“Mamãe é enfermeira e cuida com muito carinho, vai ajudar todo mundo, mas agora não pode dar beijinho”, diz uma das páginas da história criada por Marcela Vulcano, de 33 anos.
Funcionária de uma unidade da Assistência Médica Ambulatorial (AMA) na Zona Norte de São Paulo, ela teve a ideia de ilustrar a crise do coronavírus de forma lúdica e didática para explicar às filhas, Olívia e Elisa, o período de distanciamento e isolamento social imposto por conta do avanço da doença no Brasil. Ela compartilhou as páginas do livro em seu perfil nas redes sociais.
Após o decreto de quarentena determinado pelo governo de São Paulo, a família decidiu que ficaria abrigada no sítio. Como Marcela segue trabalhando diariamente, passou a ir até o local apenas para visitar e levar os mantimentos necessários.
“Agora eu sinto que eles estão seguros. Todos eles. Meus pais, meu marido e minhas duas filhas. Por enquanto, para o bem de todo mundo, é melhor ficar lá. Se eu não conseguir lidar com essa falta delas, a gente pode rever. Mas acho que vou segurar, eu tenho que segurar”, afirma.
Como os pais de Marcela tem mais de 60 anos e estão dentro do grupo de risco da doença, segundo relatórios da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, os cuidados foram redobrados.
“Não tem como, ninguém pode chegar a menos de dois metros, elas [as filhas] podem pegar [a doença] e não ter sintoma nenhum e passar para os meus pais”, afirma.
Na semana passada, enquanto organizava o que teria que levar à família, teve a ideia de confeccionar o livro.
“Comecei a pegar fotos minhas e juntar para levar para elas. Peguei uns livrinhos e tive a ideia de fazer a historinha do porquê eu estou longe. Em dois minutos eu sentei, desenhei e costurei por que não tinha cola”, recorda.
O objetivo era não apenas o óbvio – usar uma linguagem simples e ritmada para auxiliar as crianças a compreenderem a situação por elas enfrentada – mas também oferecer carinho e ser, de uma outra forma, presença.
“Esse distanciamento social é duro para todo mundo. De alguma maneira está afetando a vida de todos. Não sou só eu que estou passando por uma questão dessas. Eu sou, na verdade, muito privilegiada. Eu tenho um sitio, com parquinho, arvores frutíferas, elas [filhas] estão recendo amor e carinho. Não posso ser egoísta de falar não. É difícil. Tento me segurar no meu privilegio de ter essa possibilidade”, afirma.
Marcela fala com uma das filhas por meio de um telefone de lata — Foto: Arquivo pessoal
Além do livro, ela tem transformado a impossibilidade do contato em brincadeiras à distância. Quando vai ao sítio, utiliza um telefone de lata para conversar com as meninas.
Na próxima segunda (6), a caçula de Marcela completará dois anos. Para aplacar a dor da falta de beijo e abraço apertado, seja em dias festivos ou comuns, ele projeta o final feliz da história.
“Isso vai passar, vai resolver, sou super otimista, tenho certeza que vai passar e vai ficar tudo bem. Tenho medo de passar para eles, mas tenho certeza que vai ficar tudo bem, é só uma questão de tempo, de ter paciência. Não tenho como desistir. A não ser que eu fique doente. Se todas as enfermeiras desistirem, como que fica?”, questiona.