População participa de estudo clínico do Instituto Butantan para medir eficácia da vacina na queda da transmissão do coronavírus. Moradores já fazem planos de retomada à normalidade após segunda dose.
Primeira cidade brasileira a vacinar em massa contra a Covid-19, Serrana (SP) encerra, neste domingo (14), às 15h30, a primeira fase da campanha. A cidade foi escolhida pelo Instituto Butantan para um estudo inédito sobre a eficácia da CoronaVac em populações inteiras.
Desde o dia 17 de fevereiro, quando teve início a vacinação, 26.144 moradores dos 28.380 inscritos foram imunizados, o que corresponde a 92,1% do público-alvo. Distante 315 quilômetros de São Paulo, Serrana tem 45.644 habitantes, dos quais 30 mil estavam aptos a receber o imunizante. O balanço final da campanha deve ser divulgado às 18h30 deste domingo.
O estudo dividiu os voluntários em grupos. O azul, o último a ser vacinado, tem 8.270 cadastrados. Até sábado (13), 6.938 pessoas tinham sido imunizadas, o que representa 83,9% do grupo.
Uma das últimas vacinadas na primeira etapa é a dona de casa Iracema da Silva Cavalheiro, de 72 anos. No sábado, ela recebeu a primeira dose e já faz planos para quando receber o reforço dentro de um mês.
“Eu tenho quatro netos, mas dois são pequenininhos. Então, esses dois pequenos, nossa, isso aí mata a gente de saudade. Coração fica despedaçado, né? Porque eles querem brincar, eles querem abraçar, entende? A vacina é para a gente ficar à vontade, poder abraçar, beijar. Fazer tudo que uma avó tem direito.”
Objetivos da vacina para todos
Ao contrário do restante do Brasil, onde a vacina tem chegado primeiro aos grupos prioritários, em Serrana, as doses chegaram para toda a população adulta porque, em 2020, a cidade foi escolhida para participar de um estudo inédito do Instituto Butantan – o Projeto S.
O objetivo, segundo o centro de pesquisa, é analisar o efeito da vacina aplicada em populações inteiras. Os pesquisadores querem saber se ela é capaz de reduzir a transmissão do vírus, o que pode levar à queda de novos casos e, consequentemente, à redução das internações e de mortes.
Os estudos sobre a eficácia da CoronaVac foram feitos com grupos menores de voluntários, e com menor diversidade de perfis do que a população toda de uma cidade. Por isso, o estudo de Serrana é tão importante.
Que vacina é essa? Coronavac
No ano passado, a cidade realizou um inquérito sorológico, coordenado pela Prefeitura, para saber a prevalência do novo coronavírus na população. A segunda fase desse inquérito estimou que 10,6% dos 160 voluntários tinham sido infectados pelo novo coronavírus e que 2,5% estavam com a doença ativa, ou seja, em condições de transmitir para outras pessoas. O resultado chamou a atenção de pesquisadores.
O comportamento da população também influenciou a escolha. O município tem cerca de 10 mil habitantes que se deslocam diariamente pela região por conta de trabalho, o que pode favorecer a propagação do novo coronavírus.
Além disso, Serrana fica próximo a Ribeirão Preto, importante polo de saúde do país, que fornece estrutura de apoio para a pesquisa.
Adesão
Segundo o último boletim epidemiológico, divulgado no sábado, Serrana já registrou 2.939 casos de Covid-19 e 65 mortes desde o início da epidemia.
O maior número de infectados foi registrado em janeiro, com 706 positivos. Antes, o recorde tinha sido em julho do ano passado, quando 376 pessoas ficaram doentes. Já o mês de agosto de 2020 concentra o maior índice de mortes, com 16 registros.
Para a secretária municipal de Saúde, Leila Gusmão, a adesão da população de Serrana à vacinação surpreendeu até mesmo a organização do estudo. Antes do início da campanha, os moradores tiveram que fazer um cadastro, que resultou em 28.380 inscritos.
“Nós imaginávamos que teríamos 60% de adesão e fomos surpreendidos porque, a cada etapa, a gente tem uma adesão de 90%, 92%. Nós estamos bastante felizes, e eu tenho certeza que essa pesquisa vai ser de grande valia para Serrana e para o mundo. A ciência vai contribuir muito com essa pesquisa feita aqui”, diz a secretária.
Estavam aptos a receber a vacina todos os moradores com mais de 18 anos, com exceção de grávidas, mulheres que estavam amamentando e pessoas com contraindicação médica. A adesão era voluntária.
A cidade foi dividida em quatro regiões: verde, amarela, cinza e azul. A população de cada uma delas teve cinco dias para procurar um dos oito postos de vacinação e receber a primeira dose.
Imunizados na 1ª etapa
Ao todo, o Butantan reservou 66 mil doses para a primeira e a segunda aplicação. O lote, segundo o instituto, não interfere o fornecimento de vacinas para o Plano Nacional de Imunização (PNI), do governo federal.
De acordo com a secretária de Saúde, a aplicação da segunda dose está prevista para começar na próxima semana e seguir até o fim de abril.
“A transmissão do vírus a gente não consegue medir ainda. Como foi feita a primeira dose, a gente ainda não tem essa percepção [queda ou alta]. A gente imagina que isso vai melhorar com a segunda dose, porque a segunda dose ela vem para diminuir [internações] nos leitos de UTIs, de enfermaria, sintomas mais leves. É isso que a gente acredita, é isso que a gente espera. E não pegar de jeito nenhum, na verdade, né?”
Os resultados da pesquisa, de acordo com o Butantan, devem ser conhecidos em maio.
Esperança e otimismo
Recentemente, um estudo do Hemocentro de Ribeirão Preto apontou que a variante brasileira já circula na cidade. Na semana passada, o diretor do Butantan, Dimas Covas, disse que a CoronaVac é eficaz contra as novas cepas.
A secretária de Saúde acredita que a piora da epidemia no Brasil tenha motivado as pessoas a buscarem ainda mais a vacinação.
Em um ano, o piloto de helicópteros Anderson Teixeira da Silva, de 38 anos, viu a rotina mudar por completo por causa da Covid-19. As viagens de férias em família, para o Nordeste e para o exterior, tiveram que ser canceladas. Anderson já foi vacinado e a expectativa dele é que mais e mais pessoas sejam alcançadas.
“É rezar para o mínimo de pessoas possível pegarem, ficarem doentes, seguirem os protocolos de segurança. Torcer para que a vacina chegue antes para todo mundo. Nós não podemos pensar só na gente, mas sim num todo, para todas as pessoas do país.”
O churrasco com os amigos e os passeios em família estão na lista de desejos do operador de máquinas Janilson Correia de Aguiar, de 49 anos, para quando o efeito da vacina for realidade.
“Eu acho que a vacina vai melhorar muito a vida da gente, porque a única coisa para combater é só a vacina. E esse é o momento. Eu estava na expectativa para tomar”, diz.
A mulher de Janilson chegou a ser diagnosticada, teve sintomas leves e está curada. O casal já foi vacinado.
“Acho que a gente foi privilegiado por esse projeto. Tem lugar aí que está morrendo gente e não tem nem vacina. Para nós, com esse projeto, eu acho que foi beneficiado, né?”