Política

PGR apura se ministra Damares tentou impedir aborto de menina de 10 anos no ES

Aras informou apuração preliminar ao STF e disse que, se houver indícios, pedirá inquérito formal. Ministra agiu para evitar interrupção da gravidez, segundo reportagem; Damares nega.

Valter Campanato / Agência Brasil

Valter Campanato / Agência Brasil

A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu uma apuração preliminar para investigar se houve participação da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, no suposto movimento para impedir que uma menina de 10 anos, vítima de estupro, tivesse acesso à interrupção da gravidez.

O estupro aconteceu no Espírito Santo e o aborto foi realizado, com aval da Justiça, em um hospital de Recife em agosto. O tio da menina, principal suspeito de ter cometido o crime, foi preso.

A abertura da investigação preliminar foi informada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. No documento, Aras diz que, se essa primeira apuração encontrar indícios suficientes, a PGR pedirá a abertura de um inquérito formal contra Damares.

“Caso surjam indícios mais robustos de possível prática de ilícitos penais pela noticiada, poderá ser requerida a instauração de inquérito nesse STF”, escreveu o PGR.

Em nota, o ministério afirmou que “enxerga a situação com total tranquilidade, tratou sua atuação nessa ação com absoluta transparência e lisura, com absoluto respeito aos princípios da Administração Pública. Esclarecemos, ainda, que a própria ministra Damares Alves solicitou investigação do caso à PF”.

Parlamentares acionaram o STF após reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” apontar que a ministra agiu nos bastidores para impedir que a criança fosse submetida ao procedimento. Para os deputados e senadores, se confirmada a conduta, Damares pode ter cometido crime de responsabilidade.

A reportagem publicada em agosto afirma que Damares buscava transferir a menina para um hospital em Jacareí (SP) – onde seria realizado um parto, mesmo que houvesse risco ao bebê e à criança.

De acordo com o jornal, Damares teria enviado representantes do ministério e aliados políticos ao Espírito Santo, em uma tentativa de pressionar a equipe responsável pelo procedimento. Os assessores da ministra também teriam sido responsáveis pelos vazamentos de dados da criança.

Caso chocou o país
A gravidez foi descoberta após a menina ter sido levada a um hospital no início do mês com dores na barriga, quando ela revelou que, havia quatro anos, vinha sendo estuprada pelo próprio tio. A polícia indiciou o homem de 33 anos por estupro e ele foi preso.

Atualmente, o aborto é autorizado no Brasil em três situações: se houver risco de morte para a mulher por causa da gestação; se a gravidez foi provocada por estupro; se o feto é anencéfalo (sem cérebro).

Em nota na época, o ministério negou que a ministra tenha atuado para evitar o procedimento de aborto e informou que ela realizou uma única chamada em vídeo com pessoas de São Mateus, sendo que Isso teria ocorrido no fim de todo processo.

Confira a íntegra da nota divulgada pela assessoria da ministra na época:

A única chamada de vídeo da ministra Damares Alves com pessoas da cidade de São Mateus (ES) ocorreu ao final dos trabalhos, quando teve uma rápida conversa motivacional com membros do Conselho Tutelar. Em nenhum momento foi mencionado em reunião com a ministra o caso da menina de 10 anos, tampouco o trabalho específico dos conselheiros nesse caso ou em qualquer outro acontecimento, muito menos sobre a possibilidade de interrupção provocada da gravidez da menina, assunto que sequer estava em discussão naquele momento. As afirmações da reportagem, portanto, são levianas.

A missão do Ministério foi integrada somente por dois servidores, que participaram de três reuniões para entender como funcionava e se havia falhas na rede de proteção local, com o objetivo de oferecer suporte e melhorias estruturais. Esta é uma missão Institucional deste Ministério e que foi cumprida em inúmeras outras ocasiões, sempre que solicitado este apoio.

Todos os eventos nos quais a equipe do MMFDH esteve presente foram acompanhados por diversos servidores públicos. Em nenhuma dessas reuniões foi debatida a realização ou não de interrupção provocada da gravidez. Ninguém do Ministério teve ou pretendia ter acesso a dados da criança ou de seus familiares. Não era discutido o caso específico da criança, mas algo mais amplo: a melhoria do sistema de proteção.

Também é falsa a afirmação de que representantes do Hospital São Francisco de Assis tenham sido recebidas por servidora do Ministério ou que tenham sido apresentadas como pessoas de confiança de Damares Alves. O nome da ministra sequer foi citado na reunião. Nem a equipe do MMFDH, nem os servidores da Secretaria de Assistência Social do município, conheciam as supostas representantes do hospital.

A reportagem menciona um tal “kit Renegade” sem a devida apuração do que se trata. A doação de automóveis e outros bens para conselhos tutelares é uma política nacional consolidada e criada pelo fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos. A entrega de carro e outros equipamentos, portanto, é missão institucional do Ministério. Outros 672 já receberam o mesmo kit em todo o país, desde janeiro de 2019. O benefício é para as crianças atendidas pelo Conselho, e não para os conselheiros. A insinuação feita pelo jornal de que este teria sido oferecido como moeda de troca é caluniosa e nitidamente infundada.

Reiteramos: em nenhum momento durante a visita dos servidores do Ministério à cidade foi discutida a possibilidade de interrupção da gravidez por parte da menina de 10 anos. O assunto tornou-se público, inclusive, somente após a saída dos servidores do município.

O Ministério já protocolou pedido de investigação para que sejam identificados os responsáveis pelo vazamento do nome da menina e de seus familiares. E isto foi feito na certeza de que nenhum colaborador deste Ministério teve participação no episódio.

Diante disso, o Ministério informa que estuda quais medidas administrativas ou judiciais poderão ser tomadas contra o jornal para restabelecer a verdade dos fatos. A reportagem foi desonesta.

Lamentamos novamente que o triste caso de um estupro de vulnerável e o esforço do Ministério para combater a pedofilia tenham se transformado em objeto de oposição política, inclusive por este veículo de imprensa. O criminoso é o estuprador. A menina inocente ficará marcada pelo resto da vida por este episódio. Este é somente um dos casos. Vários outros são acompanhamos pelo Ministério.

O Ministério continuará trabalhando pela melhoria do sistema de proteção da cidade. A reportagem não informa, mas já temos registrados mais de 157 casos de estupro de vulnerável seguido de gravidez de menores de 10 a 14 anos grávidas no Espírito Santo somente este ano. Quebrar este ciclo de violência é missão deste Ministério, é missão de toda a rede de proteção e também de toda a sociedade.