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Outros tempos? Após uma longa espera, a bola volta a rolar no Chile

Divulgação / ANFP

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Enquanto os holofotes do futebol sul-americano se voltam para a decisão da Copa Libertadores, entre Flamengo e River Plate, em Lima (PER), o país cuja capital abrigaria inicialmente a final da competição sul-americana se prepara para tentar reagir em campo. Após quatro semanas de adiamento, causados pela convulsão social que assolou o Chile (e tirou a decisão de Santiago), a bola volta a rolar nesta sexta-feira no Campeonato Chileno. Porém, os ânimos acirrados continuam a afetar sensivelmente a competição.

O confronto entre Union La Calera e Deportes Iquique, nesta sexta-feira, teve de passar por uma mudança drástica. Protestos que “barras bravas” convocaram em La Calera, com palavras como “ruas com sangue, campos sem futebol” fizeram a prefeitura da cidade recusar-se a ceder o Estádio Nicolás Chahuán. Com isto, a partida “migrou” para a cidade de La Florida e passar a abrir a 26ª rodada: em vez das 17h30, o jogo acontecerá no horário das 11h.

Mandatário do Iquique, Cesare Rossi reconhece que ainda há uma sucessão de obstáculos para que o Campeonato Chileno tenha condições de voltar à sua normalidade.

– Estamos vivendo uma situação social muito complicada. Nossa partida teve de ser reprogramada em várias oportunidades, e chegou a mudar de cidade. Agora, é esperar que estejam dadas condições de segurança para que os atletas possam jogar – afirmou, ao LANCE!.

Já o duelo entre Cobresal e Unión Española também mudou de horário, das 12h para as 13h15. Presidente da equipe do Norte do país, David Aguero admite que a retomada ocorre em tempos muito difíceis entre os chilenos.

– É um período de bastante incerteza, de máxima necessidade de continuidade, na qual procurávamos também conseguir chegar à melhor forma de voltar a campo. Todos estamos mobilizados em terminar a competição – disse.

Dirigente do Unión Española, Santiago Perdiguero reconhece o temor pelos “barras bravas”, que vêm fazendo ameaças pesadas aos jogadores e clubes. Contudo, é taxativo.

– Sabemos que o pensamento geral é em busca do retorno do Campeonato Chileno. Estamos todos empenhados para que tudo transcorra da melhor maneira possível. Como parte da sociedade, temos que fazer nosso papel e mostrar que podemos seguir firmes – declarou.

Outro horário na rodada foi solicitado pelos “Carabineros” (polícia ostensiva do Chile). O duelo entre Colo-Colo e Coquimbo, neste sábado, foi transferido das 17h para as 11h30. Apenas um jogo tem previsão de terminar à noite inicialmente: entre Universidad Catolica e Audax Italiano, no domingo, às 17h45.

Depois da frustração de Santiago deixar ser palco da final da Copa Libertadores, este fim de semana ganha contornos decisivos para o país. Com a retomada do Campeonato Chileno e da Primera B, cabe ao país andino mostrar que pode recolher os cacos e organizar-se novamente nos gramados.

O governo do Chile se manifestou em meio à luta da ANFP para que a competição volte a ser realizada após quatro semanas de paralisação. Em entrevista coletiva concedida ontem, em Santiago, a ministra do Esporte, Cecilia Pérez, deu garantias de segurança para as equipes.

– Nos pareceu bom o acordo que tiveram em conjunto com os dirigentes de ANFP, os clubes e os jogadores representados pelo Sifup, avaliando caso a caso os organismos que correspondem, como as intendências e os governos do nosso país, em conjunto com o Estado – disse.

A ministra ainda ressaltou que não tolerará ameaças das “barras bravas”.

– Não vamos aceitar que dirigentes, membros da ANFP ou jogadores se sintam ameaçados, amedrontados ou sequestrados por indivíduos que não são torcedores de futebol, que são chamados “barras bravas – disse.

Cecilia Pérez também reforçou sua confiança em uma melhora no cenário do futebol local.

