Três procuradores decidiram deixar o grupo da Operação Lava Jato na Procuradoria-Geral da República, em Brasília, devido a uma divergência da PGR com a força-tarefa da operação no Paraná.
Duas fontes confirmaram à TV Globo que a saída dos três é uma reação ao pedido da coordenadora da Lava Jato na PGR, subprocuradora Lindora Maria Araújo, de acesso a dados das forças-tarefas da operação nos estados.
Os procuradores que decidiram deixar os cargos no grupo são Hebert Reis Mesquita, Victor Riccely Lins Santos e Luana Macedo Vargas. Permaneceram no grupo a própria Lindora Araújo, além de Alessandro José Fernandes de Oliveira e Leonardo Sampaio de Almeida.
Uma quarta procuradora, Maria Clara Noleto, também deixou a Lava Jato na PGR, mas no início deste mês, por divergências.
Neste sábado, o ex-ministro da Justiça divulgou a seguinte nota sobre o assunto: “Aparentemente, pretende-se investigar a Operação Lava Jato em Curitiba. Não há nada para esconder nas investigações, embora essa intenção cause estranheza. Registro minha solidariedade aos procuradores competentes que preferiram deixar seus postos em Brasília.”
A força-tarefa da Lava Jato no Paraná levou o caso à Corregedoria Nacional do Ministério Público Federal.
Nas últimas quarta (24) e quinta-feira (25), Lindora Maria Araújo fez uma visita ao grupo do Paraná. O encontro provocou desentendimento a respeito da transferência de informações sigilosas.
O pedido de providências à corregedoria, dizem os procuradores do Paraná, foi feito “como medida de cautela” e “para prevenir responsabilidades”.
Segundo o relato dos procuradores, a chefe da Lava Jato na PGR buscou acesso a procedimentos e bases de dados da força-tarefa “sem prestar informações” sobre a existência de um processo formal no qual o pedido se baseava ou o objetivo pretendido.
Outra demanda seria para que fosse liberado um sistema utilizado pelos colegas do Paraná que grava ligações telefônicas.
Em nota, a Procuradoria Geral da República informou que a visita “não buscou compartilhamento informal de dados”, mas a obtenção de “informações globais sobre o atual estágio das investigações e o acervo da força-tarefa, para solucionar eventuais passivos”. De acordo com a PGR, a visita foi agendada previamente, um mês antes, com o coordenador da força-tarefa de Curitiba.
“Os assuntos da visita de trabalho, como é o normal na Lava Jato, são sigilosos. A PGR estranha a reação dos procuradores e a divulgação dos temas, internos e sigilosos, para a imprensa”, diz o texto da nota.
O documento, obtido pela TV Globo, afirma que Lindora Araújo informou que a corregedora-geral do MPF, Elizeta Ramos, só não estava presente à visita por uma questão de saúde e ressaltou que não buscava transferência de dados sigilosos.
Integrantes da equipe da PGR, no entanto, teriam defendido o entendimento de que material obtido, mesmo por decisão judicial, pode ser compartilhado com outros integrantes do Ministério Público, para fins de inteligência .
O coordenador da força-tarefa no Paraná, Deltan Dallagnol, afirmou que era preciso adotar cautelas formais para a transferência, a fim de evitar questionamentos e arguição de nulidades sobre informações e provas.
Com o impasse, “diante do caráter inusitado das solicitações, sem formalização dos pedidos e diligências”, os procuradores do Paraná realizaram reunião virtual na noite do dia 24 para discutir os desdobramentos do caso.
A força-tarefa decidiu fazer uma consulta à Corregedoria sobre o objetivo da requisição.
“Na ocasião, a excelentíssima Corregedora-Geral [Elizeta Ramos] informou que não há qualquer procedimento ou ato no âmbito da Corregedoria que embase o pedido de acesso da subprocuradora-geral aos procedimentos ou bases da força-tarefa. Informou ainda que eventual embasamento para o pedido de acesso deveria ser indagado à subprocuradora-geral”.
A movimentação do grupo irritou Lindora Araújo, que encerrou a visita e, segundo o documento, afirmou que isso representaria supostamente uma quebra de confiança e que não havia mais como ela seguir na diligência que realizaria.
