Num verão do fim da década de 70, o carioca Sérgio Neiva Cavalcanti curtia com amigos a Praia do Pepê, na Zona Oeste da cidade, quando foi convidado para participar de um filme – o clássico “Menino do Rio”. Desde então, além do cinema, fez teatro, televisão, música, publicidade e animou até festas de formatura. Completando 65 anos de idade e 40 de vida artística, ele consagrou o sobrenome Mallandro como ícone cult do humor brasileiro e, até o último dia 13, acreditava “já ter vivido de tudo”.
“Saí do banho, fui colocar perfume e não senti o cheiro. Liguei para o meu médico, fizemos o exame do coronavírus e vimos que estava já com 25% do pulmão comprometido. Me internaram na UTI e fiquei oito dias lá, com febre, cansado, me tratando com remédios e oxigênio e com a cabeça totalmente pirada. Ali, veio um filme na minha cabeça, tive muito medo da morte e passei a ressignificar a vida”, conta.
Sem conseguir falar sério por muito tempo, ele emenda uma piada: “Foram oito dias sem gluglu ou salci fufu”, admite, citando os famosos bordões por 16 vezes durante uma hora de entrevista para a Época. As piadas, ele lembra, garantiram também risadas e até danças com os profissionais de saúde do Hospital Copa Star, na Zona Sul da cidade, onde ele recebeu alta na terça-feira (20). É deles que vem a inspiração para seu próximo projeto.
“Conversando com enfermeiros e médicos, fiquei tocado com o amor que têm por cuidar dos outros. Me achei uma formiga, muito pequeno, diante da grandiosidade desses heróis. Em oito dias, com todos de máscaras, não vi o rosto de ninguém, mas pude sentir os olhares e os corações. Em paralelo, pensei o quão ruim está o mundo aqui fora, com valores distorcidos. As pessoas precisam se amar mais, ter generosidade e bondade e menos julgamentos. Agora, quero transformar essa reflexão em roteiro”, diz.
Sérgio Mallandro conta ter tido os compromissos profissionais desse ano desmarcados logo depois do carnaval. Na ocasião, ele já tinha confirmado na agenda temporadas do stand-up que apresenta, no Rio, em São Paulo e em Salvador, eventos corporativos, a filmagem de um longa-metragem e até campanha de óculos em um navio.
Com os cancelamentos, durante seis meses, só saiu da casa com piscina onde mora, em São Conrado, também na Zona Sul, para ir na farmácia ou no mercado. Seu filho, Edgard, de 32 anos, que estuda em Hollywood, lhe fez companhia durante a quarentena. A neta, filha de Serginho, de 35, recém-nascida, ele só viu uma vez.
“Eu já tive muitos altos e baixos na vida. Já quebrei e levantei. Mas agora é um recomeço não só meu, como do mundo inteiro. Todos estão tendo que se reinventar. Nesse período, ajudei muitos amigos, dei cestas básicas. Acredito que temos que lutar e não podemos perder a nossa vontade de vencer”, afirma.