Chefes de estado que apresentaram metas ambiciosas a para cumprirem o compromisso de zerar as emissões de carbono até a metade do século 21, previsto no Acordo de Paris, foram convidados pela Organização das Nações Unidas (ONU) para discursarem em um evento sobre mudanças climáticas nesta quinta-feira (10). O Brasil ficou de fora.
O evento em questão é o Climate Ambition Summit, uma reunião preparatória para a próxima Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima, marcada para o ano que vem.
Nas Américas, Uruguai Argentina, Colômbia, Peru, Belize, Cuba, Costa Rica, Equador, Jamaica, Guatemala, Honduras, Panamá e Canadá ganharam uma cadeira no palco virtual do evento. Os países da União Europeia e os grandes poluidores asiáticos, como a China, também estão entre os convidados do Climate Ambition Summit.
Já entre os grandes poluidores mundiais que ficaram de fora aparecem, além do Brasil, México e os Estados Unidos.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, aponta que a rejeição ao governo brasileiro em um dos mais importantes eventos internacionais sobre mudanças climáticas acontece logo após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciar as novas metas do país no Acordo de Paris.
“Nos tornamos indesejados em uma agenda que deveríamos ser líderes. O governo Bolsonaro tanto fez contra o meio ambiente e contra o clima do planeta, que se tornou uma espécie de presença tóxica nessas reuniões internacionais”, diz Astrini.
A nova meta climática apresentada pelo Brasil ao Acordo de Paris na terça-feira (8) permitirá ao país chegar a 2030 emitindo 400 milhões de toneladas de gases do efeito estufa a mais do que o previsto na meta original, de acordo com uma análise do Observatório do Clima, rede de 56 organizações da sociedade civil.
A meta, agora atualizada pelo Ministério do Meio Ambiente, foi definida em dezembro de 2015, quando o Acordo de Paris reuniu países que aceitaram se comprometer com o esforço de limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Cinco anos depois, o Brasil cumpre a entrega da renovação das metas por ele mesmo estipuladas, mas especialistas fazem alertas.
Astrini explica que o ministério manteve na meta o mesmo percentual de redução definido cinco anos atrás: reduzir em 43% as emissões até 2030. Entretanto, não considerou que a base de cálculo utilizada mudou e ficou ainda maior.
“A meta de redução de 2015 era baseada no Segundo Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Já a meta atual tem como base o Terceiro Inventário, que atualizou o valor absoluto dos gases emitidos em 2005 de 2,1 bilhões de toneladas para 2,8 bilhões de toneladas de gases emitidos” – Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima
A meta climática do Brasil no Acordo de Paris utiliza como referência o valor total de gases emitidos no ano de 2005. De acordo com Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas e especialista do Observatório do Clima, tal valor é calculado pelo relatório chamado “Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa”, que é editado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. O documento revisa periodicamente o valor absoluto de emissões de gases usado no cálculo.
“O Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa de 2005 costuma ser revisado a cada 4 anos, quando é publicado um novo inventário”, explica Azevedo.
Com a revisão mais recente, o valor absoluto de gases emitidos em 2005 foi ajustado de 2,1 bilhões de toneladas para mais de 2,8 bilhões de toneladas.
Na prática, se em 2015 a meta de redução dos 43% significava emitir 1,2 bilhões de toneladas de gases até 2030, a nova meta apresentada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com a mesma taxa de redução, permitirá agora o Brasil emitir 1,6 bilhões de toneladas no mesmo período.
“Sem o reajuste na base de cálculo, a nova meta da proposta climática está cerca de 400 milhões de toneladas de carbono maior do que era em 2015” – Marcio Astrini, Observatório do Clima
Por isso, segundo os especialistas, para apenas manter a meta climática já assumida anteriormente pelo Brasil no Acordo de Paris, o ministro do Meio Ambiente deveria ter se comprometido a diminuir 57% das emissões até 2030, e não apenas 43%.