“Em razão da existência de informações vinculadas a investigações e a processos sigilosos nos procedimentos e nas bases de dados, entre os quais informações sobre operações a serem deflagradas, dados sujeitos à cláusula de reserva jurisdicional obtidos a partir de decisões judiciais para instruir apurações específicas, além de provas obtidas por meio de cooperação jurídica internacional sujeitas ao princípio da especialidade, com restrições e condicionantes de uso, é importante resguardar o procedimento de acesso das cautelas constitucionais e legais devidas, motivo pelo qual não se vedou o acesso, mas se pediu a adequada formalização, até mesmo para a prevenção de responsabilidades”, disse a força-tarefa.
Lava-Jato aciona corregedoria após divergência com a PGR sobre acesso a dados da operação
Gravações telefônicas
O documento afirma ainda que a PGR teria demonstrado especial interesse em um sistema comprado pela Procuradoria da República do Paraná em 2015, para gravação de ligações telefônicas nos ramais utilizados por aquele grupo de trabalho.
A força-tarefa argumentou que essa prática é adotada por outras unidades do MPF e que foi seguida para dar segurança e proteção da integridade física e moral do grupo diante de ameaças. Eles citam que alguns servidores não pediram que o sistema fosse desligado até hoje e que o mesmo ocorreu em relação ao ex-procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, que pediu a gravação de seu terminal e também, quando de sua aposentadoria, não pediu o encerramento da gravação.
“A gravação desses terminais pode ter seguido ocorrendo ou porque esqueceram de pedir que fosse encerrada ou porque não foram corretamente informados sobre a necessidade de solicitar o encerramento”.
Nota da PGR
Leia abaixo a íntegra de nota divulgada pela Procuradoria Geral da República:
A respeito de notícias publicadas nesta sexta-feira (26), a Procuradoria-Geral da República (PGR) esclarece que a subprocuradora-geral Lindôra Araújo, na condição de coordenadora da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), realizou visita de trabalho à Força-Tarefa Lava Jato em Curitiba (PR). Desde o início das investigações, há um intercâmbio de informações entre a PGR e as forças-tarefas nos estados, que atuam de forma colaborativa e com base no diálogo. Processos que tramitam na Justiça Federal do Paraná têm relação com ações e procedimentos em andamento no STJ.
A visita foi previamente agendada, há cerca de um mês, com o coordenador da força-tarefa de Curitiba – que, inclusive, solicitou que se esperasse seu retorno das férias, o que foi feito. O procurador Deltan Dallagnol sugeriu que a reunião fosse marcada para entre 15 e 19 de junho, mas acabou ocorrendo nessa quarta-feira (24) e quinta-feira (25).
Não houve inspeção, mas uma visita de trabalho que visava a obtenção de informações globais sobre o atual estágio das investigações e o acervo da força-tarefa, para solucionar eventuais passivos. Um dos papéis dos órgãos superiores do Ministério Público Federal (MPF) é o de organizar as forças de trabalho. Não se buscou compartilhamento informal de dados, como aventado nas notícias da imprensa, mas compartilhamento formal com acompanhamento de um funcionário da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (Sppea), órgão vinculado à PGR, conforme ajustado previamente com a equipe da força-tarefa em Curitiba.
A solicitação de compartilhamento de dados foi feita por meio de ofício datado de 13 de maio. Pedido semelhante foi enviado às forças-tarefas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Diante da demora para a efetivação da providência, a reunião de trabalho poderia servir também para que a Sppea tivesse acesso ao material solicitado. A medida tem respaldo em decisão judicial que determina o compartilhamento de dados sigilosos com a PGR para utilização em processos no STF e no STJ.
A corregedora-geral do Ministério Público Federal, Elizeta Paiva, também iria a Curitiba, mas não o fez nesta ocasião por motivos de saúde, conforme oficialmente informado ao gabinete do PGR. A corregedora vem acompanhando os trabalhos da Lava Jato porque determinou uma correição extraordinária, realizada por dois procuradores designados por ela, em todas as forças-tarefas em funcionamento no âmbito do MPF no país. Os assuntos da reunião de trabalho, como é o normal na Lava Jato, são sigilosos. A PGR estranha a reação dos procuradores e a divulgação dos temas, internos e sigilosos, para a imprensa.