Há 100 anos, nascia a dona Áurea Ferreira Durão, moradora do bairro da Tijuca, na Zona Norte da cidade, que conhece como a palma da sua mão. Moradora de um condomínio da Rua Engenheiro Enaldo Cravo Peixoto, logo atrás do shopping Tijuca, a nova tijucana centenária nasceu na época em que o Brasil se recuperava da gripe espanhola de 1918 e que o mundo estava em uma euforia libertária que ficou apelidada de “os loucos anos 20”. Hoje, o mundo passa pelo contrário: confinamento preventivo por conta da pandemia do novo coronavírus. Como a Dona Áurea faz parte do grupo de risco do Covid-19 por ser idosa, a data tinha tudo para passar em branco. Porém, os moradores dos dois edifícios do condomínio onde mora se prontificaram a cantar, às 18 horas desta segunda-feira, um emocionante “parabéns pra você” que ecoou pelo prédio e pelas ruas do bairro.
De máscara no rosto, a homenageada já estava posicionada em sua varanda 5 minutos antes da hora marcada. Vestindo uma blusa amarela, ela foi agraciada com o parabéns e gritos de muitos anos de vida, que respondeu acenando de sua varanda. Ela só tirou a máscara na hora de soprar as velas de seu bolo.
Nunca tive algo parecido na vida. Quando meu marido era vivo, a gente passeava muito, ia para o exterior, ficava em hotéis, mas passar aqui, foram poucas vezes. Eu estou muito emocionada porque estamos precisando muito de bênçãos para proteger a nossa terra querida — disse a aniversariante.
Dona Áurea nasceu no bairro do Estácio, na Zona Norte, sendo a mais velha de cinco irmãos e uma irmã, que já morreram. A testemunha da história do Rio que, conforme ela mesmo diz, era “lindo de morrer”, se lembra de quando a cidade tinha muito menos habitantes, tendo um ritmo mais lento do que o atual. Enquanto, aos 17 anos, trabalhava na Companhia de Apólices Estaduais, ela conheceu o marido, Luiz Durão, que era diretor financeiro da Telerio. Um ano depois, se casaram na Paróquia Nossa Senhora da Conceição Aparecida, no Cachambi, e tiveram dois filhos.
— Minha mãe é uma criatura excepcional. Não é qualquer pessoa que chega nessa idade e ela chegou muito bem conservada. Já teve gente que deu sessenta e poucos anos para ela — disse a professora aposentada Terezinha Durão, de 68 anos, que mora com a mãe no apartamento.
Com tanta longevidade, Dona Áurea também se lembra de um outro grande período de angústia e incertezas do qual ninguém conseguia deixar de falar na cidade: a Segunda Guerra Mundial.
— A gente saía para fazer compras no mercado e faltava tudo. Às vezes, eu queria comprar leite para o meu filho e não conseguia porque estava em falta, sem falar nas grandes filas — relembra a senhora.
Lúcida, fã de música clássica — especialmente Chopin — e bem humorada, Dona Áurea, que mora no mesmo prédio há mais de 20 anos, possui uma doença óssea degenerativa que limita os seus movimentos e a impede, por exemplo, de ir ao cinema que gostava tanto. Agora, o carinho explícito dos seus vizinhos se tornou mais um capítulo do filme de sua vida:
— Eu fui muito feliz na minha vida e ainda me considero muito feliz. Só Deus sabe porque eu ainda continuo aqui. Agora está tudo muito mudado, mas eu peço a Deus, nosso Senhor, que olhe por nós todos.