“Uma coisa é diminuirmos 43% de um valor x, outra coisa é cortarmos a mesma porcentagem de um valor y. O número final será diferente”, afirma Astrini.
Neste mês, quando o Acordo de Paris completa cinco anos, todos os países signatários estão apresentando novas versões dos compromissos já assumidos em 2015.
Além da meta que estipula um percentual de redução nas emissões até 2030, o Brasil ainda tem outra intermediária: a de chegar em 2025 com redução de 37% em relação aos níveis de 2005.
Para atingir tanto a meta de 2030 quanto a de 2025, o governo anunciou compromissos como o de zerar o desmatamento ilegal até 2030, reflorestar 12 milhões de hectares e assegurar 45% de fontes renováveis na matriz energética nacional, mas não informou um plano detalhado de como executará tais ambições.
Em nota publicada nesta quarta-feira (9), o Ministério das Relações Exteriores afirmou que a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês), nome técnico para as metas do Brasil no Acordo de Paris, é uma das mais ambiciosas do mundo.
“A NDC brasileira é uma das mais ambiciosas do mundo em razão de quatro características principais. Primeiro, por se referir a emissões absolutas, e não fatores relativos como intensidade de carbono ou tendências históricas de crescimento, como a maioria das NDCs de países em desenvolvimento. Segundo, por se referir a toda a economia, e não a setores específicos. Terceiro, pela magnitude das metas (37% e 43%), que supera inclusive a de muitos países desenvolvidos. Quarto, por incluir uma meta intermediária para 2025, obrigando a trajetória de reduções em toda a década e não apenas em 2030”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores.
Outra ambição apresentada por Salles na terça foi a de neutralizar as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2060. Esta não é uma meta, mas um indicativo feito pelo governo brasileiro.
O Observatório do Clima destacou que a ambição é dez anos mais longa que a meta da maioria dos países do Acordo, que devem zerar o saldo de emissões de gás carbônico em 2050. Além disso, a entidade lembrou que somente a China apresentou meta igual à brasileira.
“A NDC [meta] anunciada é insuficiente e imoral. A redução de 43% nas emissões em 2030 não está em linha com nenhuma das metas do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a menos de 2º C ou a 1,5º C. Ela nos levaria a um mundo cerca de 3º C mais quente se todos os países tivessem a mesma ambição” – Observatório do Clima, nota em 8/12.
No mesmo documento, a entidade classificou como chantagem a afirmação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que o prazo para alcançar a neutralidade de carbono nos próximos 40 anos poderá ser antecipado caso os países desenvolvidos transfiram US$ 10 bilhões anuais para projetos brasileiros a partir de 2021.
Esta não é a primeira vez que Salles fala em pedir US$ 10 bilhões anuais aos países ricos para investir em ações de conservação no Brasil. Ainda em 2019, nas reuniões preparativas para a Conferência Internacional do Clima (COP 25) em Madri, o ministro citou a cifra – que corresponderia a 10% do total previsto no Acordo de Paris de repasses de países desenvolvidos para países subdesenvolvidos.
Na segunda-feira (7), o Observatório do Clima sugeriu que a nova Contribuição Nacional Determinada (NDC, na sigla em inglês) do Brasil para o Acordo do Clima de Paris deveria se comprometer a reduzir as emissões líquidas em 81% até 2030 em relação aos níveis de 2005.
Segundo a rede, essa redução significaria chegar ao fim da próxima década emitindo, no máximo, 400 milhões de toneladas de gases de efeito estufa. Atualmente, a emissão líquida do Brasil é de cerca de 1,6 bilhão de toneladas de gases – o país é o sexto maior emissor de gases do planeta.
Além da meta de redução de emissões, o Observatório do Clima também propõe que o Brasil adote uma série de políticas públicas que facilitam o cumprimento do compromisso, entre elas:
O Acordo de Paris foi assinado em 2015, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climática. O texto fala em manter a temperatura do planeta com uma elevação “muito abaixo de 2°C” mas “perseguindo esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5°C”.
São os principais pontos do Acordo de Paris: