“Se fosse eu, meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos na TV. Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias. Mas o dela não pode estar na mídia, não pode ser divulgado”. O desabafo foi feito por Mirtes Renata Souza, mãe do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos. A criança morreu ao cair do 9º andar de um edifício de luxo no Recife após a mãe descer para passear com o cachorro dos patrões e deixar o menino aos cuidados da patroa.
A empregadora foi autuada por homicídio culposo, mas não teve o nome divulgado pela Polícia Civil. Ela chegou a ser presa em flagrante, mas pagou R$ 20 mil de fiança e responderá em liberdade. Nesta quinta-feira (4), Mirtes contou em entrevista à TV Globo que era empregada doméstica do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker, e da mulher dele, Sari Corte Real.
O G1 e a TV Globo ligaram ao longo da manhã para o telefone do prefeito de Tamandaré, mas até 13h05 ele não atendeu às ligações. A assessoria de comunicação do município também foi procurada, mas não se manifestou até o mesmo horário. A Polícia Civil foi procurada para confirmar a identidade dos patrões, mas não respondeu. Tamandaré fica a 114 km do Recife, no Litoral Sul do estado. O prefeito mantém residência nas duas cidades.
Segundo o delegado Ramon Teixeira, responsável pelo caso, câmeras do circuito interno de segurança do condomínio mostraram o momento em que a mulher permitiu que Miguel entrasse sozinho no elevador. Nas imagens, era possível ver que ela fala com o menino, mas o deixa lá.
O apartamento dos patrões ficava no 5º andar. Segundo a investigação, Miguel ficou no elevador sozinho e desceu no 9º andar. Lá ele escalou uma grade na área dos aparelhos de ar-condicionado, que fica na ala comum do andar, fora do apartamento, e caiu.
“Ela confiava os filhos dela a mim e a minha mãe. No momento em que confiei meu filho a ela, infelizmente ela não teve paciência para cuidar, para tirar [do elevador]. Eu sei, eu não nego para ninguém: meu filho era uma criança um pouco teimosa, queria ser dono de si e tudo mais. Mas assim, é criança. Era criança”, disse a mãe.
Ao longo de toda a pandemia, Mirtes e a mãe continuaram trabalhando para o casal. A família dos patrões optou por se isolar em Tamandaré, no Litoral Sul. “Ela disse que a gente não era obrigado a ir. A gente foi porque precisa trabalhar, precisa ganhar nosso salário para pagar as contas e também em questão que ‘mainha’ é grupo de risco”, explicou.
Quando o prefeito divulgou que teve Covid-19, ela também havia sido diagnosticada com a doença. Mirtes relatou que, após exames, foi constatado que a mãe dela e o filho também tiveram, mas com sintomas muito leves. Depois de um tempo em Tamandaré, todos voltaram ao Recife.
Dia do acidente
Mirtes e a mãe se revezavam no trabalho. Com isso, era a avó quem ficava com Miguel no dia em que a mãe precisava trabalhar ou em um hotelzinho, que não estava funcionando devido à pandemia. No dia do acidente, a avó precisava buscar uma receita para medicação e resolver questões no banco. Como já fizera outras vezes, Mirtes optou por levar o filho consigo ao trabalho.
Miguel havia passado a manhã brincando com a filha dos patrões. Era preciso descer com o cachorro de estimação dos patrões e ela avisou às crianças que nenhuma delas iria junto. “Eu disse que eles não iam descer comigo porque estavam aperreando. Se eles se comportassem, eles passeavam mais tarde”, recordou.
Mirtes relatou que o passeio foi rápido e próximo ao edifício, localizado no bairro de São José. De volta ao prédio, estava buscando uma encomenda quando soube que alguém havia caído. Correu para ver quem era e descobriu que era o filho, Miguel. “Vi meu filho ali, estirado no chão”, lembrou, acrescentando que gritou por socorro.
O menino foi levado ao Hospital da Restauração, no bairro do Derby, dentro do carro de Sari Corte Real, após um vizinho, médico, dizer que ele precisava ser urgentemente socorrido. Chegando ao hospital, Miguel foi entregue aos cuidados da equipe local.
“Não demorou muito e tivemos a notícia que meu filho virou estrelinha, que está lá com Jesus e Maria. Está lá no colo de Maria”, lamentou.
No dia do acidente, Mirtes não quis ver as imagens do circuito de segurança do prédio, ao ver que os policiais civis tinham ficado chocados. Após o enterro do filho, ela recebeu o vídeo em casa. Sem contar como teve acesso às imagens, Mirtes afirmou que tudo mudou a partir dali.
“Ontem à noite, eu vim ver a realidade do que realmente aconteceu lá em cima no período em que eu estava andando com a cadela. Que ele entrou no elevador, que não tiveram paciência para tirar ele do elevador. [De] pegar pelo braço e [dizer] ‘saia’'”, afirmou.
O vídeo mostrou Sari Corte Real dialogando com a criança. Em dado momento, ela coloca a mão sobre os botões do painel.
“Só a vi botando a mão no botão da cobertura. Pelo que percebi no vídeo, era o da cobertura. Mas não posso confirmar que aquele botão foi acionado porque eu não vi a luz. Porque, quando aperta os botões, acende a luzinha. Alguns acendem mais forte, outros mais fraco. Independente de ter acionado ou não, não era para ter deixado ele dentro do elevador”, declarou.
Mirtes e a mãe resolveram pedir demissão. Ela contou que, após ver as imagens, ainda ligou para a ex-patroa e ouviu da mulher que ela não tinha apertado o botão do elevador e que iria provar isso. “Por falta de paciência, que eu tive com os filhos dela, meu filho está lá em Bonança [distrito de Moreno], junto com o tio, enterrado”, declarou.
Na quarta-feira (3), Miguel Otávio foi velado no Recife e, depois, foi enterrado no mesmo cemitério em que o irmão de Mirtes, que morreu em 2015, foi enterrado, na Região Metropolitana.
Sonhos interrompidos
Miguel Otávio era o único filho de Mirtes, que abriu mão de fazer faculdade para poder estar mais próxima durante o crescimento do menino. Era querido por todos e amigos da família lamentaram a morte durante o velório. Ele ganhou uma chuteira de aniversário e, quando fizesse 6 anos, ia para a escolinha.
“Ele não podia ver um policial na rua que dizia ‘amigo’ e dava tchau. […] Miguel sonhava ser policial, sonhava ser jogador de futebol. Tanto que a festa dele no ano passado foi sobre futebol”, contou.
Ainda lidando com tudo que aconteceu, Mirtes afirmou que quer que a justiça seja feita. “Se fosse eu, a essa hora, já estava lá no Bom Pastor [Colônia Penal Feminina], apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”, disse.
A avó de Miguel, Marta Santana, afirmou que ainda não consegue lidar com o ocorrido, mas que vai encontrar forças. “Meu único neto. Eu estou sem reação, mas preciso ser forte para estar do lado dela [Mirtes], apoiar e a gente fazer justiça por Miguel”, afirmou a avó.