Futebol

‘Guardiola do Qatar’ aposta na filosofia do Barça para encantar na Copa América

Site Oficial do Barcelona/Divulgação

Site Oficial do Barcelona/Divulgação

Um técnico catalão, formado no Barcelona, na faixa dos 40 anos de idade e campeão do torneio mais recente que disputou. Ainda por cima, é careca e usa barba. A descrição poderia ser muito bem de Pep Guardiola, mas trata-se de Félix Sanchez, que está à frente da seleção do Qatar, cuja meta a curto prazo é não fazer feio na Copa América do Brasil. Será o primeiro teste à vera desse time fora das fronteiras continentais, e a projeção é evoluir o suficiente para deixar boa impressão na Copa do Mundo que o país sediará em 2022.

As similaridades físicas e de origem são coincidências que ficam em segundo plano em relação ao que mais conecta um treinador ao outro: a filosofia de jogo. Eles são filhos de um mesmo berço do futebol e não por acaso Félix tem Pep como referência. Não é segredo. Com um estilo que valoriza o bom tratamento da bola e a compactação, a seleção qatari foi campeã da Copa da Ásia deste ano. Nos sete jogos da campanha, o Qatar fez 19 gols e sofreu só um: o “insignificante” da vitória por 3 a 1 na final diante do Japão. O “Guardiola do Qatar” não se importa com comparações, mas sabe que a distância entre eles vai muito além dos cerca de 6 mil quilômetros que separam Manchester de Doha.

– Todo mundo tem treinadores de referência. Para mim, o que essa pessoa faz, como faz seus times jogarem, o futebol que propõe, as diferentes variantes que pode ter em um jogo, muito me agrada. Mas evidentemente Pep Guardiola é Guardiola e está em um lugar. Eu sou Félix Sanchez e estou em outro. É uma referência para mim – disse Sanchez, em entrevista ao GLOBO, em Doha.

Em funções bem distintas, Pep e Félix foram contemporâneos no Barcelona. Sanchez começou a trabalhar no clube em 1996, quando o volante Guardiola já tinha uma carreira consolidada e se tornou capitão da equipe. O atual treinador do Qatar acumulou dez anos no Barça, primeiro como professor da escola do clube e depois em uma atuação mais direta nas categorias de base. Sergi Roberto e Gerard Deulofeu foram alguns dos que passaram pelas mãos dele.

Em 2006, Pep já estava fora do Barça, vivendo os últimos momentos de profissional, no México, quando Sanchez, então com 31 anos, recebeu uma proposta que, segundo ele, foi fácil de aceitar: trabalhar no ambicioso projeto Aspire Academy, instalado em Doha, no Qatar.

A missão era descobrir e desenvolver talentos locais. O autor do convite foi Josep Colomer, à época sócio nesta empreitada do ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell. Ambos, inclusive, chegaram a ser presos em 2017 durante investigação na Espanha que averiguava o recebimento de propina em um esquema supostamente comandado por Rosell. Até o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, estaria envolvido. Rosell foi absolvido por falta de provas.

A confusão não teve a ver com a carreira do técnico Sanchez. Félix diz ter prontamente aceitado deixar o Barcelona – sem, no entanto, abandonar os ideais aprendidos lá:

– É um excelente treinador, amigo. Ajuda sempre os jogadores a evoluir. Gostamos de ter a bola, de jogar e ganhar, com atitude. É isso que ele gosta. É o que temos feito sempre – contou o lateral-direito Pedro Miguel, do Al-Sadd, português que se naturalizou e defende a seleção do Qatar.

Criada em 2004, a Aspire Academy é o coração das categorias de base do Qatar. A atuação nela foi um trampolim natural para Félix Sanchez entrar, de vez, no organograma das seleções nacionais. Técnico da sub-19 em 2013, ele ainda passou por sub-20 e sub-23 antes de ser escolhido para substituir o uruguaio Jorge Fossati (ex-Internacional) no comando da principal, em 2017. Nesses dois anos de trabalho, o surgimento de novos talentos, com os quais Félix trabalhou desde meninos, e a filosofia de jogo trouxeram o Qatar ao estágio atual.

– Sou um privilegiado e tive muita sorte. Estive 10 anos no Barcelona. Tive a oportunidade de vir para cá. Foi uma decisão fácil. Vi um grande projeto. Não imaginava que estaria aqui 12 anos depois, preparando o que estamos preparando (Copa América e a Copa do Mundo). O mais importante é convencer os jogadores, fazê-los ver que a proposta pode dar rendimento, que se sintam à vontade. Não é o mesmo trabalhar em Barcelona, na Alemanha ou Inglaterra. É preciso se adaptar. O nível e o perfil dos jogadores são distintos. Mas há um resultado, os jogadores estão convencidos, acreditam mais, e isso ajuda a seguir evoluindo – contou o treinador.

Enquanto a referência Guardiola segue empilhando taças, Sanchez sabe que acompanhar esse ritmo é difícil, ainda mais por se tratar de uma seleção com pouca expressão mundial. Em que pese a necessidade de fazer adaptações por causa do peso dos adversários e do nível dos jogadores que tem à mão, o treinador do Qatar deixou claro: o contentamento no momento vai ser maior pelo desempenho, um extrato da filosofia barcelonista, do que pelo resultado. A começar pelo amistoso de 5 de junho, contra o Brasil, no Mané Garrincha.

– Não temos objetivo de chegar às quartas, semifinal ou final. Seria muito atrevido dizer isso. Vamos tentar competir ao máximo em cada partida. Vamos ver a que ponto chegamos. O principal objetivo é uma primeira experiência nesse nível, tentar passar uma boa imagem, que vejam o Qatar como uma boa equipe.