A maioria dos partidos tem descumprido até o momento as regras eleitorais sobre o repasse de recursos destinados ao financiamento das campanhas de candidatos negros e mulheres. É o que aponta um levantamento feito pelo G1 com base nos dados parciais do financiamento de campanha, disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e que consideram as declarações apresentadas pelos candidatos até o dia 5 deste mês.
A legislação determina que os partidos devem lançar pelo menos 30% de candidatas e que os recursos do Fundo Eleitoral repassados a essas mulheres devem seguir a mesma proporção. Assim, se um partido lança 40% de mulheres, por exemplo, 40% dos recursos devem ser destinados a elas.
O levantamento aponta, porém, que 22 dos 32 partidos do país repassaram menos recursos do que deviam para as candidatas. Por conta disso, a média nacional também está abaixo do mínimo legal, já que 34% de todos os candidatos das eleições deste ano são mulheres, mas apenas 28% dos recursos do Fundo Eleitoral distribuídos pelos partidos até agora foram repassados para elas.
Em relação ao financiamento de candidatos negros, não há uma cota mínima a ser cumprida, como no caso da cota de gênero, mas a mesma proporção de candidaturas negras lançadas pelo partido deve ser encontrada também na distribuição dos recursos. Então, se um partido lançou 40% de candidatos negros, 40% dos recursos devem ser destinados a eles.
Neste caso, há ainda mais partidos que não estão seguindo a regra eleitoral: 24 siglas repassaram até o momento menos dinheiro aos candidatos negros do que a proporção de candidatos lançados. No total, 50% dos concorrentes das eleições deste ano são negros, mas apenas 40% dos recursos foram repassados a eles.
As prestações de conta dos partidos apenas são analisadas pela Justiça Eleitoral após a disputa. Por isso, os partidos têm até o final da campanha e das eleições para ajustar as proporções exigidas em lei.
Especialistas consultados pelo G1, porém, destacam a importância do cumprimento das regras de financiamento para estes candidatos durante a campanha, já que, sem os recursos do Fundo Eleitoral, suas candidaturas se tornam menos competitivas e as chances de eles serem eleitos diminuem.
“Nós sabemos que recursos financeiros são um grande elemento de capacidade eleitoral do candidato. Então ter recursos é determinante para o candidato conseguir se eleger”, diz o cientista político Cristiano Rodrigues, professor da UFMG.
“Candidatos negros e mulheres normalmente têm menos acesso a recursos. Então têm candidaturas menos competitivas por falta de dinheiro”, afirma Rodrigues. “Se a distribuição dos recursos fosse isonômica e fosse levada a sério, os candidatos negros teriam mais capacidade de se eleger, e a desproporção de negros no Legislativo diminuiria.”
O cientista político lembra, porém, que a decisão sobre o repasse aos candidatos negros é recente. A divisão proporcional de recursos de campanha foi decidida no fim de agosto pelo TSE. Na ocasião, os ministros entenderam que a medida só poderia valer nas eleições de 2022, mas, no início de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que as medidas já valem para o pleito deste ano.
“Foi uma decisão tomada há pouco tempo, em uma campanha curta, durante uma pandemia. Os partidos acabaram seguindo o padrão que eles tinham anteriormente de gasto de campanha. Eles não se adequaram à legislação”, diz Rodrigues. “E, mesmo antes do início da campanha, os partidos já sabem quais são os candidatos que eles vão apoiar mais, dar mais dinheiro. Então, quando a decisão foi tomada, os partidos tentaram contornar a regra o máximo que puderam.”
A professora Marlise Matos, que coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher da UFMG, concorda.
“As candidaturas de mulheres chegam com dificuldade aos 30% da cota. E isso é pouco, pois as mulheres são 52% do eleitorado. Mas, mesmo com apenas 30%, os partidos conseguem fazer todas as manobras possíveis para que os recursos não cheguem a elas”, diz Marlise Matos, da UFMG.
A professora destaca que, quando chegam às mulheres, os recursos são repassados de forma concentrada para apenas algumas candidatas, enquanto outras recebem apenas materiais impressos, como “santinhos” e adesivos.
“É um prejuízo para essas mulheres. Eles fazem a campanha de coração, na raça, com os próprios recursos, o que é injusto e desigual”, diz.
