Festa junina não será realizada devido à pandemia do coronavírus e também para evitar aglomerações. 'É um misto de melancolia com angústia, saudade e tristeza', diz artista.
Parafraseando a letra de Juarez Santiago e Marrom, quando chega junho em Caruaru acende uma fogueira no coração de cada filho da terra, seja ele legítimo ou adotado pela Capital do Forró. Neste ano, no entanto, o mês do São João vai dar lugar à saudade. Devido à pandemia do coronavírus e também para evitar aglomerações, o maior e melhor festejo junino do mundo não vai ser realizado pela primeira vez em 40 anos. Sem a festa, a prefeitura estima um prejuízo de R$ 200 milhões.
“O São João do ano passado gerou algo em torno de R$ 200 milhões para economia de Caruaru. Foram cerca de 3 milhões de pessoas que circularam na cidade durante os festejos juninos e cerca de seis mil empregos diretos e 12 mil empregos indiretos gerados. É um motor para economia o São João e infelizmente esse ano não acontecerá”, lamentou o presidente da Fundação de Cultura e Turismo de Caruaru, Rubens Júnior.
Aos 57 anos, Rubens afirmou que nunca passou “por nada parecido”, ressaltou que todos estão passando por uma situação delicada e revelou que não fazer o tradicional São João nas ruas de Caruaru neste ano o deixou triste. “Ano passado realizamos o maior São João da história de Caruaru e infelizmente não vamos fazer esse ano. Isso me deixa muito triste. Conversei com muitos forrozeiros e todos estão sentindo muito. Mas, em primeiro lugar a vida”, ressaltou.
Em 2019, a prefeitura havia confirmado Zé Neto e Cristiano, Alok, Marília Mendonça, Xand Avião, Léo Santana e Elba Ramalho na festa. Durante o carnaval deste ano, a prefeita Raquel Lyra informou que Wesley Safadão e Gusttavo Lima também iriam fazer parte da programação do São João 2020. Os artistas fariam shows nos dias 5 e 24 de junho, respectivamente.
“Existia, na verdade, um acordo de cavalheiros com os cantores da grande mídia que a prefeita já anunciou. A essa altura, todos os cantores já estariam com os contratos feitos. Mas, todos compreenderam a pandemia e foram solícitos com Caruaru”, explicou o presidente da Fundação de Cultura.
“Já que temos que passar por isso, vamos tirar uma lição. A lição que juntos somos mais fortes. Ano que vem, aí sim, vamos fazer o Maior e Melhor São João da história de Caruaru”, finalizou Rubens Júnior.
Artistas lamentam
Filho de um dos maiores nomes da forró caruaruense, o cantor Azulinho sempre se apresenta ao lado do pai, Azulão, no Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, principal polo do Maior e Melhor São João do Mundo. A tradição da família passa por gerações e o filho de Azulinho, o pequeno Alexandre, de 8 anos, também é presença certa nos shows do pai e do avô.
Ao G1, Azulinho falou que o sentimento para ele é de tristeza por não ter o São João nas ruas em 2020. “Eu cresci no meio dessa festa, indo para a Estação Ferroviária, vendo o trem do forró. Tínhamos tanta festa bonita naquela época e o São João foi crescendo e crescendo. Estamos passando por um momento difícil, nessa pandemia, mas vamos ter fé em Deus que tudo isso vai passar e no momento é ficar em nossas residências nos cuidando e torcendo para que tudo passe o mais rápido possível”, disse.
O caruaruense Benil é outro artista que sempre marca presença no São João de Caruaru. Ele revelou que esta será a primeira vez em 18 anos que ele não irá fazer shows nos festejos juninos. “Esse ano a gente não vai poder se encontrar pessoalmente no palco, nos grandes shows, nos pequenos shows. Vamos ter que comemorar de uma forma diferente. Para a gente, que vive disso, que é nordestino, é difícil. É uma festa que é cara do Nordeste, tem cheiro, tem gosto, é uma festa especial”, pontuou.
O cantor destacou a importância da força do nordestino para vencer a batalha diante da pandemia do coronavírus para que em breve todos possam “se encontrar, celebrar, comemorar o São João que vai ficar preso”. “A gente vai fazendo de casa, dançando em casa, curtindo o São João dessa forma diferente”, ressaltou.
O maestro Mozart Vieira, que seria o responsável por abrir novamente o São João de Caruaru no popularmente chamado Pátio do Forró ao lado da Orquestra de Pífanos, contou que sempre que um festejo junino acaba, na semana seguinte ele já começa a elaborar o projeto do próximo. No entanto, este ano será diferente.
