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Deputados da ala conservadora defendem regular exposições

Ala conservadora da Câmara reage a polêmica em museus com projetos para regular exposições

As recentes polêmicas que envolvem performances e exibições artísticas com temas de sexo e nudez desencadearam uma reação na ala conservadora da Câmara, com apresentação neste mês de projetos de lei para regular exibições artísticas.

Integrantes das frentes parlamentares evangélica, católica, da família e da segurança pública também pressionam ministérios e ameaçam mobilizar deputados para mudar a legislação se o governo não adotar medidas.

Entre as propostas apresentadas no último mês, está um projeto de lei que pode impor uma pena de mais de dez anos de prisão para pessoas que envolverem crianças em exibições artísticas que tenham nudez.

Outro texto torna obrigatória a classificação indicativa para exposições e peças teatrais.

Especialistas ouvidos pelo G1 criticaram a chamada “criminalização da arte”. Eles avaliam que a aprovação de medidas desse tipo seria uma forma de desrespeito à liberdade de expressão e afirmam que os projetos podem ser considerados inconstitucionais.

Polêmica

Em setembro, a exposição “Queermuseu” foi cancelada em Porto Alegre após protestos. Algumas imagens da mostra foram consideradas ofensivas por pessoas que classificam o conteúdo como um “incentivo à pedofilia, à zoofilia e contra os bons costumes”.

Já em São Paulo, a performance do artista , que se apresentou nu na performance “La Bête”, no Museu de Arte Moderna (MAM), gerou polêmica após circular uma imagem de uma criança interagindo com o artista.

Em Belo Horizonte, uma exposição de Pedro Moraleida foi alvo de protestos. Grupos religiosos afirmam que as obras incentivam a pornografia e a pedofilia. A exposição é destinada a maiores de 18 anos.

Criminalização

Um projeto de lei apresentado neste mês pelo deputado Delegado Francischini (SD-PR) altera um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir entre as possibilidades de crime situações que envolvam criança em ambiente que tenha exibição de órgão genital de um adulto, ainda que a finalidade seja artística.

Nesses casos, prevê punições para quem contracenar ou intermediar a participação de crianças e adolescentes em cenas produzidas, dirigidas, fotografadas, filmadas ou registradas. Pelo projeto, as penas chegam a oito anos de prisão e podem ser agravadas e ultrapassar 10 anos se o acusado for, por exemplo, parente da vítima.

“Precisamos retomar a defesa da infância de nossos filhos e combater a erotização disfarçada na forma de ‘arte’”, justificou Francischini ao apresentar o projeto.

O autor da proposta argumenta que o foco da lei será punir quem contracena, em situações desse tipo, com crianças e adolescentes. “Não é para proibir que tenha exposição de arte com nudez”, afirmou.

O professor de direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e ex-juiz federal Luciano Godoy avaliou o projeto a pedido do G1 e discordou da interpretação do deputado.

Para ele, a proposta pode criminalizar qualquer produção artística – filmes, fotos, exposições de arte, performances, quadros, livros – na qual seja possível o enquadramento do conceito de erotismo ou pornografia.

“Cada membro do Ministério Público vai olhar o fato concreto e enquadrar na lei se achar que é crime. E o juiz vai julgar. É uma interpretação”, disse.

Para o advogado, se aprovada, essa proposta pode ser considerada parcialmente inconstitucional por se chocar com as liberdades de expressão e de produção artística.

“O caminho não é você criminalizar todas as situações com as quais você não concorda. Isso vai criando uma quantidade de crimes que depois não são aplicados, o que acaba desmoralizando o sistema”, afirmou.

Pressão

Na última semana, deputados das frentes parlamentares evangélica, católica e da família se reuniram com o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão. No encontro, cobraram atitudes do governo.

Entre as demandas do grupo, estão a classificação de exibições e a proibição de que recursos da Lei Rouanet sejam liberados para mostras culturais que confrontem preceitos religiosos.

“O ministro teve que se curvar, disse com sua própria boca. Ao ser questionado o que achava da exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, disse que aquilo era crime”, afirmou o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), em vídeo publicado na internet.

Em nota, o Ministério da Cultura informou que na reunião na qual foi debatida a exposição “QueerMuseu” e a performance “La Bête”, Sérgio Sá Leitão não afirmou que a performance em si é criminosa.

Segundo a pasta, ele disse que “a situação que aparece no vídeo divulgado sobre a performance, em que uma criança é induzida pela mãe a interagir fisicamente com o artista, que se encontra nu, fere o Estatuto da Criança e do Adolescente”.

“O MinC defende a expansão do sistema de classificação indicativa para a área de exposições, de modo a cumprir o espírito da Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente, resguardando a liberdade de criação e de expressão e protegendo crianças e adolescentes”, diz a nota.

O presidente da Frente Parlamentar Evangélica, pastor Takayama (PSC-PR), afirmou que foi solicitado ao ministro que, por meio do Ministério da Cultura ou do Ministério da Justiça, o governo crie normas para estabelecer parâmetros para essas exibições. Se isso não for feito, o grupo pretende se articular para propor leis sobre o tema.

“Se não houver nenhuma tomada de posição ou se acharem brecha na legislação, vamos tentar rever essas brechas”, disse. “Não queremos uma ditadura da maioria, mas jamais vamos admitir que uma minoria possa querer prevalecer”, disse Takayama.

Na avaliação da doutora em direito pela Universidade de Brasília Soraia da Rosa Mendes, a criminalização da arte viola preceitos constitucionais, como a liberdade de expressão. Para ela, é um equívoco associar as exibições à pedofilia e ao abuso sexual.

“É um retrocesso absurdo lançar mão do direito penal para tentar cercear a arte. É tentar buscar, através desse tipo de criminalização supostamente protetiva às crianças, uma forma de cerceamento da liberdade de expressão”, disse.

“Se esse fosse o sentido, teríamos que criar uma norma que proíba os pais de levarem suas crianças para países como a Grécia, por exemplo, onde o nu é apresentado em obras artísticas e em outras formas de exposição do corpo nas quais a nudez não é colocada em tom de vulgaridade, mas como algo absolutamente natural”, completou.

Classificação indicativa

Outro projeto, apresentado pelo deputado Roberto Alves (PRB-SP), torna obrigatória a definição de classificação indicativa para exposições, mostras, exibições de arte e eventos culturais em espaços públicos e privados.

A proposta, entretanto, não estabelece os critérios que poderiam ser usados para definir as idades para cada tipo de exibição nem as punições relacionadas ao descumprimento da norma.

O texto diz apenas que a classificação é de responsabilidade exclusiva do responsável pela exposição ou evento cultural.

Em outra frente, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta semana um projeto que institui a Semana Nacional de Combate à Sexualização de Crianças e Adolescentes. Se não houver apresentação de recurso, a proposta seguirá direto para o Senado.

Legislação

Atualmente, a legislação que normatiza exibições culturais e artísticas é pulverizada em diversas normas, informou o Ministério da Cultura. “Para cada política, há regulamentos próprios”, informou a pasta.

No caso do cinema, por exemplo, há classificação indicativa que delimita o acesso por idade. Os parâmetros são definidos pelo Ministério da Justiça. Há ainda normas específicas para outras políticas, como a Lei Rouanet e o projeto Cultura Viva.

“Em caso de descumprimento das regras, todas essas normas preveem punições, mas não há nenhuma infração diretamente relacionada à classificação indicativa, a menos que, pontualmente, caso a caso, haja condicionantes estipuladas nos projetos”, informou o ministério.