Uma cerimônia fúnebre em decorrência da morte de um bebê de oito meses, vítima da covid-19, é apontada como um dos motivos para a propagação do novo coronavírus na Terra Indígena Marãiwatsédé, do povo xavante, no município de Bom Jesus do Araguaia, em Mato Grosso.
O garoto havia sido internado em 10 de maio com problemas respiratórios graves e suspeita de infecção pelo novo coronavírus. Ele foi intubado, o quadro de saúde piorou e a criança não resistiu. Ele morreu em um hospital público do município mato-grossense de Água Boa, no dia seguinte à internação.
Posteriormente, segundo a Operação Amazônia Nativa (Opan), o corpo do garoto foi levado em um caixão para a aldeia em que ele vivia, na qual há mais de 600 moradores. No local, os indígenas seguiram os procedimentos fúnebres habituais em enterros.
O velório da criança foi feito na casa da família, com o caixão aberto — a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) orienta que os caixões de casos suspeitos ou confirmados de covid-19 sejam lacrados, para evitar a propagação do novo coronavírus. O fato pode ter colaborado para o surgimento de novos casos do vírus na aldeia.
Os indígenas, assim como a equipe de saúde que acompanha os moradores da aldeia, alegam que não foram informados sobre a suspeita de covid-19.
A Opan aponta que o velório e o enterro da criança podem ter causado “transmissão descontrolada” de covid-19 na aldeia. A situação pode dificultar ainda mais o combate ao vírus entre os indígenas xavante, que possuem uma estrutura precária de atendimento à saúde.
Depois da morte do bebê, mais de 12 moradores da Marãiwatsédé testaram positivo para a covid-19.
Casos de avanço do coronavírus, como na Marãiwatsédé, se tornaram comuns em diversas etnias. Em meio ao crescimento exponencial de registros da covid-19 no país, que tem mais de 500 mil casos e mais de 32 mil mortes, entidades sociais buscam alternativas para proteger os indígenas.
Dados da Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib) apontam que, até o momento, foram registradas cerca de 180 mortes por covid-19 entre indígenas e mais de 1,8 mil infecções no Brasil. Já a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) afirma que há 1,6 mil casos e 60 indígenas mortos pela covid-19.
Entre os mortos, há ao menos outros dois bebês, além do xavante que faleceu em 11 de maio. Dias antes, uma recém-nascida, com três dias de vida, faleceu com a covid-19, após apresentar dificuldades para respirar. Ela era da comunidade indígena da etnia pipipã, no município de Floresta, no sertão de Pernambuco.
Em Parelheiros, no extremo sul de São Paulo, um bebê de um ano, da etnia guarani, morreu em decorrência da covid-19 na Terra Indígena Tenondé Porã. Ele faleceu no fim de março, mas o resultado que apontou que o garoto tinha a covid-19 ficou pronto somente no início de maio.
O POVO MARÃIWATSÉDÉ
A Terra Indígena Marãiwatsédé, que fica em uma região de transição entre Cerrado e Amazônia, é marcada por conflitos. Em 1966, os indígenas foram retirados de suas propriedades. Posteriormente, teve início um imbróglio judicial para permitir que eles retornassem às suas terras. Em 2004, sem respostas concretas, os indígenas ocuparam parte das terras, que haviam sido tomadas por produtores rurais. Esse retorno dos indígenas foi regulamentado na Justiça somente em 2012.
Hoje, a área da Terra Indígena Marãiwatsédé tem 165 mil hectares, divididos em nove aldeias. Ao todo, são 1.057 habitantes. Mais da metade dos moradores vive na aldeia central, onde o bebê de oito meses morava com a família.
Segundo relatos de indigenistas que acompanham a aldeia, a criança apresentava problemas de saúde havia semanas. O garoto estava em estado crítico de desnutrição e desidratação — problema recorrente entre crianças xavante.
A mortalidade infantil é uma característica que marca diversos povos indígenas, entre eles os xavante. A situação piorou após a saída de profissionais do Programa Mais Médicos da região. Uma reportagem da BBC News Brasil, publicada em março deste ano, mostrou que o povo xavante registrou 47 mortes de bebês entre 2018 e 2019.