Uma sala cheia de pessoas com saudade umas das outras, que se reúnem por muitas horas para celebrar, geralmente em torno de uma mesa de jantar e com a presença de integrantes das mais variadas idades.
Essa pode ser a descrição de uma comemoração do Natal da forma que muitas famílias celebraram até hoje — e também de um cenário ideal para propagação do coronavírus, que matou mais de 180 mil pessoas no Brasil até dezembro de 2020, principalmente idosos.
Com a taxa de contágio da Covid-19 em alta em várias regiões do Brasil, os médicos alertam que a única forma de ter certeza de que você não passará uma doença que pode ser fatal para familiares e amigos é abrindo mão de uma comemoração presencial. Há, no entanto, medidas que podem ser tomadas para mitigar o risco, ou formas de dar uma nova cara às comemorações neste ano.
A moradora de Macaé (RJ) Polyanna Linhares, de 28 anos, está acostumada a passar o Natal na casa da tia com mais ou menos vinte pessoas. Para o fim de 2020, no entanto, a família mudou a tradição.
“Estamos agora há praticamente sete meses sem nos ver. São pessoas de quatro casas diferentes, que vão passar o Natal cada um na sua. Aqui em casa seremos eu, meu pai, minha mãe (que são idosos), minha irmã e meu sobrinho.”
Ela diz que a festa virtual não é o que gostaria de fazer, idealmente, mas foi a melhor opção encontrada para proteger a família.
“Fiquei chateada, mas ciente de que é a decisão certa. Vamos fazer um amigo oculto virtual: sorteamos os nomes por um aplicativo, faremos a festa pelo Zoom e depois a gente dá um jeito de entregar os presentes”, diz. “Não vai ser do mesmo jeito, é claro. Mas é o que dá para fazer, para a gente se proteger e proteger quem a gente ama.”
Em dezembro, a Fiocruz emitiu uma nota técnica alertando para o perigo de o sistema de saúde do Brasil colapsar após as festas de fim de ano, considerando que é esperado um aumento no número de casos. Os ingredientes para isso já estão dados: há surtos da covid-19 simultaneamente nas capitais e no interior, e a disseminação do vírus está em alta. Sendo assim, a recomendação primordial dos infectologistas é evitar passar as festas com pessoas de fora da sua casa, para impedir a transmissão do coronavírus de um lar para outro.
Apesar dos riscos evidentes, muitas famílias planejam comemorar o Natal com um encontro presencial — ainda que de forma diferente de outros anos.
Por isso, a BBC News Brasil entrevistou infectologistas e outros especialistas para explicar as medidas que podem tornar os encontros menos inseguros — embora eles destaquem que não é possível eliminar os riscos, apenas contê-los:
A primeira dica é fazer uma reunião com o menor número possível de pessoas. Idealmente, a comemoração deve ocorrer só entre quem já vive na mesma residência.
“Temos que pensar em evitar encontros com muitas pessoas. É momento para encontrarmos famílias nucleares. Não é momento de fazer grandes encontros de família, com reuniões com mais de dez pessoas”, diz Juliana Lapa, infectologista e professora da Universidade de Brasília.
A recomendação é estar atento não só à quantidade de pessoas, mas também ao número de residências que serão misturadas. Por exemplo: um encontro entre dez pessoas tende a ser menos arriscado se cinco moram juntas em uma casa e outras cinco vivem em outra do que se cada uma das dez pessoas vive em uma casa diferente, aponta Vitor Mori, membro do grupo Observatório Covid-19 BR e pós-doutorando na Faculdade de Medicina na Universidade de Vermont (EUA).
O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano, destaca o cuidado com os grupos que têm sido as principais vítimas da Covid-19.
“Se possível, idosos e pessoas com comorbidades — obesos, diabéticos, hipertensos, pessoas com problemas pulmonares — devem evitar as festas. Claro que também são as pessoas que estão mais distanciadas e carentes neste momento, mas o ideal é que elas tomem mais medidas de cuidado do que as demais pessoas.”
