis. Só hoje me dou conta que quem me apresentou a vida do santo foi o cinema e não a escola religiosa que estudei, foi a arte quem me provocou encantamento pelo comportamento de daquele homem especial.

Se eu não estou errada, o rapaz Francisco tira toda a roupa sai nu, rua afora, diante da família, das autoridades e do povo, para abraçar uma vida de amor ao próximo, o que acaba por transformá-lo em santo.

A polêmica causada por uma exposição e por uma manifestação artística envolvendo nudez e religião, que acabou por acarretar na suspensão prematura da mostra, na punição do diretor de um museu e na proibição do Estado em reeditar a apresentação (abrindo mão de um comportamento laico), mostra o quão somos movidos por preguiça de pensar.

Antes que você me pergunte se levaria meu filho pequeno  pequeno para uma mostra assim ou pense que eu gosto desse tipo de manifestação artística, me deixe esclarecer alguns pontos:

Quando levei Pedro ao museu Rainha Sofia em Madri para ver a “Guernica” de Picasso, uma representação de um atentado na guerra civil espanhola, pintado em preto e branco, de uma dramaticidade que ficou gravada na minha memória por toda a vida, o fiz por querer proporcionar a meu filho a mesma experiência que tive, não para torná-lo igual a mim, mas para que saiba escolher de quais recordações pretende ser feito.

Pois bem, lá no mesmo museu, em plena Europa cultural, uma sala ao lado continha um rolo de feno, isso mesmo, feno, feito de capim. Para não ser grosseira não direi que me senti uma égua… Não gostei. Rimos diante da perguntada dele – O que ē iiiiisso? E saímos em direção a outras obras.

Provavelmente não o levaria hoje para a exposição “Querrmuseu” aquela a que me referi acima, porque ele adulto tem vontade própria e só vai onde deseja, assim como não o levaria enquanto ainda era pequeno, porque não é toda manifestação artística que me provoca prazer, mas também não o levaria para uma comunidade de nudismo e tem muita gente de bem nelas.

Apesar de achar que tenho o direito de não gostar (que todos têm), acho que ninguém, mas ninguém mesmo pode censurar e proibir.

Ficamos adotando posturas sem uma crítica franca com os fatos. Eu não quis apresentar prematuramente o sexo para meu filho, mas igualmente ele não foi violentado dentro de casa. Não apanhou, não assistiu nenhum tipo de agressão verbal ou física. Isso tudo, em minha opinião, também não deve fazer parte do universo infantil, não apenas o que tá na rua.

Maceió expôs uma sereia de Art Naif, simples como a escola artística a que pertence, sem o rigor da formação acadêmica e mais simples ainda é agir da seguinte maneira: quem não gosta, não prestigia, não faz self para postar em facebook, sem a necessidade de fazer uma “cruzada” contra.  Para que tanta celeuma?

Críticos devem entender de arte, esses sim tem conhecimento, senso avaliativo. Nós mortais, apenas gostamos ou não, sem precisar elaborar frases ou manifestações de apoio ou repudio.

Somos uma sociedade plural, que bom que ē assim. No nosso cotidiano recebemos intervenções diferentes, que bom que ē assim, e sendo assim tem espaço para muita coisa, do meu gosto ou não.

A arte precisa existir para possibilitar que nosso encantamento silencioso encontre espaço para se manifestar, existe para que o artista exponha sua alma e seus sentimentos, que podem ser ou não semelhantes aos nossos. A arte serve para fazer crítica da sociedade, para iniciar gerações no mundo artístico, para provocar reações de embriagues, para protestar, mas nunca para desencadear violência, até porque a ida à exposição a ela é voluntária, ninguém é obrigado a consumir.

Foi a arte que me apresentou a beleza de uma vida santa como a de São Francisco, que inspira as práticas do atual Papa. Foi a arte que me apresentou um monte de vidas de gente especial, algumas das quais mundanas e isso possibilita ter de parâmetros para avaliar certo e errado, mas isso só é possível se ela existir, sem censura. É a arte que pode melhorar a compreensão da complexidade do ser.

Ainda que eu goste da arte acadêmica, não posso deixar de reconhecer quantas vezes me peguei de coração na mão diante de um talento artístico diferente daqueles que reproduzem o universo com uma precisão realística, num traço forte de desenho ou num arco-íris multi colorido.

Lembro que quase chorei de emoção quando entrei no Louvre pela primeira vez, mais emocionada só fiquei quando, muitos anos depois, vi Pedro de olhos fixos no guia do museu igualmente encantado, mas foi ainda menina, diante de um personagem nu representando  um homem santo, que fui apresentada a um conjunto de valores que me levam a admirar cada dia mais as atitudes do Papa Francisco.

A arte é apenas arte e já é muito sendo “apenas”.

Outubro de 2017

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