A mulher de 44 anos agredida por um tenente da Polícia Militar enquanto estava algemada em um batalhão de Bonito, a 296 quilômetros de Campo Grande (MS), esteve na corregedoria da corporação para prestar queixa contra o policial nesta segunda-feira (23). Ela relembrou o ataque e disse que se sente revoltada e triste: “Só mandava eu calar a boca e me batia muito”.
Antes de entrar na sede da corregedoria, a mulher pediu para ter a identidade mantida em sigilo e disse sentir medo com a repercussão do vídeo, que veio à tona agora. O fato ocorreu no último mês de setembro, mas não havia sido denunciado.
“Quando aconteceu todo o episódio, foi em um sábado, e eu fiquei presa até domingo. Nesse intervalo, meu esposo foi até a polícia solicitar imagens junto com o meu sobrinho e foi informado que não tinha imagens, que aquilo lá era fictício e como eu ia provar que tudo isso era verdade? Que eu fui espancada?”
A mulher foi detida após uma confusão com a dona de um restaurante da cidade (leia abaixo). Na ocasião, a PM foi acionada e levou os envolvidos para registrar o caso em uma base da polícia.
“Apesar dos roxos, eles não me deixaram fazer boletim de ocorrência, muito menos fazer exame de corpo delito. Eu só queria sair, queria tirar meus filhos daquele terror. Eu tenho uma filha especial, só queria tirar eles daquele momento”, falou.
Ela contou ainda que o marido, que é cabo da PM, chegou durante a madrugada e já a encontrou detida. “Já tinha acontecido toda tortura e eu já estava na cela, era 3h da manhã. Ele foi lá me ver e não deixaram […] Eu estava em desespero”, comentou.
Emocionada, a empresária falou que o pior momento foi quando os filhos dela foram levados para um abrigo logo após a confusão no restaurante, assim que a polícia chegou.
“Quando o conselho tutelar levou meus filhos foi como se estivessem tirado minha vida, ele levou meus filhos, eu não sabia pra onde, não sabia como. Me senti totalmente incapaz e não havia palavras, eles [policiais] não queriam me ouvir. Esse era o problema, eles não queriam me ouvir, eles não me deram a opção de contar a minha versão. Ele só me mandava calar a boca, ele me batia muito”, contou.
No batalhão da PM, ela falou que muitos presenciaram o ataque com socos, porém não tomaram nenhuma atitude por medo do tenente. “Na realidade todo mundo tem medo dele, essa é a verdade, todo mundo tem medo desse ‘tenente terror’. E assim, se ele falasse alguma coisa, ele é tenente gente, todo mundo sabe que ele é o que fala mais alto”, afirmou.
Sobre os fatos, a mulher diz que “só quer que a justiça seja feita, só isso”. Ela disse ainda se sentir triste e revoltada com o desfecho da briga que começou no restaurante. “Eu me sinto a mais prejudicada em tudo, porque levar tapa não é fácil, agora imagine levar socos, chutes e pontapés: é totalmente desumano”, finalizou.
O que diz a PM
O tenente-coronel Cleder Silva, chefe de comunicação da Polícia Militar, disse que o inquérito foi instaurado, com o prazo de 45 dias para ser concluído. Ele disse que os policiais envolvidos no caso foram afastados de suas atividades e ainda não prestaram depoimento.
Silva ressaltou que os trâmites burocráticos já tiveram início, com a “nomeação de encarregados que vão fazer uma cronologia dos fatos”.
Início da confusão
A dona do restaurante diz que acionou a polícia porque a mulher detida deu início a uma briga por causa de uma refeição que deveria ser servida à filha dela. Segundo ela, na confusão, a mulher ficou alterada e começou a arremessar objetos e a gritar dentro do estabelecimento.
“O restaurante abre às 19 h e eu estava aqui meia hora antes, organizando para abrir. Ela chegou sozinha, com uma lata de cerveja na mão e pediu anotar o pedido dela, de alcatra na chapa. Eu expliquei que ainda não estava aberto, eu é quem chegava mais cedo para ir adiantando as coisas. Era 18h30 e eu expliquei que, assim que tivesse pronto entregaria para ela até umas 19h15. Quando foi 19h em ponto ela chegou lá com uma criança no braço e a lata de cerveja em outra, agredindo o meu marido, chamando ele de merda e outros palavrões porque o pedido ainda não estava pronto”, disse.
A comerciante contou também que a mulher a agrediu verbalmente. “Ela ressaltou que tinha prioridade e começou a me xingar, disse que tinha filha especial e que tinha prioridade. Foi quando a filha mais velha dela, a mocinha, a retirou de lá e, neste momento, eu já tinha chamado a polícia. Eles foram na pousada e lá eu escutava os gritos e xingamentos dela contra os policiais […] Ela estava transtornada”, falou.