Taís Araújo é considerada a primeira protagonista negra de uma novela das 8 da Globo, fato ocorrido quando deu vida à personagem Helena, de Manoel Carlos, em Viver a Vida, que estreou há 10 anos, em 14 de setembro de 2009.
O E+ conversou com a atriz sobre sua visão a respeito da questão da representatividade negra em novelas e outras produções desde então.
“Acho que a gente teve melhorias, sim. Na verdade, é uma coisa muito simples de você observar o panorama. É o crescimento da quantidade de atores negros nas novelas 10 anos atrás e agora. O número aumentou consideravelmente”, opinou Taís.
A atriz relembrou que, em décadas passadas, atores negros tinham espaço apenas em “novela de época ou então em papéis sem grande importância em termos de dramaturgia”.
“Quando você fala de um motorista, empregada doméstica, na verdade, não é da profissão que está se falando, está se falando da importância dramatúrgia da personagem dentro daquela obra”, ressalta, sobre o comentário.
“Isso realmente era um déficit gigantesco, os personagens estavam lá só para constar, não tinham história, não tinham humanidade. Então, se a gente for contabilizar isso hoje, aumentou e melhorou muito, em número e em qualidade”, continua.
A visão de Manoel Carlos, à época
Ao Estado, em 13 de setembro de 2009, Manoel Carlos, o autor de Viver a Vida, falava sobre a personagem de Taís Araújo ( para ler a entrevista completa). Confira um trecho abaixo.
Estado: Pela primeira vez, a Helena é jovem e negra. Qual é a importância que você dá a essas duas informações?
Manoel Carlos: Só dou importância ao fato de ser jovem. É natural que todos pensem que o principal é que ela é negra, mas não é. Quando comecei a criar a trama, tive vontade de fazer uma Helena menos maternal, porque todas as minhas Helenas viviam em função dos filhos e da família.
Cheguei à Taís Araújo porque sempre quis fazer uma novela com ela. Por isso, não importa o fato de ela ser negra. O mais importante é que ela convença como top model, e a Taís, que tem uma beleza internacional, convence.
Estado: Então, a novela não levanta a bandeira dos direitos raciais?
Manoel Carlos: Não, nada. Até pode surgir, porque tenho outros personagens negros. Mas definitivamente não é uma bandeira. E tem mais: os artistas escapam disso. Ninguém fala de um ator negro dando a raça em primeiro lugar. Denzel Washington? Excelente ator. Ninguém diz ‘um grande ator negro’. Queria uma profissão que estivesse acima de qualquer conotação racial. Agora, é evidente que, quando saiu a notícia de que a Taís seria a Helena, todo mundo associou: ‘vai ser a primeira Helena negra’. Não, será a primeira Helena jovem. Poderia ser japonesa, para mim não faria diferença.
Sobre o destaque maior de Manoel Carlos ao fato de Helena ser jovem, em vez de ao fato de ser negra, hoje, a atriz comenta: “Eu entendo o Maneco. Esse desejo, na época, também era um desejo meu – olha que loucura. Puramente por falta de entendimento da sociedade em que a gente vivia e vive”.
“Minha ingenuidade era tão grande quanto ao Brasil, que, na época, eu achava que o Brasil era aquele cordial que foi vendido para a gente a vida inteira”, prossegue.
Na sequência, conclui: “Uma ingenuidade de que ‘não precisa tocar nesse assunto’. E não. Precisa-se sim, tocar nesse assunto, falar nesse assunto. A gente não pode deixar os assuntos serem ignorados enquanto tem coisas a se resolver.”
‘Nem todo mundo foi escutado’
Para Taís, “a história [do Brasil] não foi contada da maneira certa”, uma vez que “nem todo mundo foi escutado.”
“Vamos olhar para o Brasil de maneira madura, entender que sociedade é essa e como ela foi realmente construída. Não dá para você ficar glamourizando a época colonial do Brasil. Não há glamour nessa época. Foi uma época bárbara, violenta, horrorosa”, completou.
