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‘Pedia a Deus para morrer primeiro, para não ficar sem mim. Agora, estou sem ele’, diz enfermeira que perdeu marido para a Covid-19

“Estou sem vida desde o dia em que ele morreu. Me afastei não do evangelho, mas da igreja que frequentávamos, porque tudo me lembra dele. Ele foi meu primeiro tudo, ele vivia para mim e eu, para ele. Ele pedia a Deus para morrer primeiro, para não ficar sem mim. Agora, eu estou sem ele”.

A fala é da enfermeira Genilda Diniz, esposa do técnico em enfermagem Wellington das Neves, que morreu em maio de 2020 após passar 12 dias internado com Covid-19. Profissional dedicado e pai amoroso, ele dedicou mais de 30 anos ao trabalho na saúde e foi um dos mais de 23 mil profissionais de saúde infectados pelo novo coronavírus, em Pernambuco, até esta segunda-feira (14).

Wellington tinha 47 anos e, segundo a família, era incansável. Atuava em duas funções no governo do estado. A primeira, de auxiliar de enfermagem, ele assumiu em 1993, quando tinha 20 anos. A segunda, de técnico de imobilização, ele iniciou em 2006. Além disso, ele também era plantonista em hospitais particulares.

Wellington das Neves tinha três empregos na área de saúde antes de morrer por causa da Covid-19 — Foto: Reprodução/WhatsApp

A esposa, a Genilda, trabalhava no setor de atendimento às vítimas da Covid-19. Ele, na emergência do Hospital Otávio de Freitas, na Zona Oste do Recife. Ambos tiveram a doença, mas ele foi o primeiro a apresentar sintomas, cada vez mais graves. Os filhos, Matheus, de 23 anos, e Lucas, de 17, não tiveram sintomas.

“No dia 21 de abril, logo depois da páscoa, meu pai e minha mãe foram a uma consulta, porque estavam com sintomas. Fizeram um teste que só saiu depois que ele já estava na UTI. Meu pai começou tendo uma febre muito alta, diarreia e tosse. No começo, ele pensava que a tosse era decorrente do refluxo. Ele era obeso, tinha doença autoimune e hipertensão. Tinha todos os motivos para ser afastado do trabalho, por ser grupo de risco, mas não foi”, declarou um dos filhos, o estudante Matheus Neves.

No dia 27 de abril, Wellington foi ao hospital pela primeira vez, por volta das 20h. Quando chegou à emergência, ele já tinha 75% do pulmão comprometido pela doença. Na madrugada do dia 28, ele foi internado. No dia seguinte, foi levado à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde, no dia 2 de maio, foi intubado. Morreu no dia 8 de maio, às 22h50.

A Covid-19 não somente tirou o amor da vida de Genilda Diniz, mas também debilitou sua saúde. Ela se afastou da profissão em abril e, passados sete meses, sequer consegue pensar em quando voltará às funções. Além das consequências físicas da doença, ela sofre, atualmente, com problemas psicológicos causados pela partida prematura do marido.

“Eu estou tomando quatro medicações por dia e sendo acompanhada por psicólogo e psiquiatra. Quando penso em voltar ao trabalho, começo a tremer e a suar. Passei mal num exame cardiológico que fui fazer recentemente. Eu penso nele todo dia, 24 horas. Perdi peso e me sinto culpada. Se estou passeando sem ele, sinto culpa. Ele me amou de uma forma tão bonita que todos os meus amigos e familiares diziam. A gente vivia um para o outro. Comíamos juntos, vivíamos juntos. Ele amava viajar para Garanhuns [no Agreste]. Eu já estava de saco cheio de Garanhuns, mas sempre ia junto”, afirmou.

Wellington, que morava com a família em Dois Unidos, na Zona Norte do Recife, era presbítero da Igreja Presbiteriana Renovada Bela Vista, no mesmo bairro. Segundo o filho Matheus, o pai era intenso em tudo o que fazia. Tinha amigos por onde passava e, internado, recebeu homenagens e orações de colegas de profissão de diferentes unidades de saúde.

Wellington das Neves deixou esposa e dois filhos — Foto: Reprodução/WhatsApp

“Se eu disser que meu pai era um santo, seria o mínimo. Era um profissional dedicado, pai dedicado, cristão dedicado. Hoje, só resta o sofrimento e a falta de uma pessoa tão presente em nossa vida. Estamos aprendendo a viver na ausência do meu pai e na presença da Covid-19. Ele dedicou a vida à saúde. Fazia de tudo para ajudar a todos, ao máximo que pudesse. Nunca deixou faltar nada nem para nós, nem para ninguém da família”, disse Matheus.

Para a família, é impossível falar de Wellington sem citar o amor que ele e Genilda mantinham. Ela tinha 12 anos de idade quando começou a namorar com ele, então com 16 anos. Passaram 31 anos juntos, sendo 25 deles casados. Só dormiam separados quando ele precisava dar plantões de 24 ou 36 horas.

Ao longo dos 12 dias de internamento, os órgãos dele foram parando, aos poucos. Primeiro, foram os pulmões, que perderam a capacidade gradativamente. Em seguida, os rins. Num dos momentos mais críticos de sua saúde, Wellington precisou passar por hemodiálise. Os médicos, no entanto, acreditavam que ele podia morrer se passasse pelo procedimento.