“O sentimento da não realização do São João para mim, particularmente, não tem palavra ou adjetivo que classifique. É um sentimento novo, eu não sei nem explicar. Eu vivencio o São João o ano todo, desde criança, não só na música, mas também na minha casa, na gastronomia e nos figurinos”, destacou o maestro.
Em entrevista ao G1, Mozart Vieira revelou que foi criado na rua Vidal de Negreiros, no Centro da cidade, próximo ao Monte Bom Jesus, um dos símbolos de Caruaru. “Na sua grande maioria, todos que trabalham comigo na Orquestra ou na banda, vivem de música. Então é um sentimento muito estranho, é um misto de melancolia com angústia, saudade e tristeza. O São João faz parte da natureza do homem nordestino e jamais imaginei que passaríamos por um momento desse e também que o São João não aconteceria”, lamentou.
Para o maestro, o fato de Caruaru não ter São João pela primeira vez desde 1980 é histórico. “No tempo em que Caruaru não tinha esse São João profissional, eu me lembro muito bem que toda efervescência era na rua Três de Maio. Quando era criança, minha mãe ia para o comércio fazer a feira, e os sanfoneiros, pifeiros e o pessoal da cultura popular ficava na frente das lojas. Ainda cheguei a participar dos famosos palhoções. A comunidade se envolvia muito, era algo muito forte”, recordou.
“Nos meus ouvidos, mente e alma escuto os acordes e músicas constantemente. Tenho que me tranquilizar e tranquilizar também aqueles que estão à minha volta. A gente vai ter que se superar e se reinventar nesse mês de junho, isso ficará para história”, maestro Mozart Vieira.
História do São João de Caruaru
O governo municipal institucionalizou o São João de Caruaru por volta de 1980, conforme informou o historiador Josué Euzébio, que também é professor, mestre em História e atual presidente do Instituto Histórico do município. Antes, nas décadas de 60 e 70, a festa era realizada nas ruas. As famílias que haviam migrado da zona rural para a cidade, e costumavam celebrar o São João, enfeitavam as ruas e celebravam a festa.
O São João de Caruaru cresceu e ganhou mais espaço quando a prefeitura transferiu a festa para a Avenida Rui Barbosa, depois para a Estação Ferroviária e, por fim, para o Pátio de Eventos. Em 2019, o Maior e Melhor São João do Mundo foi realizado durante quase dois meses – o chamado Ciclo Junino, que teve início no aniversário de Caruaru, em 18 de maio, e seguiu até o dia 14 de julho.
Também no último ano, a prefeitura espalhou o festejo por 24 polos, com atrações para todos os gostos, que foram desde o forró tradicional até a música eletrônica. No total, foram mais de 500 apresentações culturais.
No passado, nomes como Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos e Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, passaram pelo São João de Caruaru. Artistas da terra como Azulão, Onildo Almeida, Elifas Júnior, Valdir Santos, Petrúcio Amorim e Fulô de Mandacaru também já se apresentaram no festejo, além dos paraibanos Elba Ramalho, Zé Ramalho e Flávio José.
Tamanho o nome e a importância do São João de Caruaru, a maior festa da cidade ainda recebeu nomes conhecidos nacionalmente, a exemplo dos sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, Zé Neto e Cristiano, Matheus e Kauan, Marília Mendonça, Michel Teló, Gusttavo Lima e Luan Santana; o festejo também deu lugar ao axé e à música eletrônica, com Léo Santana e Alok, respectivamente; a MPB, com Lenine, Geraldo Azevedo, Gilberto Gil e Chico César, por exemplo; e ao forró estilizado, outro estilo musical presente, com Wesley Safadão, Xand Avião e o saudoso Gabriel Diniz.
O forró de Alcymar Monteiro, Dorgival Dantas, Santanna, Magníficos, Limão com Mel, Mastruz com Leite já marcaram presença em Caruaru. E foi por causa deste estilo musical que Caruaru ganhou a alcunha de Capital do Forró, por meio da música homônima de Jorge de Altinho. “Quando fiz a música eu quis dar uma pequena contribuição para aquilo que eu via. O que eu presenciei no São João, nos casamentos matutos, nos colégios, nos palhoções distribuídos na cidade, nas comidas gigantes… Era uma cidade com muita cultura”, disse o compositor.