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É certo reabrir bares e manter escolas fechadas? Veja debate

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Seis meses após a suspensão das atividades presenciais, o debate sobre a reabertura das escolas ganha ainda mais força. Os argumentos sobre o momento certo para a volta às aulas envolvem tanto questões de saúde (como um possível aumento de casos de Covid-19 na população em geral) como prejuízos sociais de manter as crianças afastadas das salas de aula por tanto tempo.

Para epidemiologistas, infectologistas e educadores ouvidos pelo G1, a discussão é urgente.

“É uma empreitada grande, complexa, e o Brasil tem costume de simplificar as coisas. A criança não vai para a escola sozinha e pode morar com pessoas de grupo de risco. Temos de pensar na estrutura toda e em como vão ficar as famílias mais pobres, que já foram as mais atingidas pela pandemia”, afirma o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador-geral do maior estudo sobre prevalência do coronavírus na população, o Epicovid.

“Se é o momento ou não, vai depender da situação de cada município. Mas a decisão do ‘quando’ não pode substituir a do ‘como’ retomar as aulas”, diz Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação. “Mesmo que ainda não seja seguro reabrir as escolas, o planejamento não deve ser adiado.”

Dados do Censo Escolar 2018 apontam que 26% das escolas brasileiras não recebem abastecimento público de água, e quase metade (49%) não têm acesso à rede pública de esgoto.

Por outro lado, justamente os alunos das escolas com estrutura precária são os que mais ficam vulneráveis a problemas sociais durante a suspensão das aulas presenciais – como fome, trabalho infantil e baixa aprendizagem.

Como evitar o aumento da desigualdade na educação e garantir o cumprimento dos protocolos básicos de prevenção contra a doença?

Confira abaixo os principais pontos da discussão:

Qual é a hora de reabrir escolas?

Sob o ponto de vista da saúde, depende de cada região do país e da realidade local, afirma o infectologista Julio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“De forma técnica, são duas condições: quando as curvas de casos e mortes estiverem descendentes [caindo] e quando tivermos como detectar os surtos nas escolas, isolando pessoas e fechando salas.”

Os dados mais recentes do estudo Epicovid, divulgados na segunda (15), mostram que a pandemia está desacelerando no país.

Mas para Catarina de Almeida Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Campanha Nacional pela Educação, a hora de reabrir as escolas não é agora.

“Não podemos dar garantias ao país e aos 56 milhões de estudantes, 2 milhões de profissionais da educação e todos os seus familiares de que os protocolos de saúde que nossos sistemas de ensino darão segurança”, afirma. “Na UnB, seria necessário o dobro do orçamento para voltar às aulas em segurança. Imagina nas escolas”, relata.

Um editorial publicado na revista científica “Science”, no início deste mês, aponta três condições essenciais para a retomada: só reabrir quando houver redução sustentada de número de casos da doença, testagem ampla e medidas rigorosas de prevenção nas escolas.

Mesmo em países que seguiram esses protocolos, no entanto, foi impossível evitar totalmente as contaminações nos colégios. Israel enfrentou problemas.

No Brasil, Manaus está próxima de completar 40 dias de reabertura das escolas – a primeira capital a retomar aulas na rede estadual. Não há registro de alunos que morreram por causa do coronavírus ou de contaminação entre estudantes desde então.

O governo amazonense disse na última quinta que, na população em geral, ocorreu um aumento de internações por Covid, mas que não prevê uma segunda onda da doença no estado.

Quais os riscos de contaminação de crianças, familiares e professores?

Daniel Lahr, professor da Universidade de São Paulo (USP), explica que, como as crianças foram as que mais respeitaram a quarentena ao longo da pandemia e menos se expuseram ao vírus, também são o grupo sobre o qual a ciência tem menos certezas em relação à doença.

O que se sabe é que elas tendem a desenvolver quadros menos graves – mas não há dados conclusivos sobre a capacidade delas de transmitir a Covid-19. E, durante a pandemia, foi registrada a ocorrência em crianças de uma doença rara, porém muito séria: a síndrome de Kawasaki.

“Existem evidências tanto de que elas têm uma carga viral maior que a dos adultos. Ainda não há consenso”, diz Lahr. Quanto maior essa “concentração” de vírus no organismo, mais alta é a possibilidade de contaminar outras pessoas.

Com a reabertura das escolas, segundo Lahr, “as crianças podem se tornar importantes vetores da doença”.

