A Polícia Civil indiciou por homicídio culposo – quando não há intenção de matar – quatro médicos envolvidos na internação de Irene de Jesus Bento, de 54 anos. Dona Irene morreu no dia 28 de julho, oito horas após ser rejeitada no Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, Zona Norte do Rio.
O Fantástico obteve com exclusividade imagens de câmeras de segurança do hospital e detalhes do inquérito, encerrado esta semana pela 22ª DP (Penha). O circuito interno da unidade de saúde mostra que uma das médicas abandonou o plantão.
O caso de Dona Irene veio à tona porque o filho dela, Rangel Marques, resolveu percorrer o hospital com o celular na mão, mostrando o que os profissionais de saúde estavam fazendo, já que ele aguardava havia meia hora chamarem a mãe, que se contorcia de dor na recepção. Ela ainda seria mandada para um posto de saúde e transferida para o hospital numa peregrinação de sete horas.
“É obvio que todos os hospitais públicos estão numa situação caótica. Mas neste aí foi falha humana. A polícia concluiu que não foi falha de estrutura. Foi falha humana. Foi falha de empatia, foi a negligência, foi a imperícia”, diz o delegado Rodrigo Freitas, da 22ª DP.
As imagens a que o Fantástico teve acesso ajudam a contar o drama de Rangel e da mãe, na tarde de 28 de julho. As câmeras gravam quando, às 14h21, Rangel entra carregando a mãe no Hospital Estadual Getúlio Vargas. Cinco minutos depois, a pressão de Dona Irene é medida.
“Falaram que estava normal. Eu falei: ‘Ela não tá normal. Ela não tá falando, não tá andando. Não consegue nem falar nem andar”, lembra o filho.
Rangel começa a gravar o atendimento. Segue para o setor de classificação de risco e encontra a médica Ana Paula Noronha. “A médica está aqui com celular e a pessoa está lá quase morrendo”, diz no vídeo que viralizou.
Segundo o delegado que investiga o caso, Ana Paula é quem deveria prestar o primeiro atendimento. Mas, logo depois de discutir com Rangel, abandona o plantão do hospital. Eram 14h40.
Dez minutos depois, a médica Maria de Fátima Bartholo atende Dona Irene e lhe atribui a classificação amarela de risco – ou atendimento de urgência. Mesmo assim, Maria de Fatima encaminha Dona Irene para a Unidade de Pronto Atendimento da Penha, que fica do outro lado da rua.
“Maria de Fátima presta um atendimento negligente. Porque a Dona Irene, classificada com risco amarelo, com a glicose alterada, jamais poderia ter sido encaminhada para a UPA”, afirma o delegado.
Às 15h12, Rangel chega com a mãe à UPA. Ela é atendida pelo chefe da equipe médica, Hector Fabian Bernal, às 15h45. Na hora seguinte, seu quadro piora, e Hector decide sedá-la.
Às 19h, a médica Roxana Mamani assume o plantão; às 19h24, também determina que sejam aplicados sedativos na paciente.
De acordo com o laudo do Instituto Médico-Legal, “a utilização concomitante dessas medicações é uma possibilidade que não pode ser afastada totalmente como fator desencadeante do resultado da morte” de Dona Irene.
Pouco antes das 20h, a paciente sofre a primeira parada cardiorrespiratória. Mas, somente duas horas depois, ela é transferida de ambulância para o Getúlio Vargas, de onde foi dispensada havia cinco horas.
“No HGV ela é atendida novamente na Emergência por outro médico, que realiza tudo o que podia, mas não tinha mais nada que pudesse ser feito por ele para salvar a vida de Irene”, afirma Freitas.
Cerca de uma hora depois, por volta de 23h, os médicos informaram a morte de Irene.
Outro lado
O Fantástico procurou os quatro médicos indiciados pela morte de Dona Irene. Nenhum deles quis gravar entrevista.
Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde disse que determinou o afastamento imediato dos profissionais envolvidos e posterior desligamento das equipes.
O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro abriu sindicância, ainda não concluída.
“Vem a lembrança toda de tudo que passamos lá. Sabendo que podiam ter salvo minha mãe e não salvaram. Volta tudo à tona. A lembrança do dia volta toda”, lamenta o filho.