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Projeto prevê prisão contra notícias falsas

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) montou um conselho consultivo para estudar soluções para o problema. O conselho é composto por representantes do Ministério da Justiça, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Safernet e Fundação Getúlio Vargas.

Para o ministro Luiz Fux, que assumiu a presidência do TSE, o combate às noticias falsas é prioridade. Em entrevista ao Fantástico, ele diz que o TSE vai agir. “O TSE não pretende assistir passivamente o cometimento desses ilícitos. O TSE criou um grupo de inteligência formado por uma elite da inteligência da Abin, do Exército. A todos aqueles que pretendem usar as fake news para obtenção de um resultado político ilícito, que coloquem suas barbas de molho.”

Entidades que defendem a liberdade de expressão temem que a ideia de combate às fake news acabe dando espaço para a censura, o quem também consideram um risco para a democracia.

O TSE diz que a função do conselho é “desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da internet nas eleições, em especial o risco das fake news e o uso de robôs na disseminação das informações, além de opinar sobre as matérias que lhe sejam submetidas pela presidência do TSE e propor ações e metas voltadas ao aperfeiçoamento das normas”.

Deputados e senadores propõem tornar crime a criação e disseminação de notícias falsas. Tramita no Senado o projeto de lei 473/2017, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que prevê prisão de seis meses a três anos e multa para quem divulga notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade.

A justificativa do projeto diz que, quando a vítima pode ser identificada, a divulgação de fake news, via de regra, configura crime contra a honra (calúnia, injúria ou difamação). No entanto, aponta que há situações em que a lei penal não prevê qualquer tipo de punição para os casos em que a notícia falsa prejudica o direito da população de receber informações verdadeiras e não corrompidas. A ideia, segundo ele, é criar um tipo penal que, em linhas gerais, pune a divulgação de notícia falsa que atinge interesse público relevante, prevendo pena mais grave para a divulgação feita pela internet e uma causa de aumento de pena quando o agente visa a obtenção de vantagem, para si ou para outro.

A Câmara dos Deputados também analisa o projeto de lei 6812/17, do deputado federal Luiz Carlos Hauly, que torna crime a divulgação ou compartilhamento na internet de “notícia que seja falsa ou prejudicialmente incompleta”, sob pena de detenção de dois a oito meses e pagamento de 1,5 mil a 4 mil dias-multa.

Já o deputado Jorge Côrte Real (PTB-PE) propõe no PL 8592/2017 detenção de um a dois anos para quem divulgar ou compartilhar, por qualquer meio de comunicação social, informação falsa.

O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) propõe no PL9554/2018 teor semelhante ao da proposta de Ciro Nogueira, mas o tempo de prisão pode chegar a até seis anos e meio. Francisco Floriano (DEM/RJ) propõe no PL9533/2018 aplicar em dobro a pena prevista na lei 7170/1983 (que define os crimes contra a segurança nacional) quando a disseminação de fake news for realizada por meio de redes sociais.

Como é hoje
Mestre em direito pela Universidade de Harvard, doutor em direito pela Universidade de São Paulo e ex-integrante do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, o advogado Ronaldo Lemos diz que não existe nenhum tipo penal que trate da punição a quem cria boatos no Brasil.

“Em outras palavras, não é crime criar boatos”, diz. Ele aponta, entretanto, que a criação e disseminação de boatos ou notícias falsas pode ser enquadrada atualmente como crime contra a honra.

“A criação e disseminação de boatos pode configurar um dos crimes contra a honra, quais sejam, calúnia, injúria ou difamação. Isso dependerá do conteúdo do boato e sempre da avaliação do juiz. Nesse sentido, vale notar que há boatos inofensivos, que podem não se configurar como crimes (por exemplo, espalhar que uma celebridade está namorando uma pessoa etc).”

No Código Penal brasileiro, essas implicações legais ligadas a boatos se enquadram nos chamados crimes de honra:

Calúnia: Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime. Pena: detenção de seis meses a dois anos e multa.

Difamação: Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. Pena: detenção de três meses a um ano e multa.

Injúria: Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Pena: detenção de um a seis meses e multa.

Os três crimes têm penas semelhantes, mas toda detenção menor que 4 anos é convertida em cesta básica e outros serviços.

Visiting scholar e professor na Universidade de Princeton, Oxford, Columbia, UERJ e MIT Media Lab, Lemos diz que a legislação eleitoral brasileira já é suficiente para coibir notícias falsas nas eleições de 2018.

“É uma das mais restritivas entre os países democráticos. O juiz eleitoral já conta com amplos poderes para remover conteúdos, inclusive para além dos limites da calúnia, injúria e difamação. Esses amplos poderes têm inclusive gerado preocupações e manifestações contra a prática de censura prévia. O próprio Conselho de Comunicação do Congresso Nacional já se manifestou nesse sentido. A lei brasileira não precisa de qualquer modificação para lidar com o tema”, diz.

Uma das armas para combater as notícias falsas é apontar como identificá-las.

Como identificar uma notícia falsa
1 – Você conhece o site da notícia?

Você conhece o site? Sabe que tem uma equipe responsável por ele? Segundo material produzido pelo Instituto Poynter, entidade americana que analisa e estuda a imprensa, quando você acessa um site, a primeira coisa que deve fazer é verificar onde está e quem está por trás das páginas que está lendo. Se não conseguir encontrar nenhuma informação sobre o autor ou nenhuma seção que explique o que é o site, é melhor ficar atento.

“É importante prestar atenção na página para saber que tipo de site é aquele e pensar se já leu coisas sobre aquela publicação”, diz Fabio Goveia, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo. “Às vezes, são sites que espelham o jornalismo, copiam nome e tipo de página de sites grandes, como o próprio G1, mas é um jornalismo fake news, um jornalismo de paródia, e a pessoa compartilha como se fosse verdade.”

É o caso também de sites de humor, que usam a estética e a linguagem jornalísticas para brincar com as informações. O problema é que um leitor não atento pode acreditar e compartilhar o humor como sendo verdade.

Pablo Ortellado, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso a Informação da Universidade de São Paulo (USP), afirma que deve-se olhar para o histórico do veículo com uma perspectiva “não política”. “Numa situação polarizada, as pessoas acreditam em qualquer coisa que confirme sua opinião.”

2 – Dá pra saber de quando é a notícia?

Geralmente, notícias falsas não indicam quando o fato narrado aconteceu – se nesta semana, se neste ano, se há dez anos. Por isso, é muito fácil que boatos antigos voltem a circular nas redes de tempos em tempos. Como não há indicação de tempo, aquela “notícia” pode sempre ser atual. Por isso, veja se a notícia é datada de alguma forma. Caso o texto tenha uma data de publicação, busque por ela – pode ser que aquele link seja antigo.

Muitas vezes, uma notícia de anos antes viraliza em um momento específico. Foi o que aconteceu há uns anos com uma notícia verdadeira sobre o cancelamento do Enem. Um link de uma reportagem sobre o assunto foi difundido às vésperas do Enem de 2012, provocando pânico nos candidatos. Só que o link era de uma notícia de 2009, quando o Enem foi adiado para todos os inscritos após a notícia do furto de provas. O caso foi parar na Polícia Federal, e o Ministério da Educação convocou uma coletiva para desmentir o cancelamento.

3 – A notícia é assinada? Por quem?

Não, você não precisa conhecer todos os jornalistas do mundo pelo nome. Mas, segundo especialistas, a maioria das notícias falsas compartilhadas nas redes sociais não tem um autor identificado – principalmente quando são apenas textos repassados por Whatsapp e não estão hospedados em sites.

Em outros casos, os textos são “assinados” por personalidades conhecidas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ou o jornalista Arnaldo Jabor. Nesses casos, é importante ligar o “desconfiômetro”: é muito fácil escrever uma mensagem de cunho político, colocar que o autor é alguém conhecido e repassar no Whatsapp. Caso aquela mensagem seja verdadeira, uma rápida busca online pode levar rapidamente a sites repercutindo as informações. Caso a busca não traga nada claro, tudo indica que é mentira.

4 – Você consegue identificar a fonte das informações?

Pode até ser que a notícia esteja datada e assinada, mas as informações do texto são creditadas a alguém? “Esse texto está citando um documento? Ele cita uma fonte? Fez uma entrevista com um dono de empresa, com um porta-voz do governo? Ou é apenas uma afirmação forte, sem nenhum embasamento? É apenas a voz de quem está relatando aquela notícia?”, elenca Ortellado.