– Esperamos que o futebol se reorganize de maneira segura, com as autoridades que correspondam, e não se deixem amedrontar por estes “barras bravas” que não são torcedores.

O presidente do Sindicato de Futebolistas Profissionais do Chile (Sifup), Gamadiel García, apontou o que foi crucial para os atletas voltarem a campo.

– As condições do país não nos permitem agir normalmente. O futebol não escapa a realidade social que o Chile vive. Mas a vontade dos jogadores é fazer com que o torneio possa funcionar.

O ex-jogador detalhou que foi intensa a negociação para o retorno dos atletas aos gramados.

– As reuniões foram longas, mas tentando encontrar um ponto de equilíbrio e respeitar as condições de segurança dos atletas – afirmou.

Presidente do Deportes Iquique, Cesare Rossi apontou que o deslocamento tem sido um dos pontos que causam apreensão neste período de retomada do futebol chileno após a longa paralisação. Entretanto, o desejo de estar em campo prevaleceu.

– Existe um incômodo, mas entendemos a situação do país e se decidiu viajar e jogar – e fez seu apelo sobre o Campeonato Chileno:

– Tomara que as coisas se normalizem. Mas, com este nível de insegurança, é difícil – complementou.

Presidente do Cobresal, David Aguero expõe sua fé no futebol como um exemplo para a sociedade.

– Espero que o futebol seja um meio que permita juntar esforços necessários e avançar na normalização da contingência nacional. Naturalmente, sem que fechemos os olhos para as reais necessidades da população. E que a gente consiga finalizar um campeonato no qual ainda há muito a ser definido – afirmou.

A mudança mais sensível ocorre no Campeonato Chileno. Desde 17 de outubro, não são realizadas partidas da elite. Além disto, jogos da Primera B (Segundona) e Segunda División (Terceirona) também cancelados por falta de segurança.

Assim que começam as manifestações em torno do aumento de 30 pesos chilenos (cerca de 20 centavos de real) no metrô determinados no dia 20 de outubro, jogadores chilenos divulgam em redes sociais sua indignação com a medida proposta por Sebastián Piñera. Alguns jogadores, como Ignacio Saavedra, Nicolás Maturana e Marco Medel, endossam as marchas em oposição ao governo.

Ex-comandante da seleção chilena, Jorge Sampaoli manda um recado ao povo chileno durante entrevista coletiva no Santos. Chilenos que jogam no México, como Nicolás Castillo e Jean Meneses, também expõem seus apoios.

Em 30 de outubro, mesmo dia no qual Sebastián Piñera anuncia os cancelamentos do Fórum de Cooperação Asia-Pacífico (APEC) e da conferência do clima da ONU (COP-25), a ministra de Esporte, Cecilia Pérez, garante que a capital chilena receberá Flamengo e River Plate. A Conmebol ratifica a final em Santiago.

Ainda em meio à turbulência política, o país andino amarga a perda da decisão da Copa Libertadores. Após reunião entre Conmebol, Flamengo, River Plate e entidades, a decisão é transferida para Lima. As cenas de violência nos protestos e o caos no Chile pesam negativamente. Havia programação de uma supermanifestação caso o jogo fosse mantido em Santiago.

A luta para o reinício do Campeonato Chileno foi marcada por percalços. “Barras Bravas” de clubes como Universidad de Chile, Colo-Colo e Santiago Wanderers se uniram e ameaçaram boicotar a competição, afirmando que havia uma tentativa de “usar os clubes como ferramenta de seu interesse” e deixar de lado a crise social do país. O regresso a campo estava condicionado a “concretizar um compromisso político que justificasse as demandas do povo”, segundo carta de uma “barra brava” ligada aos Cruzados.

Na semana passada, os convocados da seleção do Chile pediram para não entrarem em campo no amistoso contra o Peru. A iniciativa, comunicada em uma reunião dos atletas com o técnico Reinaldo Rueda e com a ANFP, aconteceu devido à situação caótica no país andino.