Coronavírus

Sociólogo fica em casa com corpo de sogro morto pela Covid-19 por 12 horas

Ivens Rodrigues da Costa e sua filha Ivaney Darling (Foto: Arquivo Pessoal)

“Começou a tratar em casa como se fosse uma gripe”, foi o que relatou o sociólogo Ângelo Tupinambá, de 39 anos, morador de Belém do Pará, ao contar que perdeu o sogro Ivens Rodrigues da Costa, de 69 anos para a Covid-19, no início da semana.

Ele contou a Marie Claire que Ivens trabalhava em uma construção ao lado de mais duas pessoas logo no início do isolamento. Sua família não aprovou, mas ele insistiu em continuar com a tarefa. “Eu falei para ele suspender essa obra e continuar quando terminar essa pandemia. Mas ele falou que como era só o ajudante, o mestre de obra e ele, ele ia ficar só no quarto e só o ajudante ia fazer os serviços por lá, eu achei que era inviável o plano. E assim foi”, disse.

No entanto, dias depois ele começou a se sentir mal, mas se recusou ir ao hospital. Ângelo suspeita que o sogro se contaminou depois que teve contato com um dos ajudantes da obra que apresentava sintomas do coronavírus. “O meu sogro foi assintomático. Ele não teve febre, tosse, dor de cabeça, então, ele não achou que tinha Covid-19 e começou a tratar em casa como se fosse uma gripe”, revelou.

O sociólogo ainda disse que depois de uma semana e meia, ele começou a sentir falta de ar e mesmo se medicando ainda recusou a ir a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), por acreditar que o serviço estava em colapso. Mas o caso agravou e ele precisou ir a um hospital. “Eu o levei para uma unidade médica. Foi dado uma injeção nele e ele deu uma animada. Mas as extremidades dele estavam ficando todas roxeadas. As pontas dos dedos… lábios… eu já estava ficando desesperado”, contou.

Tubinambá ainda relatou que na ocasião foi instruído a encaminhá-lo ao oxigênio, “urgente”, mas não estava disponível em nenhum hospital em Belém. “Eu decidi voltar com ele para a casa. Eu fiz três seções de aerossol (nebulização) e as três da madrugada eu fui deitar. Eu já estava muito cansado e às cinco horas, eu acordei com um barulho e ele estava no chão, acordado e agonizando. Eu acho que ele acordou para ir ao banheiro e caiu, ele estava muito fraco. Ele caiu de costa no chão e deve ter batido a cabeça e ficou inconsciente e com a dificuldade de respirar, eu o vi desvaindo, pouco a pouco e eu não pude fazer nada e ele morreu nos meus braços. Eu fiz massagem cardíaca nele, eu ouvi os batimentos, e por muito pouco eu fiz respiração mecânica nele, eu tive muito medo, e queria fazer pra pode salvar ele. Não havia mais nada que eu pudesse fazer naquela madrugada. A não ser salvar ele de todas as formas, mas eu não consegui. Eu estou muito nervoso porque o nível de mortalidade aqui no Pará está muito alto,” lamentou.

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Na manhã seguinte, depois de registrar a ocorrência na delegacia, foi requisitar ao IML para fazer a retirada do corpo e foi surpreendido ao saber que o sistema funerário não estava suportando a demanda e que o serviço iria demorar. “Eu fui informado que o sistema funerário em Belém havia entrado em colapso e que naquele dia, eles iam fazer a remoção das pessoas que haviam morrido no dia anterior. Meu sogro estava deitado no chão do quarto só de bermuda e eu não podia fazer nada a não ser cobrir ele com um pano e a bíblia em uma passagem que eu encontrei. Depois disso, decidi tirar a minha família do imóvel um menino de 9 anos de idade, uma menina de 4 e minha esposa de 45 anos”, afirmou.

Ângelo contou que demorou 12 horas até que um carro tumba foi até o imóvel fazer a remoção do corpo. Atualmente, ele vive em um outro local com a família e ele se mantem trancado em um cômodo distante dos filhos e da esposa. “Eu tenho uma rádioweb aqui em Belém que se chama Idade Mídia Comunicação para Cidadania. Eu decidi que ia trazer todo mundo para cá. E aqui, nós estamos. Eu me isolei em um dos quartos. A gente precisa ser testado o mais rápido possível. Nossa situação é muito complicada. Eu estou isolado em um quarto e só tenho o meu celular para me comunicar”, esclareceu.

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