Quando foram contratadas para serem hostess (recepcionistas de festas) num prestigioso evento de caridade britânica, as jovens não imaginavam que estariam no centro de um escândalo sexual, que tirou do cargo um funcionário do Departamento de Educação do governo e foi comentado até pela primeira-ministra Theresa May.
Tudo começou a partir da denúncia da repórter do jornal Financial Times Madison Marriage, que revelou que as hostesses do jantar eram constantemente bolinadas pelos convidados – que incluem políticos, celebridades e empresários.
“Eram mãos debaixo das saias, mãos no bumbum, mãos nos quadris, na barriga, homens agarrando sua cintura inesperadamente”, disse Marriage em entrevista à BBC.
Ela participou do jantar de gala beneficente President’s Club Charity Dinner infiltrada como uma das hostess. O evento anual, realizado na quinta-feira passada em um hotel de luxo de Londres, é só para homens.
O objetivo do evento é angariar fundos para causas como o hospital infantil Great Ormond Street, na capital britânica.
Após a denúncia, o fundo de caridade President’s Club, que realiza o evento, anunciou que deixará de operar e que o dinheiro restante será redistribuído “de maneira eficiente” para organizações de caridade que atendem crianças.
Em um comunicado, a instituição disse que os organizadores do jantar estavam “horrorizados” com as acusações e que tais comportamentos são “totalmente inaceitáveis”.
“As acusações serão investigadas completa e rapidamente e serão tomadas medidas apropriadas”, afirmou.
Um porta-voz da agência Artista, que recrutou as mulheres, disse que não recebeu nenhuma denúncia de assédio sexual, mas também afirmou que o tipo de comportamento descrito pela jornalista do FT é “completamente inaceitável”.
David Meller, copresidente do fundo President’s Club e membro do Departamento de Educação do Reino Unido, renunciou ao cargo após a denúncia.
“David Meller abandonou seu posto como membro não executivo do Departamento de Educação (…) e sei que ele concorda que esta é a decisão correta”, disse a ministra da Educação do país, Anne Milton.
“É impressionante para mim que, no século 21, alegações deste tipo ainda apareçam. As mulheres têm o direito de se sentirem seguras onde quer que trabalhem.”
A agência de publicidade WPP, que é a maior do mundo e patrocinou uma das mesas do evento, anunciou que retirará seu apoio ao fundo após as acusações. Mas o diretor-executivo da agência, Martin Sorrell, afirmou que seus convidados não presenciaram cenas como as descritas por Marriage.
Já os hospitais Great Ormond e Evelina London decidiram devolver doações anteriores do President’s Club.
“Fui bolinada várias vezes e sei que muitas das funcionárias disseram que o mesmo aconteceu com elas”, disse Marriage.
Ao programa de TV Newsnight, da BBC, ela descreveu o contato que os convidados tinham com as mulheres falando em “mãos por todos os lados”.
“Não era, imagino, uma bolinação extremamente grave, mas uma das coisas mais esquisitas que aconteciam é que você poderia estar falando com um homem, e, de repente, ele puxava você pela mão.”
A jornalista decidiu ir infiltrada como hostess no evento para comprovar se as histórias de assédio que haviam chegado até ela eram reais.
“Tinham me dito que os homens podiam acabar sendo inconvenientes (…). Eu sabia que algo assim poderia ocorrer naquela noite, mas não estava 100% certa de que aconteceria. Mas muitas outras mulheres não tinham nem ideia de que o evento seria assim”, disse.
“Uma delas me disse que ficou chocada porque lhe perguntaram se ela era prostituta.”
De acordo com Marriage, as 130 mulheres que trabalharam no jantar receberam a instrução de usarem roupas pretas curtas com lingerie da mesma cor, além de sapatos de salto alto. Organizadores do evento também disseram que elas poderiam beber durante o trabalho.
As mulheres receberam cerca de 150 libras pelo trabalho, mais 25 libras para pagar o táxi de volta a suas casas.
Elas tiveram que assinar, sem tempo para ler, um acordo de confidencialidade de cinco páginas ao chegarem ao hotel onde ocorreria o evento. E, segundo a jornalista, não foram advertidas de que poderiam ser assediadas.
O editor de política da BBC, Nicholas Watt, afirmou que o parlamentar conservador Nadhim Zahawi estava presente no jantar, mas que ele teria saído cedo porque “era um evento incômodo e esquisito”.
“Vale a pena destacar que ele (Zahawi) tinha ido a este jantar em outra ocasião, antes de ser eleito em 2010, mas, na minha opinião, pensou que o evento anterior tinha sido completamente diferente do que ocorreu na semana passada”, disse.
O parlamentar confirmou que chegou ao jantar de gala às 20h (horário local) e saiu uma hora e meia depois porque se sentiu “incomodado”.
“Não presenciei nenhum dos acontecimentos terríveis publicados pelo FT. Estou escandalizado e condeno seriamente tudo o que ocorreu”, afirmou, em seu perfil de Twitter.
O diretor executivo do grupo WPP, Martin Sorrell, afirmou que as pessoas que se sentaram na mesa patrocinada pela agência de publicidade também não presenciaram o comportamento descrito pela jornalista.
Ele não foi uma das 360 personalidades que compareceram ao evento este ano, mas afirmou que “não viu nada parecido nunca”.
“Consultamos as pessoas que estavam em nossa mesa e eles disseram que não viram nada do tipo. Mas decidimos não ajudar o fundo beneficente no futuro. É uma pena, porque é uma organização que apoia diversos grupos que ajudam crianças e fez um ótimo trabalho”, declarou.
A administração do hotel Dorchester, onde ocorreu o evento, também se disse “profundamente preocupada” e afirmou que está conduzindo sua própria investigação sobre o caso.
O jantar só para homens acontece anualmente há mais de 30 anos e já angariou cerca de 20 milhões de libras para organizações de caridade que atendem crianças.
Em 2014, o evento levantou 694 mil libras em doações, mas custou 673 mil.
Em 2016, contudo, o jantar angariou 1,5 milhão de libras e custou cerca de 598 mil.
A primeira-ministra Theresa May disse ter ficado “horrorizada” com os relatos de que as mulheres teriam sido bolinadas e que “não está contente” com o fato de um evento do tipo ter ocorrido.
May disse ainda que não só a existência do evento é preocupante, mas também “o que ele diz sobre um assunto mais abrangente na sociedade – nossas atitudes em relação às mulheres”.
“Eu achei que esse tipo de abordagem – de objetificação das mulheres – era algo que estávamos deixando para trás”, afirmou.
“Nós progredimos, mas claramente ainda temos muito o que fazer.”
Maria Miller, presidente do comitê de Mulheres e Igualdade do Parlamento britânico, disse à BBC que a notícia é “motivo de preocupação” e questionou se as leis sobre o tema são suficientemente duras.
A líder da bancada feminina do Partido Trabalhista, Jess Phillips, afirmou à BBC que considera “totalmente inaceitável que as mulheres sejam contratadas como um rebanho para entreter um grupo de homens ricos”.
Já a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, disse que o relato da jornalista foi “corajoso” por “expor comportamentos escandalosos”.