Lapa diz que, se for inevitável o encontro com uma pessoa do grupo de risco, uma opção menos arriscada é fazer um encontro rápido e com distanciamento. “Uma visita curta, sem fazer ceia, sem tirar a máscara”, explica.
Se for fazer encontro, que seja em lugar aberto: jardim, laje, quintal, onde as partículas de vírus vão se dissipar mais facilmente com o vento. Se não houver um ambiente completamente aberto, a recomendação é fazer em uma varanda. Se a única opção for dentro de um apartamento, deixe todas as janelas abertas.
Mori diz que tem havido pouco destaque para a importância da ventilação para minimizar riscos e dá uma dica caseira para aumentar a circulação de ar em ambiente interno: colocar um ventilador próximo da janela e de frente para ela. Dessa forma, ele diz, o ventilador funciona como um exaustor, puxando o ar de dentro e empurrando para fora do cômodo.
“Gera pressão negativa dentro do cômodo e o ar fresco de outra janela vai entrando”, explica.
Se tiver mais de uma janela e mais de um ventilador, Mori diz que, além desse primeiro ventilador, você pode colocar outro ventilador na janela oposta e na posição contrária — ou seja, virado para o interior do cômodo. Assim, um ventilador puxa o ar de fora para dentro e outro empurra o ar para fora pela outra janela, gerando circulação e troca de ar constante.
Para destacar a importância de privilegiar ambientes ao ar livre, Mori compara a fumaça do cigarro, que também é um tipo de aerossol, com as partículas emitidas por uma pessoa que pode estar infectada.
“Se há uma pessoa fumando perto de você, mas em espaço aberto, você não sente muita fumaça, o vento vai dispersar. Mas se você estiver em um ambiente fechado, mesmo que mantenha distância maior que um metro e meio, se todas as portas e janelas estiverem fechadas, você vai conseguir sentir cheiro do cigarro e vai inalar quantidade grande.”
Os Centros de Controle de Doenças dos EUA (CDCs) também recomendam a ventilação como estratégia para reduzir as partículas de vírus no ar de ambientes fechados. Mas, em diretrizes recém-atualizadas sobre ventilação, fazem quatro alertas adicionais sobre o tema:
Fazer encontros mais rápidos é outra sugestão dos especialistas, já que o risco aumenta com mais tempo de exposição.
“Agrupamentos prolongados são o grande vilão da transmissão”, diz Urbano.
Os especialistas concordam em outro ponto: as máscaras devem ser usadas sempre que possível, retirando apenas na hora de comer ou beber. Além disso, evitar falar alto e cantar também ajuda na redução de riscos. “Quanto mais forte a fala ou o canto, mais partículas são expelidas no ar”, diz Urbano.
Além da máscara, outra regra já conhecida segue valendo: manter o máximo de distância possível para quem não vive na mesma casa.
O momento da ceia pode ser o grande vilão, segundo médicos, já que as pessoas geralmente ficam próximas e precisam tirar as máscaras.
É por isso que, além do cuidado de evitar compartilhar objetos como talheres e copos, a recomendação é que se faça um rodízio para sentar à mesa na hora de comer.
Por exemplo: imagine que há um casal que mora em uma casa e os pais de um deles, que vivem em outra casa. A sugestão, se houver apenas uma mesa, é que os pais comam primeiro, enquanto os outros ficam afastados e de máscara. Depois, invertem.
Para quem tem mais espaço, outra opção é montar duas mesas separadas para que cada um dos núcleos não se misture na hora de tirar a máscara para fazer a refeição.
“É importante enxergar quem está sem máscara como possível disseminador, porque existem os assintomáticos, que nem sabem que estão doentes. Então você tem que presumir que todo mundo ali pode estar transmitindo pra alguém, diz Jaques Sztajnbok, médico supervisor da UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
6. Evitar grandes deslocamentos
Os infectologistas concordam que viagens devem ser evitadas. Quem decidir fazer deslocamentos assim, deve priorizar ir de carro, de forma a evitar as aglomerações em aeroportos, aviões, ônibus, rodoviárias e em áreas comuns de hotéis.
