Tenho uma irmã que morou muitos anos nos EUA, e eu aproveitei a oportunidade e fui passar um período com ela. Naquela época eu tinha pouca idade, pouco dinheiro, pouca experiência gustativa e muita memória.
Memória suficiente pra lembrar com minúcias a primeira vez que eu vi e provei “Funghi”. Nome lindo pra um cogumelo escuro, comestível e de aspecto esquisito.
Foi assim: um familiar em visita, trouxe o funghi para ele próprio cozinhar e o fez colocando um generoso pedaço de manteiga de tabletinho na panela, os cogumelos em lascas e depois de suficientemente aquecido, acrescentou um copo de vinho branco seco. Parecia coisa de bruxa, uma fumaça espaçosa e perfumada tomou conta de todo o ambiente.
Nunca esqueci, nem o sabor, nem a textura, nem o perfume daquela novidade e assim me tornei fã desse ingrediente.
Passados muitos anos a lembrança me faz recorrer, de tempo em tempo, a alguma preparação que me remeta a esse prazer.
Dessa forma, dentre as variedades que me atrevo a preparar para homenagear algum amigo, por vezes recorro a essa lembrança e acrescento funghi ao cardápio, e assim fiz num jantar que ofereci essa semana à pessoas especiais.
O problema é que atualmente, se o preço das compras de supermercado me causa espanto toda semana, imagine nos extras. Uma coisa é certa, se até a banana, deixou de ter preço de banana, imagine funghi, queijo, carne…
O fato é que a feira da semana virou um drama. Eu passeio pelas prateleiras, dizendo pra mim mesma, “cuidado com os excessos”, lembre que na sua casa são apenas duas pessoas.
Acontece que nunca funciona exatamente assim, primeiro, acaba não sendo só Pedro e eu, segundo, tem uns apelos de venda que são irresistíveis, do tipo: compre três e pague dois, e eu pego pensando – vou levar, já que tem uso frequente e faço economia guardando um estoque. Qual o quê?
Sim, uso aqui tem para tudo que está disponível e não faz diferença se tem um ou três, acaba rapidamente do mesmo jeito, os únicos ingredientes que não tem saída tão rápida são os itens basicão, aqueles que enchem carrinho, mas não esvaziam por completo a carteira, como fubá, açúcar, feijão…
Mas o que me deixa intrigada mesmo são os telejornais anunciando repetidas vezes que não há inflação, que os itens que compõem a feira baixaram de preço, e me pego pensando que ou isso é uma grande piada, ou estou indo fazer compras no lugar errado.
A verdade é que em alguns anos minha despesa de feira triplicou e nada de diferente aconteceu com os hábitos familiares, o que aconteceu mesmo foi a mudança dos preços para patamares proibitivos.
A situação ficou tão dramática que atualmente minha moeda de comparação ē a feira. Olho um sapato e concluo, “tá barato, custa só meia feira semanal e ainda dura mais tempo”. Essa conta favorece até a compra de joias, nada é mais caro que comer.
Quando o cartão de crédito chega, para cada pequena despesa de coisas variadas, tem meia dúzia no supermercado, com valores cada um mais alto que o outro, hoje quase que “trabalho para comer”.
As coisas mudaram com o tempo, agora eu tenho muita idade, paladar variado, conheço funghi, a memória diminuiu, só não mudou mesmo a conta bancária. Antes, pelo menos, a situação combinava melhor.
Brincadeira a parte, eu adoro receber, ē minha forma de declarar meu amor e mesmo me assustando com os valores, comer bem, continua a ser um prazer possível, mas me pergunto a cada dia de feira, como tem sobrevivido o restante das pessoas na atual situação da País?
Com falta de emprego e de dinheiro, sem que haja possibilidade de extrair da luz do sol o que se necessita pra viver, (como fazem plantas ou o funghi), a fome parece um fantasma que volta a assombrar e lamento que para muitos não haja o que mexer no fogão, num caldeirão parecido com o das bruxas.
PS – Ainda bem que a minha referência é a feira, pior seria comparar valores com as malas do Geddel.