Caso seja difícil identificar a fonte das informações, você já tem outro sinal amarelo de que aquela notícia pode ser falsa. É fácil inventar um texto e não ter que deixar claro para o seu leitor de onde ele veio. Isso possibilita que as pessoas escrevam qualquer coisa, já que não precisam provar nada para ninguém.

Em muitos casos, porém, órgãos e nomes bastante conhecidos são usados para dar credibilidade à informação. Correntes de e-mail e do WhatsApp circulam frequentemente com a assinatura completa de um médico, um funcionário público ou outro especialista. Se a suposta fonte de informação é um órgão público, basta encontrar o site oficial e checar as últimas notícias – a maior parte deles mantém assessorias de imprensa dedicadas a publicar esse tipo de comunicado.

Também é possível fazer uma busca online do nome da pessoa que assina a informação, o que pode levar a desmentidos. Caso isso não aconteça, será possível comprovar, com a busca, se a pessoa efetivamente existe, se trabalha na empresa envolvida, entre outras informações.

5 – A notícia é “bombástica”?

Aqui entra a questão de bom senso: se uma notícia parecer, à primeira vista, “inacreditável”, talvez seja justamente porque ela não existe. Segundo especialistas, em geral, quem tenta enganar os leitores escolhe exagerar ou inventar eventos absurdos para mexer com a emoção do público, principalmente quando as opiniões estão polarizadas.

A tendência é que as pessoas aceitem como verdade até informações flagrantemente falsas porque elas estão de acordo com o que acreditam. Por isso, segundo Ortellado, vale pensar duas vezes e dar uma busca na internet para ver se a mesma notícia está sendo repercutida em outros lugares.

Um exemplo dado por ele é a morte de Teori Zavascki, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que cuidava dos casos da Operação Lava Jato e que sofreu um acidente de avião em Paraty (RJ). Pouco depois do acidente, os boatos já começaram a circular. “Se alguém tivesse descoberto realmente que um sargento da Aeronáutica tinha dado instruções falsas para o avião do Teori, isso estaria em todos os veículos”, explica Ortellado. “Se não está, é um forte indício de que essa notícia não foi verificada: ou ela é falsa, ou é um boato.”

Também é comum que notícias falsas usem recursos para parecer ainda mais “bombásticas”, como colocar o título em caixa alta. Segundo o Instituto Poynter, esse recurso costuma ser usado por caça-cliques – ou seja, pessoas que tentam chamar a atenção para conseguir cliques do leitor.

Dica bônus: Eu penso, logo compartilho

Por fim, mas não menos importante, os especialistas destacam a importância de exercitar o senso crítico e tentar deixar de lado a ansiedade que o rápido compartilhamento das notícias nas redes sociais traz. “As pessoas tendem a compartilhar essas informações como se estivessem fazendo uma coisa muito boa, protegendo seus familiares e seus amigos. E nesse afã de querer compartilhar logo, de ser o primeiro a passar aquela notícia, a pessoa acaba dando mais munição para quem está por trás [dessas publicações falsas]”, diz Goveia.

Segundo ele, ironicamente, essa cultura da velocidade vem do próprio jornalismo , pois a forma atual de repassar informações do setor é tão objetiva que as pessoas buscam sempre essa objetividade e essa rapidez. “Assim como no jornalismo, agora toda a sociedade tem essa relação com a notícia, de que é quente, rápida. Além disso, o breaking news é mais simples, então as pessoas conseguem reproduzir com facilidade. Por isso, tanto para o jornalismo como para o leitor, essa preocupação de observar outros elementos além daqueles que costuma ter na mão, no celular, tem que estar presente.”

O senso crítico também vale para o teor das notícias. Em uma época em que as opiniões políticas estão tão polarizadas, é mais fácil cair nas notícias falsas sobre políticos que circulam pela internet, já que as pessoas já estão predispostas a acreditar em certas coisas.

“As pessoas acabam vivendo em uma bolha, isoladas em um grupo que só fala de um partido A ou de um partido B. Isso acaba impedindo que elas tenham acesso a informações contraditórias. Como a pessoa já está predisposta a ter uma opinião, a corrente [de informações falsas] funciona como um reforço do que ela acredita. Por isso, acaba circulando mais forte”, diz Goveia.