Fazer uma quarentena de duas semanas (ou pelo menos de uma) e confirmar estar sem o vírus com um exame PCR 72 horas antes do encontro ajudam muito a minimizar os riscos.
Além disso, é essencial ter ainda mais atenção a qualquer sintoma.
“É muito importante valorizar todos os sintomas neste momento. Muita gente diz ‘ah, só estou com tosse, só estou com o nariz escorrendo’. Se isso não é o seu padrão, valorize e evite ir. Será uma exposição de alto risco”, diz Lapa.
Em uma comemoração regada a álcool, com pessoas há tantos meses privadas de festas, o natural seria relaxar nas medidas de prevenção ao longo da noite. É aí que mora o perigo, dizem os infectologistas.
“Na prática, com o relaxamento das pessoas regado a taças de vinho, as festas de fim de ano são situações de risco — um risco enorme de termos muitos casos e mortes desnecessários por Covid-19”, afirma Estevão Urbano.
“Infelizmente, temos pessoas perdendo o jogo na prorrogação — estamos perto da vacina. Precisamos fazer o último terço da caminhada até a vacina. Então precisamos cuidado para não relaxar neste momento.”
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça a ideia de que não há risco zero em festas de fim de ano — motivo pelo qual famílias e até mesmo governos devem avaliar seriamente o cenário local e decidir se os benefícios sociais dos encontros festivos superam o perigo de a covid-19 avançar.
“Há (iniciativas) de baixo risco ou alto risco — mas sempre há um risco”, afirmou em entrevista coletiva recente Maria Van Kerkhove, líder técnica da covid-19 na OMS. Ela defendeu que as famílias prefiram reuniões virtuais neste ano, uma vez que a maior incidência de transmissões ocorre entre pessoas que passam muito tempo juntas, em espaços fechados e compartilhando refeições.
“É incrivelmente difícil porque, principalmente durante as festas, nós queremos muito estar com a família. Mas, em algumas situações, a decisão difícil de não ter um encontro familiar é a aposta mais segura”.
Também em entrevista coletiva, seu colega Mike Ryan, diretor de emergências da OMS, disse que encontros presenciais que ocorrerem nestas festas devem evitar abraços e demonstrações físicas de afeto.
“É algo horrível pensar que estamos aqui como a Organização Mundial da Saúde dizendo às pessoas: ‘não abracem umas às outras’. É terrível. (Mas) essa é a realidade brutal em lugares como os EUA no momento”, disse Ryan, citando como exemplo o país com o maior número de mortes e casos pela covid-19 no mundo, e onde o vírus continua circulando com força.
Os especialistas consultados pela reportagem entendem que as pessoas estão exaustas das restrições sociais impostas pela pandemia — e a dificuldade em decidir se vale a pena ou não se reunir em uma data tão especial quanto o Natal.
“Eu acho que está todo mundo vivendo essa dúvida (de comemorar as festas com pessoas idosas)”, diz Juliana Lapa. “Esses dias ouvi falar de uma senhora que não conheceu o bisneto e faleceu sem conhecer. É uma dúvida que a gente tem o tempo todo.”
“No mundo ideal, em que as pessoas estejam resilientes, não haveria viagens e aglomerações até haver a vacina. No mundo real, pelo menos temos de seguir as recomendações” para festas mais seguras, afirma Estevão Urbano.
Por sua vez, Jaques Sztajnbok, do Emílio Ribas, teme que o descuido nas festas de fim de ano provoque um “repique brutal” da Covid-19 nas semanas seguintes. “Este fim de ano deveria ser sem os encontros natalinos”, argumenta.
“Se não houver segurança nesses encontros, que não sejam feitos. No fim das contas, o que interessa é a segurança e a saúde de todo mundo. Quando um familiar diz que o Natal é muito importante e quer encontrar a avó que não vê há muito tempo, eu falo: ‘tudo bem, mas você quer que ela morra 15 dias depois de uma doença evitável’?”