Coronavírus

Brasileiro relata urubus no céu de Guayaquil após acúmulo de corpos pelas ruas

G1

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“Vejo urubus no céu de Guayaquil e à tarde a fumaça dos corpos sendo queimados em um dos cemitérios da cidade. Agora, estou vivendo em um filme de terror, apocalíptico.”

O relato foi feito ao G1 por um engenheiro brasileiro que mora há décadas na cidade equatoriana e pediu para não ser identificado. Ele fez um um vídeo mostrando as aves na tarde de quarta-feira (15).

O município portuário tem mais de 2 milhões de habitantes e é o motor e centro econômico do Equador, mas está com as ruas desertas.

Há duas semanas, desde que se tornou o epicentro da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2) no país, vem enfrentando um cenário de horror. Guayaquil tem 4 mil pacientes com a doença Covid-19 e hospitais superlotados antes mesmo de atingir o pico no número de infectados. Há relatos de famílias que não conseguem localizar parentes que estavam internados e morreram.

Como os sistemas de saúde e funerário entraram em colapso, cadáveres demoram a ser recolhidos. Há corpos abandonados por famílias em vias públicas. Estão à espera da força-tarefa composta por militares e policiais militares criada pelo governo de Lenín Moreno.

A prefeita Cynthia Viteri afirmou que “não há espaço nem para vivos, nem para mortos” nos hospitais e cemitérios da cidade.

Homens apenas com máscaras carregam caixão para cemitério em Guayaquil, no Equador, no domingo (12) — Foto: Vicente Gaibor del Pino/Reuters

Com 17,4 milhões de habitantes, o Equador registra oficialmente mais de 7,8 mil casos do novo coronavírus e 388 mortes confirmadas por coronavírus, segundo a universidade americana Johns Hopkins. No entanto, o temor é que esses números sejam muito mais elevados, diante da falta de testes para detectar a Covid-19. Cerca de mais 1000 mortes são consideradas suspeitas.

Autoridades esperam para as próximas semanas até 3,5 mil mortes na província de Guayas, cuja capital é Guayaquil, e onde foram registrados mais de 70% dos casos de infecção pelo coronavírus no país.

O clima quente da cidade costeira voltada para o Pacífico acelera o processo de putrefação. Os urubus, antes raramente vistos, agora rondam parte da cidade. O céu foi invadido pelo material exalado por crematórios.

Neste domingo (12), o governo anunciou ter retirado mais 700 corpos de pessoas que morreram em suas residências nas últimas semanas em Guayaquil. Não está comprovada qual a causa da morte de todas elas – o que impede saber quantas foram vítimas da Covid-19.

O engenheiro brasileiro conta que, há cerca de um mês, passou a trabalhar em home office. Diz que amigos lhe enviaram vídeos que mostram corpos na área central da Guayaquil.

“Os relatos de pessoas mortas nas ruas que vocês estão recebendo [no Brasil] são verdadeiros. Recebi vídeos, mas tive de apagar. Eu não suportei”, afirma.

Os corpos são transportados por caminhões improvisados. “O líquido dos corpos em decomposição vai sendo derramado nas ruas, infectando tudo. O mau cheiro é insuportável.”

Com as estritas regras de confinamento em vigor, fabricantes de caixões estão enfrentando dificuldade de conseguir matéria-prima, conta o engenheiro carioca. Imagens de agências de notícias mostram mortos sendo enterrados em caixas de papelão.

O brasileiro recebe pedidos de ajuda de conhecidos para enterrar os mortos. “Antes da crise, um caixão custava em torno de U$ 800. Agora o preço pode chegar até a U$ 2 mil.”

‘Outra Guayaquil no Brasil?’

O engenheiro brasileiro conta que vê reportagens da imprensa brasileira e que já alertou amigos do Rio, de Curitiba e de São Paulo – “mas eles estão vendo tudo como uma piada”, lamenta.

“[Brasileiros] Falam que isso não vai acontecer no Brasil. Disse para eles: ‘Por favor, obedeçam aos governadores. Se não fizerem isso, vai ter outra Guayaquil no Brasil. É isso o que vocês querem?’.”

Medidas do governo equatoriano

Na avaliação do engenheiro brasileiro, “a população [equatoriana] está zangada com o governo”, que impôs um imposto de emergência a quem ganha mais de US$ 500 – valor U$ 100 acima do salário mínimo local.

“O desemprego está crescendo. A impressão é a de que governo não está fazendo nada. Estamos como um barco sem direção. O governo só culpa a administração passada, que deixou o poder há três anos”, observa.

O presidente Lenín Moreno reconhece que o país não estava preparado para enfrentar a pandemia, que pegou o país com os cofres vazios, resultado de uma crise econômica.

O primeiro caso de Covid-19 no Equador foi oficialmente anunciado em 29 de fevereiro. Trata-se de uma equatoriana que havia chegado a Guayaquil no dia 14 de fevereiro, vinda de Madri, na Espanha, um dos países mais afetados pela doença no mundo – com mais de 18 mil mortes.

Antes de ser hospitalizada, a mulher teve contato com a família e, por isso, mais de 80 pessoas foram colocadas em observação por autoridades sanitárias. Ela morreu dias depois.

No período do carnaval, em pleno verão, o país como de costume recebeu levas de turistas, muitos deles vindos da Europa para visitar a família no Equador. Além disso, nessa época os estudantes estão em férias e costumam viajar entre as províncias equatorianas.

Após o anúncio da primeira morte, o governo suspendeu “por precaução” grandes eventos em Guayaquil e na vizinha Babahoyo. As aulas foram suspensas e os bares e boates foram impedidos de funcionar.

A população começou, então, a pedir maior controle nos aeroportos. Em 11 de março, foi declarada emergência sanitária, e os viajantes que chegavam de 13 países passaram a ficar 14 dias em isolamento obrigatório.

A entrada de estrangeiros no Equador foi restrita 16 de março, após os registros da segunda morte e de 28 casos confirmados de Covid-19.

Em 17 de março, o governo declarou estado de exceção nacional, com toque de recolher das 21h às 5h, suspensão do trabalho em vários setores, dentre eles os serviços de transporte entre as províncias e os voos domésticos.

Em 25 de março, o toque de recolher foi ampliado e passou a vigorar entre 14h e 5h. A circulação de veículos particulares também foi limitada e passou a ser organizada de acordo com o último número das placas dos automóveis.

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