Aipim, macaxeira, mandioca: em cada canto do país, ela assume um nome e um uso diferente.
No Norte, é transformada nas tradicionais farinhas d’água ou de puba, que são fermentadas em água, em um processo passado de geração em geração pelos índios.
A farinha de mandioca também está na base da alimentação dos nordestinos, mas eles não fermentam o alimento e, por isso, a chamam de “seca”. Pelo Nordeste, também estão presentes nos tradicionais beijus e, agora, na cerveja.
Já no Centro-Sul do país, com destaque para o Paraná, o amido extraído da mandioca é matéria-prima de diversas indústrias.
Somente na alimentícia, vai para a produção de pão-de-queijo, tapioca e biscoitos. Serve também como aglutinante nos embutidos, para engrossar iogurtes e deixar os papéis bem brancos, conta Ivo Pierin Júnior, da Associação Brasileira dos Produtores de Amido (Abam).
Nativa da América do Sul, a mandioca foi levada para outros países por colonizadores europeus e, atualmente, o Brasil ocupa o 4º lugar na produção mundial, atrás da Nigéria, Tailândia e Indonésia.
A produção nacional gira em torno de 18 milhões de toneladas por ano e é impulsionada por agricultores familiares, que respondem por 80% do cultivo.
Utilidade da mandioca vai da raiz às folhas — Foto: Arte/G1
A vocação da mandioca vai além da culinária. Na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, o brasileiro Marcello Maruiz Veiga, professor titular da instituição, está em busca da mandioca brava com o maior índice de ácido cianídrico, um cianeto capaz de extrair o ouro (veja as diferenças entre as mandiocas brava e mansa mais abaixo).
Seu objetivo é reduzir a utilização de mercúrio nos garimpos, que gera poluição ao meio ambiente e prejuízos à saúde humana, como problemas neurológicos e deterioração dos rins.
Nos primeiros experimentos feitos em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), já foi possível encontrar uma mandioca com um índice de ácido cianídrico capaz de extrair 60% do ouro de um minério. “Mas queremos chegar a 80%, 90%”, diz Veiga.
Segundo ele, apesar de o ácido cianídrico ser altamente tóxico, é possível fazer um tratamento que aumenta o nível de acidez dele, impedindo a emissão de vapores tóxicos para o meio ambiente.
Por ser, extremamente tóxica, a mandioca brava não pode ser consumida diretamente. A que é usada na alimentação, a mansa – também chamada de mandioca doce, de mesa, aipim ou macaxeira – não chega a produzir “nem um miligrama de ácido cianídrico por litro”, diz Veiga.
“Já na brava usada em nossa pesquisa, por exemplo, havia 300 miligramas de cianeto por litro”, compara.
A mansa é a mandioca que vai direto para a mesa dos brasileiros e o seu consumo não gera risco à saúde, ressalta Joselito Motta, pesquisador da Embrapa de Cruz das Almas (BA).
Segundo ele, mesmo as farinhas que são feitas com a brava passam por um processo que elimina o ácido cianídrico delas, deixando-as apropriadas para a alimentação.
Uma outra inovação recente feita a partir da mandioca, mais especificamente com a fécula (ou amido) extraída de sua raiz, é a produção de cerveja.
A origem é nordestina. Lançadas entre os anos de 2018 e 2019, as cervejas Nossa (PE), Legítima (CE) e Magnífica (MA) são fruto de uma parceria entre a Ambev e agricultores familiares da região.
Os pequenos produtores fornecem a mandioca e, com o amido, a empresa fermenta a bebida.
Vitor Monteiro, gerente Agro Brasil da companhia, conta que o intuito da parceria é diversificar a fonte de renda dos agricultores da região – muito focada para a produção de farinha – e colocar no mercado um produto que reflete a cultura nordestina.
Quem atua na colheita conta que a iniciativa trouxe mais alternativas para o sustento da família.
“Graças ao projeto, tanto eu como outros agricultores aqui do Tabuleiro São Bernardo (MA), conseguimos utilizar a mandioca além da farinha”, diz o agricultor Lourival dos Santos Brandão, que trabalha na colheita para a produção da Magnífica.
“A parceria nos ajudou a gerar mais empregos na região, pois foi preciso ampliar o número de pessoas na colheita, já que apenas as famílias não estavam conseguindo realizar todo o processo sozinhas”, conta Lourival.
Já ao norte do país, o chef paraense Leo Modesto também sempre sonhou em montar um projeto que gerasse mais renda para a sua família e, ao mesmo tempo, valorizasse a culinária de origem amazônica.
E o melaço da mandiocaba, uma das variedades da mandioca, foi uma das invenções de Leo que proporcionou a realização dos seus objetivos.
“Eu comecei a desenvolver o melaço de mandiocaba em 2015. Foram seis meses de testes até chegar na receita que eu queria. O caldo da mandiocaba é doce e, com o processo de redução (cozimento), fica parecendo um mel”, conta o chef, dono da Maniua Cozinha, consultoria de culinária amazônica.
Com o melaço de mandiocaba, os chefs preparam desde caldos para sobremesas até caramelização de carnes.
Hoje, a mãe e os irmãos de Leo, que sempre trabalharam na roça com o cultivo da mandioca, tiram o seu sustento do Sítio Mearim, um espaço onde vivem quatro famílias que agregam valor a diferentes alimentos da Amazônia.
Lá se produz, com a mandioca, desde os tradicionais tucupis – feitos a partir do líquido do tubérculo – até vinagres e mostardas.
“Nós sabemos que, por aqui, não tem futuro ficar na roça. É um trabalho muito árduo sem muito retorno”, diz Leo.
Mas não foi só o Sítio Mearim que se beneficiou. A produção do melaço incentivou outros agricultores do Pará a plantar a mandiocaba mais de uma vez por ano.
“A mandiocaba só é utilizada para fazer um mingau tradicional, que é consumido apenas no Dia de Finados”, diz Leo.
A pernambucana Madu Melo, dona do Mandioca Cozinha, em São Paulo, já usou o melaço de mandiocaba em seus pratos. No restaurante, a mandioca vai da entrada à sobremesa, como ingrediente principal ou subproduto.
Ela muda os pratos de três em três meses, para dar conta de apresentar os diversos tipos de uso do alimento de norte a sul do país.
“Eu fiz uma imersão pelo Brasil antes de montar o restaurante. E, nessas viagens, eu me deparei que a mandioca é um ingrediente que une todos os nossos estados”, diz Madu.
“Somente quando falamos de farinha, no Norte, temos as farinhas d’água, que são mais ácidas, com granulação mais grossinha, como as de Uarini, produzidas no Amazonas. Já no Nordeste, temos as farinhas secas, como a de Copioba, por exemplo, que é mais fina e é produzida no Recôncavo Baiano”, conta Madu.
“Quando vamos ao Centro-Oeste, encontramos, por exemplo, um produto superexclusivo, que é a farinha de Poxoréu (do Mato Grosso), de granulação mais grossa. E, descendo para o Sul, pouca gente sabe, mas as farinhas brancas de mesa são produzidas por lá”, diz.