“Retomar as aulas presenciais representa um risco: não sabemos o que vai acontecer. O volume de pessoas se deslocando pela cidade e convivendo no mesmo espaço vai aumentar significativamente”, diz. “É um exército de professores, funcionários e familiares que vai ficar mais exposto.”

Dentre todos os indivíduos que convivem com as crianças, há idosos, obesos, pessoas com problemas respiratórios e outros grupos considerados “de risco” para a Covid-19.

Renato Kfouri, vice-presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo, concorda que é difícil prever o que ocorrerá após a reabertura das escolas. Mas, na visão dele, a capital paulista, por exemplo, tem condições de retomar as atividades presenciais.

“Em primeiro lugar, a curva da epidemia precisa estar em queda, de forma sustentável. Em São Paulo, estamos no nosso ‘melhor’ momento até agora, no número de casos e mortes. É possível voltar, mas com alfabetização sanitária e estratégias de cuidado”, diz Kfouri.

“Sempre haverá o risco, como em qualquer outra reabertura. Mas dá para minimizá-lo, tendo calma e critério.”

Uma pesquisa feita pela prefeitura de São Paulo aponta que 64% dos alunos da rede pública tinham anticorpos para o coronavírus, ou seja, entraram em contato com o Sars-CoV-2. O percentual é o mesmo entre adultos das classes D e E.

Isso indica que as crianças estão se contaminando na comunidade. “O fato de estarem em casa não está as protegendo. Os pais saem para a rua e voltam com a doença”, afirma Julio Croda.

É certo abrir bares e restaurantes, mas não as escolas?

Não há consenso sobre esse ponto.

Segundo o epidemiologista Pedro Hallal, faz sentido abrir shoppings e restaurantes antes das escolas, porque é mais fácil controlar o acesso e o fluxo de pessoas nesses estabelecimentos de lazer. “Não tem como dizer que escola não vai gerar aglomeração. Vai gerar”, afirma.

O infectologista Croda discorda sobre a ordem de reabertura: “Qual prioridade a gente dá para a educação no momento em que libera show e não libera escola?”.

Já Lahr, da USP, dá um terceiro ponto de vista: sim, parece ter havido uma inversão de valores ao abrir certos estabelecimentos de lazer. Mas isso não significa que seja correto abrir escolas no momento atual.

Catarina Santos, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, também afirma que houve um desvio de foco na discussão da sociedade durante a pandemia sobre o que seria mais importante. Deveríamos, segundo ela, ter pensado em como organizar as escolas e os currículos.

O editorial da revista “Science” diz: “Quanto menor a taxa de infecção na comunidade, menos rigorosas precisam ser as outras medidas de prevenção. Se a sociedade priorizar a supressão da disseminação viral em outros grupos sociais, [então] as crianças podem ir à escola”.

Quais os problemas sociais de manter as escolas fechadas?

Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil, afirma que a prioridade das esferas públicas deve ser garantir a reabertura segura das escolas. Um período tão longo de fechamento traz prejuízos emocionais a alunos e professores, além de aumentar o risco de abandono dos estudos.

Segundo o Unicef, após desastres naturais, como ciclones e terremotos, há redução de até 20% nas taxas de matrícula na educação básica. Em situações de isolamento social, aumentam os casos de violência doméstica e de problemas financeiros, associados à evasão escolar.

Diante do risco, há três principais formas de evitar que os jovens abandonem a escola, segundo os especialistas ouvidos pelo G1:

  • a busca ativa pelos alunos que não voltaram às aulas,
  • o contato frequente com as famílias
  • e a articulação de diferentes órgãos públicos (de assistência social, saúde, educação).

Os maiores danos trazidos pelo fechamento das escolas são sentidos pela população mais vulnerável. “Até os hábitos de alimentação foram prejudicados. Sem a merenda, crianças ficaram sem comer ou passaram a consumir mais produtos industrializados. Os impactos vão além dos prejuízos pedagógicos”, diz Bauer.

“Ter a merenda como principal refeição do dia não significa que a criança precisa voltar à escola”, afirma Catarina Santos, da Campanha Nacional pela Educação. “O que precisa ter é distribuição de alimentos. Não foi a pandemia que levou essas crianças a não ter o que comer, já não tinham antes. Não só em locais remotos, há crianças em comunidades no Lago Paranoá [em Brasília, capital federal] que passam fome todos os dias”, afirma.

Corrêa, do Todos pela Educação, afirma que “já tínhamos, no Brasil, uma situação de oportunidades muito melhores para alunos de maior nível socioeconômico. A pandemia escancarou isso.”

