A médica Ticyana D’Azambuja, de 35 anos, moradora do Grajaú, na Zona Norte do Rio, e que atua na linha de frente do combate ao coronavírus recorreu às redes sociais neste fim de semana para relatar uma outra batalha: pela sua tranquilidade e direito ao descanso. Quando devia estar recuperando as energias para mais um plantão, a profissional disse ter sido agredida por cinco pessoas, que seriam frequentadores de uma suposta “festa do corona”, realizada neste sábado, numa casa na Rua Marechal Jofre.
A médica contou que teve o joelho esquerdo quebrado e as mãos pisoteadas. As festas nessa casa, segundo o relato da vítima, acontecem há vários meses, mas se intensificaram justamente quando começou a quarentena com a recomendação de distanciamento social para evitar o avanço da Covid-19. Ela contou que fez diversas vezes denúncias à polícia, que só compareceu ao local no dia da agressão.
– Estava me sentindo abandonada, humilhada. Por isso fiz essa postagem. O apoio das pessoas me conforta – disse, nesta manhã, Ticyana, que atua no Hospital Pedro Ernesto, numa unidade privada de Niterói e no Hospital de Campanha Lagoa-Barra.
Ela admite que, num momento de desespero, já que teria plantão naquela noite e não conseguia descansar por causa do barulho, desceu à rua e, num ato, que classifica como “impensado” quebrou o espelho retrovisor e trincou o para-brisa de um carro estacionado na calçada e isso teria sido o estopim para as agressões. Antes porém, havia pedido para que acabassem com a festa, que estava lotada, sem ter sido atendida.
“Foi errado. Foi impensado. Foi estúpido. Mas sou humana e fiz uma besteira contra um bem material de outra pessoa. Não foi um ato contra nenhum outro ser humano, isso eu sou incapaz de fazer. 5 marmanjos (me lembro de uns 5) saíram, e obviamente, bêbados e drogados, típicos ‘cidadãos de bem’, não estavam para conversa. Apavorada, vi o potencial da besteira que fiz e saí correndo. Me agarraram em frente ao Hospital Italiano. Me enforcaram até desmaiar. Me jogaram no chão e me chutaram. Quando retornei à consciência, gritava por Socorro! Isso aconteceu no dia 30 de Maio por volta de 17h, em plena luz do dia”, relatou a médica numa postagem em rede social.
Falta de apoio
Ticyana lamentou a falta de apoio das pessoas que presenciaram a agressão. Só três pessoas a apoiaram. Um deles, um vizinho saiu em sua defesa e levou um soco na boca. Um dos agressores teria mandado trazer um carro e ameaçado dar um “sumiço” na vítima que, nesse momento, chegou a ter certeza que fosse morrer. Ela disse que foi arrastada até a altura de uma unidade do Corpo de Bombeiros, aos quais implorou ajuda e que garantissem sua integridade física até a chegada da polícia, mas eles não teria sido atendida. Uma viatura da PM apareceu em seguida e depois mais duas.
“Estou muito chorosa, triste, e sem fé na Humanidade. A impunidade vai reinar mais uma vez nesse caso. Mas o que mais me doeu, foi ter clamado por ajuda, e dezenas, talvez uma centena de pessoas viram o que aconteceu e 3, somente 3 se dignificaram a socorrer uma pessoa em perigo. Sempre fui atuante na comunidade do Grajaú, e quando precisei de socorro, fui abandonada aos chutes e gritos de “Mata mesmo!”. O que me dói mais não é o grito dos maus, é o silêncio dos bons. Se as festas acabarem na casa da marechal jofre, lembrem-se que custou meu trabalho de médica e meu joelho”, escreveu na rede social.
Sobre o joelho, ela contou que é possível ter que operar, mas ainda depende do resultado de uma tomografia. Esses problemas vão mantê-la afastada do trabalho. Assustada e com medo de represálias deixou o seu endereço e foi buscar abrigo na casa de parentes.
– A exposição (na internet) é minha proteção. Se acontecer algo comigo ou com o meu filho (de 2 anos) todos vão saber quem foi. Creio que isso também vai ajudar no meu processo de cura (do trauma) – contou Ticyana, que precisou ser assistida por um psicólogo.
A médica foi personagem numa matéria do GLOBO sobre as dificuldades dos profissionais que atuam na linha de frente do combate à Covid-19. Na época contou sua experiência no Hospital municipal Ronaldo Gazzola, em Acari, na Zona Norte.
“Fiz dois plantões no Gazolla, hospital de referência do município para Covid-19, depois de um edital da prefeitura. No primeiro dia, parte da equipe foi dispensada depois de 12 horas porque faltaram equipamentos de proteção. Também não havia camas suficientes para descanso dos 12 médicos”,reclamou na época.
O que diz a PM
A Polícia Militar informou que no último sábado, PMs do 6º BPM (Tijuca) foram acionados para apurar duas ocorrências, em horários diferentes na Rua Marechal Jofre, no Grajaú:
“Na primeira, por volta das 17h, foi apurado no local que uma mulher, bastante nervosa, danificou um veículo estacionado e, em consequência desse ato, foi agredida por um homem ainda não identificado. Um outro homem, que tentou defender a mulher, também foi agredido. Vale ressaltar que, como consta do boletim de ocorrência da PM elaborado pela equipe no local, as partes entraram em comum acordo e não foi realizado o registro na delegacia. Na segunda ocorrência, comunicada um pouco mais tarde, os policiais militares do 6ºBPM foram acionados para verificar denúncia sobre realização de festa numa casa na mesma rua. Por infringir as determinações do decreto governamental de isolamento social, o evento foi encerrado”, completa a nota, acrescentando que em relação a relatos postados em redes sociais sobre o suposto envolvimento de policial militar em ato de agressão ou qualquer outro desvio de conduta, a Corregedoria da Polícia Militar está à disposição dos cidadãos para receber e apurar denúncias. O contato pode ser feito através do telefone pelo número (21) 2725-9098 ou ainda pelo e-mail denuncia@cintpm.rj.gov.br, com garantia de anonimato”.
O que diz o Corpo de Bombeiros
Em nota, o Corpo de Bombeiros do Rio diz que “se solidariza com a vítima e reforça que não compactua com atos ilícitos ou que vão de encontro à ética, à moral e aos bons costumes”.