Em bate-papo com Quem, cantora que acaba de lançar o single Curva do Rio, expôs sua opinião sobre o Dia da Consciência Negra e relatou casos de racismo
No Dia da Consciência Negra, Aline Wirley lança Curva do Rio, nesta sexta-feira (20). O single fala justamente da busca do encontro da cantora com sua ancestralidade. Desde o fim do Rouge, em 2019, ela tem preparado sua carreira solo, criando uma grande expectativa em seus fãs. À Quem, ela falou sobre a atual fase profissional, racismo e como ela e o marido, Igor Rickli, criam o filho, Antonio, de 5 anos.
“É um trabalho de muita entrega. Curva do Rio é uma música forte, muito potente. Ela fala sobre a minha ancestralidade, sobre a força da minha raça. É uma música que eu gosto muito e que, especialmente, está sendo lançada no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Não existia melhor data para colocar essa canção no mundo. Eu estou ansiosa para compartilhar com o público esse pedacinho meu”, declara.
Aline dispensa definições ao dizer qual seu ritmo. “Olha! (risos). Eu costumo dizer que esse trabalho é uma mistura de Beyoncé com Maria Bethânia. Vocês que lutem para entender (mais risos). É um trabalho profundo, uma análise sobre meus sentimentos, sobre a minha identidade. Se tiver que catalogar ele, diria que está mais para MPB, mas ele tem uma batida que foge um pouco. Não é pop. É uma música mais densa, mais provocativa”, justifica.
As inspirações para o projeto são diversas. “Tem muitas inspirações. Uma delas é o livro Mulheres que Correm com Os Lobos, da Clarissa Pinkola Estés. A autora faz uma pergunta neste livro: ‘onde é que vive a mulher selvagem’. E essa pergunta ficou martelando na minha cabeça. E muitas canções estão interligadas com essa questão. Indômita é minha reflexão e mergulho sobre a feminilidade, sobre ancestralidade, sobre a minha identidade”, explica.
A imersão em suas raízes refletiu na sua personalidade e até no seu cabelo. “Fico muito feliz por ter hoje tanto acesso a pensadores negros, ativistas, a pessoas que fazem a diferença com o seu discurso. Eu aprendo com cada uma delas. Tenho muito orgulho da minha raça, de quem eu sou. E faço questão de passar isso para o meu filho. Mas, por muito tempo, ficava num lugar passivo na vida, sabe?! Hoje, não mais! Não tolero racismo. Não tolero preconceito. E não tolerar tem a ver com a expansão da minha consciência e o domínio do conhecimento que eu tenho hoje. A transição capilar foi um processo transformador na minha vida. O cabelo era um escudo, uma defesa. E eu me vi sem nada me protegendo. Tive que descobrir a minha força interna, a minha autoestima. Teve dias que foram difíceis, mas o resultado foi muito recompensador. Eu saí mais forte”, afirma.
Para ela, a luta contra o racismo é constante. “Mês de novembro se tornou um mês celebrado a causa negra e eu acho isso lindo. Importante nós termos muitas capas com pretos e pretas. Não adianta a mídia falar da causa e não dar visibilidade, não abrir suas capas para nós. Lindo olhar a banca de jornal e se sentir representada, se sentir reconhecida. Dia 20 de novembro é importante sim, mas é mais importante ainda que sigamos todos os outros dias do ano sendo antirracista. O preconceito não escolhe dia, mês, hora e ano para acontecer. Nossa luta por respeito é diária. Estamos no front todos os dias batalhando por igualdade. Como artista, mulher negra, eu vou apoiar tudo o que é para celebrar a minha raça, mas sem esquecer que somos mais do que uma data”, pondera.
Apesar de ser considerada uma mulher forte, Aline tem seus momentos de fragilidade e já foi atingida pelo preconceito. Um dos maiores motivos dos ataques sofridos por ela em suas redes sociais é por ela ser uma mulher negra casada com um homem loiro de olhos azuis.
“Já passei por muitas situações que me magoaram. Não dá nem para contar nos dedos, porque faltariam dedos. Quando eu raspei a cabeça, por exemplo, falaram que eu tinha feito feitiço para amarrar o Igor a mim. Pois é… Foram incontáveis as vezes em que o preconceito se manifestou. Mas, sou uma mulher forte. Filha de uma mulher forte. Eu respiro, me mantenho de pé e sigo em frente. Prefiro valorizar o que é bom. O que não é bom, eu processo no meu interior e deixo para trás”, acredita.
Nem Antonio está imune ao ódio. A artista lamenta o menino ter que passar por isso, mas reforça o amor dentro de casa. “Ele não está isento mesmo. Ele já passou por preconceito. É que ele ainda não tem idade para dimensionar. Eu e o pai dele conversamos muito com ele. É claro que, com seis anos, tem um limite de entendimento. Mas como filho de um homem branco e de uma mulher negra, nós fazemos questão de que ele saiba e tenha orgulho de suas origens. E ele tem! Ele sabe que ele é branco, que ele é preto. Que ele é fruto desse amor. E ele se ama. Isso, para mim, não tem preço”, agradece.
Ao comentar sobre a quarentena com a família, Aline relembra o triste episódio em que sua casa foi assaltada durante o isolamento social. “O que eu mais senti falta foi mesmo o contato humano. A falta de encontrar as pessoas que amo estar perto. Passamos por muitas provações na quarentena. Nossa casa foi assaltada. Tivemos que lidar com esse episódio e ressignificar o nosso lar. Lidar com o Antônio, que ficou se sentindo sozinho e triste longe dos amigos. Foram muitas questões para administrar. E olha que eu sei que estávamos num lugar de privilégio, porque muitas pessoas não podiam ficar em casa”, conclui.