“O setor público precisa olhar para os mais prejudicados, que estão sujeitos a estresse tóxico em casa, violência sexual, casas sem condições de estudo. Todas as experiências mostram que os efeitos de um afastamento da escola são duradouros. As crianças estão perdendo um tempo precioso para a aprendizagem, principalmente as que estariam sendo alfabetizadas.”

Segundo o especialista, não será possível esperar até uma vacina da Covid-19 para pensar em reabrir as escolas. Ele reforça a importância de ouvir as autoridades de saúde para detectar o momento de menor risco à população.

Enquanto a hora não chega, é preciso planejar. “Não pode ser uma questão política para o ano que vem. A premissa básica é garantir a segurança de todos e planejar uma retomada que mitigue os efeitos da pandemia”, diz.

A saúde mental dos professores também deve ser alvo de atenção. Eles enfrentam sobrecarga de trabalho e estresse. Trabalham em mais de uma escola, têm de se deslocar pela cidade e se adaptar ao novo sistema híbrido de ensino (que mistura o ensino remoto com o presencial).

Em Manaus, professores já relatam sobrecarga de trabalho.

Quais os protocolos necessários? Eles são aplicáveis para crianças?

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou, no início de setembro, um documento com contribuições de infectologistas para uma reabertura segura das escolas.

Veja, em tópicos, os principais protocolos:

  • fornecimento adequado de água e sabão para higiene das mãos e álcool em gel 70%; água sanitária para limpeza;
  • distanciamento de 1,5 metro a 2 metros entre estudantes, professores e funcionários;
  • garantia de ventilação natural, sem uso de ar-condicionado;
  • se possível, preferência por atividades ao ar livre;
  • uso correto de máscara por todos os maiores de 2 anos de idade;
  • controle do transporte público e escolar, garantindo o distanciamento;
  • afastamento de alunos e funcionários que pertençam aos grupos de risco (pessoas com cardiopatias, doenças pulmonares crônicas ou imunossupressoras; gestantes e maiores de 60 anos);
  • diálogo com secretarias de educação e com a comunidade escolar;
  • adaptação do conteúdo a ser ensinado;
  • adoção de horários diferentes de entrada, saída e refeições de alunos;
  • preferência por reuniões remotas de professores;
  • rodízio de turmas;
  • redução do número de alunos por sala;
  • orientações claras sobre os protocolos de higiene;
  • interdição de bebedouros;
  • acolhimento emocional a todos;
  • sistemas de rastreamento de doentes

Segundo especialistas, não é fácil garantir o cumprimento de tais protocolos. “É impossível que crianças pequenas mantenham o distanciamento e não compartilhem brinquedos ou objetos em geral”, diz Kfouri.

A estrutura das escolas brasileiras também dificulta a adoção dos parâmetros de segurança. “As aulas ao ar livre seriam ideais, como em quadras. Mas é a realidade para poucas escolas”, complementa o especialista.

De fato, na rede municipal, apenas 31,6% das escolas brasileiras têm parquinho e 27%, área verde, segundo o Censo Escolar 2018.

Diante de salas de aula lotadas, como manter uma distância segura entre os alunos? Sem água ou esgoto encanado, como reforçar a lavagem de mãos? Com professores dando aula em mais de um colégio, para complementar a renda, como instituir reforços escolares no contraturno?

Lahr, da USP, ainda acrescenta que, mesmo com todas as regras listadas acima pela Fiocruz, não existiria uma garantia completa de prevenção. “Temos só uma redução da probabilidade de contágio. Mas, em um espaço confinado e com muitas horas de contato, o risco vai existir.”

Nesta última sexta, o Ministério da Saúde lançou um guia que compila dicas básicas de higiene e aponta que a responsabilidade na condução do processo de reabertura é das autoridades locais.

Quando fazer testes? E se alguém se contaminar?

Segundo Lahr, a estratégia de testagem não é simples – deve ser feita em termos estatísticos. “Não adianta testar todo mundo antes de reabrir e só. É um gasto de dinheiro à toa, porque a pessoa pode se contaminar no minuto depois de fazer o exame. O que deve ser feito é o acompanhamento contínuo por amostragem, para detectar um possível aumento de infecções”, diz.

A Fiocruz recomenda que todas as pessoas com sintomas sejam afastadas imediatamente da escola e testadas. O retorno só deve ocorrer 10 dias após o aparecimento dos primeiros sinais da doença (ou 20, no caso de casos graves) e 24 horas sem febre e sem uso de medicamentos.

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