É comum encontrar crianças querendo tomar o novo suco com imagens de super-heróis que eles assistiram na televisão ou vê-las fazendo birra quando não ganham aquele tênis bem colorido que está sendo usado por seu Youtuber favorito. Por causa de situações como essa, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou, em 2014, uma resolução que considerada abusiva – portanto, ilegal – qualquer publicidade direcionada às crianças. Os pequenos são considerados um público vulnerável e não têm maturidade suficiente para entender alguns mecanismos de persuasão.
Casos como esses são cada dia mais frequentes. Um estudo da TNS/InterScience verificou que 80% das decisões de compra das famílias são influenciadas por crianças. Em geral, os pequenos pedem produtos alimentícios (92%), seguidos por brinquedos (86%) e roupas (57%). As escolhas são induzidas principalmente pela televisão (73%), apontou o estudo.
Dentre as possibilidades para se estimular a publicidade infantil, o que mais gera repercussão são os comerciais. De acordo com o levantamento do Ibope, o consumo diário de televisão no Brasil chegou à média de 6h23 em 2017 e está em crescimento continuo. Ainda existem outras opções para a prática da publicidade, como o outdoor, panfleto, embalagem e a internet. Segundo o estudo Geração Youtube, feito na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), metade dos cem maiores canais do Youtube atinge o público de até 12 anos.
A situação legal da propaganda infantil no Brasil não é clara. Apesar de ser considerada abusiva, não há nada previsto em lei. E pegando como exemplo os vídeos de youtubers, cheios de marcas, é difícil separar o que é anúncio ou não. O Conanda, órgão hoje ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, considera ilegal qualquer propaganda voltada ao público infantil. Outras entidades acham que deve-se apenas impor certos limites. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitário (Conar), por exemplo, aceita estes anúncios, desde que não tenham certos elementos, como verbos imperativos ou publicidade velada.
Considerando a esfera legal, algumas normas estão presentes na Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), da Convenção das Nações Unidas sobre as Crianças (Decreto no 99.710/1990), do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e da Resolução nº 163, de 13 de março de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda.
Um levantamento do Datafolha (2016), mostrou que quase metade da população brasileira é contra as investidas da publicidade infantil – 45,4% é totalmente contra a qualquer tipo de propaganda para crianças de até 12 anos. Diante dessa realidade, além de trabalhar pela conscientização dos pais para que façam denúncias às campanhas claramente abusivas, o movimento Criança e Consumo, do Instituto Alana, atua no diálogo com vários setores da sociedade para inibir a publicidade infantil. O programa Criança e Consumo existe desde 2006, mas o instituto já trabalha com a missão de honrar a criança desde 94.
Segundo a advogada de consumo infantil Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, toda publicidade que é dirigida a criança é abusiva. “Publicidades que são abusivas são aquelas que falam diretamente com a criança, ou seja, que utilizam de atores infantis, personagens ou que está dentro de espaços como a escola e parques. É importante entender a diferença porque existem publicidade de produtos para crianças, mas que não são endereçadas para elas”, explicou.
Em relação às medidas que podem ser tomadas para se evitar a publicidade infantil, Ekaterine considera que o primeiro passo é que as empresas respeitem as leis e não façam esse tipo de publicidade. O passo seguinte é a fiscalização pelos órgãos competentes, com a devida aplicação de sanções. E, por fim, a mobilização da sociedade para denunciar qualquer tipo de abuso.
A coordenadora do programa Criança e Consumo também falou sobre o papel dos pais. “A tendência é que se culpe os pais, mas é preciso levar em consideração os fatores externos. Os pais, realmente, são responsáveis pelos cuidados com as crianças, precisam ver o que elas estão assistindo e incentivar passeios que não estimulem o consumo. Porém, para que isso aconteça, as informações precisam estar claras”, concluiu, ressaltando a importância de que todos participem desse processo.