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Ex-detento que deixou o crime diz que, nas favelas, ser bandido não é uma escolha: ‘É o que resta’

Robson Borges da Silva ainda era criança quando entrou para a vida do crime. Aos 11 anos, o então morador do Complexo do Alemão começou a roubar. Habilidoso ao volante, cresceu na hierarquia do crime, até ser preso em 1999, aos 22 anos. Cumpriu sua pena e saiu da cadeia, cinco anos depois, decidido a mudar de vida. Hoje, aos 39 anos, sonha em tirar do papel uma cooperativa de reciclagem para dar oportunidade de trabalho para ex-detentos. Em entrevista ao EXTRA na casa simples onde mora com a mulher e dois filhos — um de 13 e outro de 2 anos —, no subúrbio do Rio, ele diz que, na favela, a vida bandida não é uma opção: “Ninguém opta pelo crime. (O crime) é o que resta”, diz.

Como foi sua infância?

Nasci em Minas Gerais. Sou filho de camponeses que tiveram que vir para a cidade grande porque as terras onde plantavam ficaram assoreadas e porque minha mãe precisava de tratamento médico. Cheguei no Rio com 2 anos, em 1980. Fui morar no Complexo do Alemão, no Morro da Baiana, que era bastante diferente de como é hoje. Ainda havia fazendas lá, eu andava a cavalo, jogava bola de gude no chão de terra.

Como era sua vida escolar?

Sempre estudei em escola pública, mas trabalhava também para ajudar meus pais em casa. No Rio, meu pai passou a trabalhar como pedreiro e minha mãe lavava roupa para fora. Por isso, precisava levar dinheiro para casa. Entregava pão e vendia picolé na rua. Meu primeiro emprego foi numa oficina, em Olaria, com 11 anos.

Qual foi o seu primeiro contato com a violência?

Já na infância. Lembro dos corpos que apareciam nas lixeiras, no Complexo do Alemão, e dos bandidos montados em cavalos.

Após deixar a prisão, Robson criou uma cooperativa de reciclagem Foto: Domingos Peixoto

E como foi sua entrada no mundo do crime?

Foi com 11 para 12 anos. Aconteceu quando comecei a usar cocaína. A primeira vez foi na oficina. Os outros empregados cheiravam e, um dia, me falaram: “Dá um teco”. Nem entendi direito. Mas fui. A partir daí, comecei a buscar droga e cometer furtos e roubos para comprar droga. Passei a matar aula e a cabular o trabalho. Mudei o turno da escola para a noite para poder vadiar de dia, ostentar, sentir a falsa sensação de poder.

O que motivou você a ser bandido?

Há um desconforto muito grande nas comunidades. Lá não tem saneamento, não tem direito à moradia digna, à educação. Além disso, a mídia fica o tempo todo martelando que, para o camarada ser, ele tem que ter. Isso vai se acumulando. E a vitrine que eu tinha era o crime. O que torna você mais resistente é a educação. E isso eu não tinha. Ninguém opta pelo crime. Não é uma escolha. Na verdade, o crime é o que resta.

Como foi sua escalada no crime?

Começou com os roubos. Mesmo adolescente, eu dirigia muito bem. Então, me colocavam nos bondes para ser motorista. No início, eram roubos menores. Depois, passei a roubar carga de remédio, de cigarros, joias. O motorista ou alguém da empresa dava a informação e a gente já ia no certo.

E como era a reação da sua família? Sua mãe aceitou?

Não. Ela nunca aceitou que eu colocasse nada em casa. Pegava todas as coisas novas que eu levava e jogava tudo fora.

E sua relação com a polícia?

O policial vive o mesmo desconforto do bandido. Só que o do bandido é declarado. O do policial é travestido. Ele também quer o cordão, o carrão que o bandido tem. Mas nós somos colocados contra nós mesmos, é pobre contra pobre. Alguém se beneficia com isso.

Robson passou quase cinco anos na cadeia Foto: Domingos Peixoto

Como você foi preso?

Foi aos 22 anos, em 13 de novembro de 1999. Eu e um grupo íamos roubar uma empresa. O roubo não rendeu. Fomos então para a casa do proprietário, na Região Serrana. Rendemos todo mundo, botamos o empresário dentro do carro. Íamos passar em vários lugares para ele fazer saques. Num ponto, já no Rio, quando o empresário já não estava mais no carro, a polícia suspeitou e começou uma perseguição, que só terminou em Ramos. Os policiais bateram muito em mim e no meu comparsa. Só não morremos ali porque tinha muita gente na rua.

Como foi a vida na prisão?

Fiquei preso por 4 anos e 8 meses. A maior parte, no Complexo de Gericinó, em Bangu. A vida é um inferno na prisão. Sentia falta de coisas simples, do vaso sanitário, da geladeira. A gente precisa perder para dar valor. Também na cadeia, sofri muita violência. Por um período, fiquei na Divisão Antissequestro (DAS). Fui torturado. Tomei choque na língua. Os carcereiros faziam isso com quem não baixava a cabeça.

Quando você, pela primeira vez, pensou em deixar o crime?

Na cadeia. Foi lá que comecei a ler bastante. E comecei a ver o mundo de maneira diferente. Eu estava preso quando meu primeiro filho nasceu, queria ver ele crescer.

Foi difícil?

Muito. Quando saí da cadeia, voltei ao Morro da Baiana. Via no rosto das pessoas o desprezo. Não tinha mais dinheiro, as mulheres, os amigos. Quando as pessoas perguntavam, e eu dizia que estava trabalhando normalmente, o rosto das pessoas murchava.

Com o que você passou a trabalhar depois que saiu da prisão?

Fui segurança de posto de saúde, motorista de Kombi, motorista do Observatório de Favelas. Com o tempo, passei a militar, virei catador de material reciclável e criei uma cooperativa para atender a demanda dos egressos do sistema prisional: a Cooperativa de Reciclagem Eu Quero Liberdade. Hoje, eu quero ajudar os meus, aqueles que tiveram a mesma vida que eu.