A deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) ainda não conseguiu tomar posse no Ministério do Trabalho por conta de ações movidas contra ela na Justiça do Trabalho. No final de janeiro, a deputada gravou um vídeo em um barco com amigos, em que aparece rebatendo acusações de ex-funcionários na Justiça do Trabalho.
O vídeo criou mais constrangimentos para Cristiane Brasil e a onda de críticas acabou trazendo à tona uma outra gravação, ainda mais delicada, do tempo em que Cristiane ocupava a Secretaria Especial do Envelhecimento Saudável e da Qualidade de Vida aqui na Prefeitura do Rio de Janeiro.
O Fantástico teve acesso ao áudio de uma reunião convocada por Cristiane, em 2014. Naquela época, ela estava licenciada da Câmara dos Vereadores para comandar a secretaria e tentava se eleger deputada federal pelo PTB, o mesmo partido do pai, Roberto Jefferson.
Cerca de cinquenta servidores públicos e prestadores de serviço da pasta foram chamados para o encontro com Cristiane. Na gravação, a secretária cobra empenho da equipe para caçar votos.
“Bom dia! Aqui não é uma reunião tensa. É apenas pra gente situar vocês de coisas que não estão no dia a dia de vocês e que vocês precisam entender pra ajudar a gente. Se eu perder a eleição de deputada federal…Eu preciso de setenta mil votos. Eu fiz quase trinta (mil votos). Agora são setenta mil. No dia seguinte, eu perco a secretaria. No outro dia, vocês perdem o emprego. Só tem importância na política quem tem mandato. Só tem mandato quem tem voto. Só tem voto quem tem pessoas como vocês que estão na ponta ajudando a gente pedir e propagar o voto. Do contrário, não funciona”, disse a deputada.
A autenticidade do áudio foi comprovada por um perito. “Não foi identificado nada na perícia, na análise técnica, qualquer tipo de corte ou edição nele. A voz de fato é da Cristiane Brasil”, avaliou o perito Wanderson Castilho.
Um homem trabalhou para a secretaria entre 2011 e 2014, na gestão de Cristiane Brasil, diz ter participado de reuniões como a exibida pelo Fantástico. Questionado se sentia pressionado a fazer campanha, ele disse que sim.
“O tempo inteiro, direto. Não só eu, como todos os colegas. Eles queriam convencer esse pessoal que tinha o benefício no projeto, que era o da terceira idade”.
No áudio, Cristiane ainda dá dicas de como abordar os eleitores: “Eu preciso de uma coisa que está na mão de vocês agora, que é a credibilidade junto ao idoso, é a amizade que eles têm com vocês. É o carinho que eles têm com vocês no dia a dia. Se cada um no âmbito familiar me trouxer 30 fidelizados…’pô, tu é minha mãe. Se tu não votar nela, eu perco o emprego’. Olha que poder de convencimento essa frase tem! Pro marido: ‘Meu querido, vai querer pagar minhas calcinhas? Então me ajude!’. Se amanhã vocês ficarem desempregados, como é que vai ser a vida de vocês? Vai ficar um pouquinho mais complicado, não é? “
O Fantástico ouviu três pessoas que participaram da reunião. Elas não quiseram gravar entrevista, mas confirmaram a pressão de Cristiane por votos.
Para o especialista em gestão pública Bruno Brandão, a atitude de Cristiane Brasil é antiética. “Isso, infelizmente, é uma prática extremamente comum, normal no Brasil. Não quer dizer que é uma prática legítima, é uma prática absolutamente prejudicial ao interesse público quando um agente público ou político usa a máquina do Estado pra benefício próprio. O assédio moral é evidente. Além da questão eleitoral, também tem uma questão trabalhista. Você não pode trabalhar sob ameaça de que vai perder o emprego, com esse tipo de linguagem, esse tipo de ameaça”, explica o especialista.
Na mesma gravação, Cristiane pede votos para o deputado estadual Marcus Vinícius, também do PTB. Em 2014, ele tentava se reeleger e estava na reunião.
“O que a gente pede hoje? Acho que a Cris já falou o que tinha que falar. Nós temos dois mil funcionários. Se cada um de vocês conseguir 30 votos, 50 votos, já quase atingiu o objetivo, vai chegar a 150 mil votos”, diz Marcus Vinícius.
Cristiane e Marcus foram eleitos em 2014. Ela, para a Câmara dos Deputados, com pouco mais de 80 mil votos. Ele, para a Assembleia Legislativa, com 39 mil votos.
A deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) contestou na quarta-feira (31) no Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão da posse dela como ministra do Trabalho, determinada no último dia 22 pela presidente da Corte, Cármen Lúcia.
Cristiane Brasil foi escolhida pelo presidente Michel Temer no início deste ano para assumir a pasta, mas tem enfrentado uma batalha judicial porque decisões de magistrados têm impedido que ela tome posse.
Primeiro, a Justiça Federal em Niterói (RJ) suspendeu a posse sob o argumento de que Cristiane Brasil não atende ao requisito da moralidade administrativa, previsto na Constituição – a deputada já foi condenada por dívidas trabalhistas.
Após recorrer e perder vários recursos, a Advocacia Geral da União (AGU) decidiu acionar o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que liberou a posse. Dois dias depois, contudo, Cármen Lúcia suspendeu novamente.
O jornal “O Estado de São Paulo” revelou, no sábado (3), que Cristiane e Marcus são alvos de um inquérito policial por suposta associação ao tráfico de drogas durante a disputa eleitoral de 2010. Naquele ano, o deputado disputava uma cadeira na Assembleia Legislativa, com apoio de Cristiane.
A acusação é de que os dois tenham negociado com traficantes para fazer campanha no bairro de Cavalcanti, Zona Norte do Rio. Como hoje a deputada tem foro privilegiado, a investigação foi enviada na semana passada ao Ministério Público Federal.
O deputado Marcus Vinícius diz, em nota, que, “em 2010, já prestou esclarecimentos sobre o caso” e que “os fatos narrados nessa denúncia anônima não foram comprovados”. Sobre o áudio revelado pelo Fantástico, Marcus Vinícius afirma que “desconhece a gravação e que não pode se manifestar sobre o suposto material”.
A assessoria de Cristiane Brasil diz que ela “não foi ouvida no inquérito e nega veementemente que teve contato com criminosos”. Sobre a gravação em que constrange funcionários, a assessoria afirma que “embora não tenha obtido acesso ao conteúdo do aúdio, e desconhecer em quais circunstâncias foi gravado, a deputada jamais infringiu qualquer norma ética ou jurídica relacionada às eleições”.
Durante três semanas, o Fantástico propôs aos assessores que a deputada ouvisse o áudio, mas ela não aceitou.