Em relação às novas gerações, prossegue: “Mudou. Na verdade, a gente está num processo de mudança, né? Se a gente for olhar o número de brasileiros que se declaram negros e o número de brasileiros que tem na televisão, o número não se equipara. Mas negar uma melhora, também, não tem como. De fato, melhorou bem. Mas ainda não é o que proporcionalmente representa a população negra brasileira.”
Hoje dona de uma carreira extensa, Taís Araújo começou nas novelas em Tocaia Grande, da Manchete: “Vocês [público] me viram crescer. Viram uma menina e agora estão vendo uma mulher. Fui amadurecendo.”
“Me conheceram quando eu não tinha nenhum pensamento amadurecido sobre nada. Mas, se você pegar entrevistas minhas na revista Raça enquanto eu fazia a Xica da Silva, você já vê um entendimento meu – claro, de uma menina de 17, 18 anos, mas que não estava de bobeira”, ressalta.
A atriz também lembra a baixa quantidade de atrizes negras na TV durante sua juventude: “Quando eu era pequena, quem tinha era a Zezé [Motta], que tem a idade da minha mãe, [a] Léa [Garcia]… Tinha um distanciamento muito grande de idade entre nós para haver um tipo de identificação.”
Próximos passos
Para o futuro, Taís Araújo acredita que o caminho seria que as emissoras dessem mais oportunidades a profissionais negros por trás das câmeras, em cargos como o de diretor ou roteirista.
“Eu sou super esperançosa nesse sentido. Acho que as empresas já estão começando a entender o quanto é importante você contar histórias sobre os diversos pontos de vista. Estou falando sobre isso porque acho que grande parte da grande mudança que acho que a gente tem que ter são criadores, escritores, diretores negros. Para que a nossa história seja contada pelo nosso ponto de vista, e não pelo ponto de vista do outro”, afirma.
Em seguida, exemplifica: “Isso já acontece muito na televisão. Por exemplo, se você vai escrever o papel de um personagem de origem judaica, o que vai acontecer? Você vai recorrer a um rabino, a alguém que conheça daquela cultura para escrever ou dar alguma assessoria para que não se cometa nenhuma gafe, falta de respeito.”
Taís também acredita que é preciso “reconhecer o desconhecimento sobre a cultura do outro.”
“Acho que isso ainda não acontece muito com a população negra. As pessoas acham que entendem tudo sobre população negra e podem escrever sobre a população negra, mesmo não sendo negro e não tendo a vivência de uma pessoa negra no País”, continua.
“Quem ganha é a dramaturgia, somos todos nós. Ganha histórias e pontos de vista diversos, enriquece”, conclui.
‘Sou a exceção’
Taís Araújo também reafirmou que se considera uma “exceção” no que diz respeito à realidade brasileira: “Eu não valho para nada. A exceção só serve para confirmar a regra. […] Tive a chance de estudar em colégios bons, particulares, tradicionais, falo inglês, espanhol.” “Se você me pega e coloca como exemplo… Não sou exemplo de nada, sou a exceção”, conclui.
Viver a Vida
Em Viver a Vida, Taís Araújo interpretou a protagonista Helena, que, ao longo da trama, casou-se com Marcos (José Mayer) e, posteriormente, envolveu-se em um romance com o fotógrafo Bruno (Thiago Lacerda).
A família de Helena na trama era composta por seus pais, Edite (Lica Oliveira) e Oswaldo (Laércio de Freitas) e seus irmãos, Sandrinha (Aparecida Petrowki) e Paulo (Michel Gomes).
Casada com Marcos, ela enfrentava problemas com a família do marido, especialmente por parte de Teresa (Lília Cabral) e Luciana (Alinne Moraes), que, posteriormente, sofreria um acidente, ficando tetraplégica.