Além disso, Matos destaca a falta de sanção ao não cumprimento das proporções. “O partido não sofre sanção se ele não cumpre os 30%. Os tribunais têm feito um exercício de convencimento, de falar com os partidos para que eles tenham equilíbrio. Mas não existe sanção para o partido”, diz.
Rodrigues afirma que o mesmo vale para a distribuição de recursos para negros. “Não tem nenhuma sanção. Faltou uma previsão legal sobre isso e sobre como distribuir os recursos entre os candidatos.”
Por isso, segundo os dois, os partidos encontram muitas brechas para contornar a legislação.
“O prejuízo é da democracia brasileira”, destaca Matos. “Para que mais mulheres se elejam, homens vão ter que deixar de se eleger. Mas os partidos não estão dispostos a abrir mão dessa reserva masculina branca na política”, diz.
Dos 22 partidos que descumprem a proporção de repasse para mulheres, 5 têm 10 pontos percentuais ou mais de diferença entre o percentual de candidatas e o percentual de recursos do Fundo Eleitoral passado a elas.
O DEM, por exemplo, lançou 33% de candidatas, mas apenas repassou 18% do dinheiro para estas mulheres até agora. Já o PSDB, que também lançou 33% de mulheres, destinou 24% dos recursos do Fundo Eleitoral para as candidaturas femininas.
O DEM afirma que “a obrigação do cumprimento da cota para candidatas mulheres só deve ser analisada após o final do processo eleitoral”.
“A observação precoce dos repasses pela prestação de contas parcial, além de ignorar a estratégia eleitoral do partido, desconsidera o fato natural de que o maior aporte de recursos ocorre na reta final das eleições, respeitando o desempenho das candidaturas”, diz a sigla
Já o PSDB afirma que “está participando das campanhas com a participação política e legal em todas as cotas”. “Os dados não refletem as autorizações dadas aos estados e lideranças.”
Entre os 25 partidos que descumprem a regra de distribuição racial de financiamento, o destaque é para o PDT, partido que lançou 49% de candidatos negros, mas que apenas repassou para eles 23% dos recursos do Fundo Eleitoral.
O PDT reforça que os dados dos repasses do Fundo Eleitoral ainda são parciais, e que a legenda vai cumprir a legislação.
Os três partidos que mais receberam recursos do Fundo Eleitoral nesta eleição também repassaram menos para mulheres e negros até agora.
O PT cumpre a proporção feminina, mas repassou apenas 40% dos recursos para os candidatos negros, que representam mais da metade dos concorrentes pela sigla (56%).
A mesma situação acontece com o PSL: o repasse feminino está proporcional, mas o repasse racial está defasado (35% dos recursos para 45% de candidatos negros).
Já o MDB não cumpre o financiamento proporcional nos dois quesitos. Apesar de ter 34% de candidaturas femininas, os repasses para elas representaram apenas 25% do total. A discrepância entre os negros é menor (39% dos recursos para 44% de candidatos pretos ou pardos).
O PT afirma que “vem observando esta determinação de proporcionalidade nas candidaturas negras no cálculo das parcelas já distribuídas e fechará a campanha cumprindo rigorosamente a proporcionalidade”.
“A diferença verificada hoje no balanço parcial deve-se ao cumprimento da legislação, que exige a comprovação de despesas já efetuadas com cada candidatura, por parte dos diretórios municipais e estaduais, para o recebimento de novos recursos”, diz a assessoria de imprensa do partido.
O PSL afirma que “esta primeira prestação de contas é parcial” e que “o partido está preparado e vai cumprir a cota de distribuição de recursos prevista em lei”.
A sigla diz que definiu uma série de requisitos para que os recursos sejam liberados. “No caso das candidatas mulheres, elas necessitam ainda preencher um documento confirmando que são candidatas por livre e espontânea vontade. E no caso das candidaturas de negros e negras, é preciso também preencher um documento reconhecendo a etnia, como previsto na legislação eleitoral”, afirma, em nota.
“Devido às realidades e dificuldades regionais, que variam de estado para estado, em algumas situações esses repasses acontecem em ritmos diferentes e mais lentos do que o desejado pelo diretório nacional do partido.”