Sem querer, uma estudante de Erechim, no Norte do Rio Grande do Sul, acabou “adivinhando” o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no primeiro dia do exame, domingo (5). Lívia Gomes, de 17 anos, escolheu uma camiseta em que se lê “Eu curto Libras” para fazer a prova, cuja redação teve como tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”.
Libras é a língua brasileira dos sinais, sistema linguístico baseado em gestos utilizado para a comunicação com pessoas com deficiência auditiva.
Ao sair do local onde fez o exame, enquanto esperava pela mãe, Lívia postou uma foto em seu perfil do Twitter, exibindo a camiseta e a prova, ao lado de um print de uma conversa em que mostrou o look a uma amiga, demonstrando que ela de fato saiu de casa com a peça.
“Fazia tempo que eu não usava aquela camiseta, tenho duas, uma branca e outra preta e no dia só pensei que iria com uma das duas, não passou pela minha cabeça usar outra”, contou ela em entrevista ao G1. “Eu fui ver a roupa que ia usar e nenhuma parecia tão confortável quanto a camiseta branca de libras”, disse ela, aos risos. No Twitter, Lívia brincou com a situação.
A estudante, que ainda não concluiu o Ensino Médio, faz o Enem como preparação: ela quer conquistar uma vaga em um curso de Medicina.
Lívia sequer imaginava que o enunciado coincidiria com a mensagem de sua camiseta. “Eu esperava algo sobre homofobia”, diz ela. “Quando abriram a prova, vi que uma menina que estava do meu lado olhou para mim e sorriu. Eu não tinha visto o tema da redação ainda. Então fui procurar e dei risada quando vi”, diverte-se Lívia. “Foi muita coincidência mesmo”.
Mas afinal de contas, por que Lívia tem duas camisetas com os dizeres em favor das libras? Ela explica que o interesse surgiu por um curso de libras que fez há um tempo. A estudante conta que já utilizou a linguagem, com amigos surdos. E as camisetas vieram em consequência desse envolvimento.
Dominar a língua brasileira dos sinais, porém, não facilitou a redação para Lívia. Ela conta que deixou a tarefa por último, e acabou fazendo com pressa. “Já que o tema parecia simples pra mim, pelo contato com surdos, fiz a prova com calma e quando vi faltavam 45 minutos. Poderia ter ido melhor, mas consegui repassar os problemas que eu sabia e apresentar as possíveis soluções”, diz a estudante.
Em sua argumentação, Lívia defendeu que os professores mudem suas didáticas tendo um aluno surdo. “Muitas vezes, quem está interpretando precisa mudar palavras e frases pra fazer sentido paro aluno surdo”, disse. “É dificil acompanhar quando o professor só passa o conhecimento de qualquer forma”, afirma a estudante.
Além disso, ela acredita que a mudança também deve partir da sociedade em geral. “Devemos nos abrir para o contato com surdos, já que assim a memorização dos sinais se torna mais fácil e o ouvinte pode passar conhecimento pro surdo, assim como o surdo para o ouvinte”, opina.
Já familiarizada com o tema, Lívia acredita que a inclusão do assunto na prova do Enem pode ter boas consequências. “A galera que não se interessava, se obrigou a abrir os olhos pra isso. E aprender que termos como ‘surdo-mudo’ é errado e que deficiente auditivo é, em partes, diferente de surdo”, relata.
No tweet em que mostrou a foto, Lívia fez menção a um famoso cursinho preparatório para vestibular, popular especialmente entre os candidatos à Medicina. Ela esclarece, porém, que a brincadeira não foi uma crítica.
“Fiquei assustada, justamente por medo de entenderem que falei mal do Fleming, quando na verdade eu quis dizer que, particularmente, me sinto ‘intimidada’ com quem faz cursinho lá, por ser muito bom e caro”, diz ela.
Com mais de 3,4 mil retweets, Lívia se diverte com a “fama” de visionária. “Várias pessoas perguntaram o tema do ano que vem. E os números da Mega-Sena”, diverte-se.