Projeto prevê alterações na lei sobre improbidade. Texto inclui nepotismo como comprovação de dolo; eleva prazo de suspensão de direitos políticos; e restringe condenação.
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (16), por 408 votos a 67, o texto-base do projeto que altera a Lei da Improbidade Administrativa para estabelecer que agentes públicos só podem ser condenados se houver comprovação de dolo, isto é, intenção de cometer o crime.
Com a aprovação, os deputados passaram a analisar os destaques, isto é, propostas que visam modificar o conteúdo. Esta etapa não havia sido concluída até a última atualização desta reportagem. Finalizada a votação, o texto seguirá para o Senado.
Atualmente, a lei de improbidade permite a condenação de agentes públicos por omissões ou atos dolosos e culposos, isto é, sem intenção de cometer crime. A mudança prevista no projeto, na prática, restringe a condenação.
A Lei de Improbidade enquadra condutas de agentes públicos que:
As alterações foram propostas por uma comissão de juristas, criada na gestão do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (RJ) e coordenada por Mauro Campbell, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Presidente da Câmara
As mudanças previstas no projeto, se transformadas em lei, podem favorecer o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ele já foi condenado em um processo cível por improbidade administrativa, no caso conhecido como Operação Taturana, e recorreu. Ainda não houve definição.
Lira foi investigado por suspeita de participação em um esquema de desvio de dinheiro da Assembleia Legislativa de Alagoas, no qual teria se apropriado de parte dos salários de funcionários e também incluído falsos servidores na folha de pagamento. À época, ele era deputado estadual por Alagoas.
O projeto estabelece que, em casos de enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, a sanção de perda de função pública atinge somente o vínculo de mesma qualidade e natureza da época que o político cometeu a infração.
Isto é, se a ação de improbidade transitar em julgado (não couber mais recursos judiciais), Arthur Lira não perderia o mandato de deputado federal porque, à época dos fatos, era deputado estadual.
O texto permite, no entanto, que, em caráter excepcional, a Justiça estenda a punição a outros vínculos públicos “considerando-se as circunstâncias do caso e a gravidade da infração”.
Durante a sessão desta quarta-feira, Lira defendeu a aprovação do texto, afirmando que as alterações promovem “avanço institucional” e “reforçam” a segurança jurídica no país.
“O projeto irá destravar os empecilhos que atualmente mais confundem e paralisam do que efetivamente preservam o interesse público. A legislação vigente é ultrapassada, antiquada e engessa os bons gestores públicos”, afirmou Lira.
O deputado Roberto Lucena (Pode-SP), autor do texto original, criticou o relatório apresentado por Zarattini. Segundo ele, aa proposta pretendia modernizar a legislação sobre improbidade no país, mas acabou se transformando em um “cavalo de troia”.
“Temas críticos e preocupantes que fragilizam a lei de combate à corrupção foram inseridos”, disse o deputado.
Líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) afirmou que os gestores públicos “não querem decidir” por receio de serem atacados por órgãos de controle. “Eu fui gestor municipal, Prefeito de Maringá, Secretário da Indústria e Comércio do Paraná, ministro da Saúde, gestor público nos três níveis, e posso assegurar que o apagão das canetas está prejudicando muito o nosso país”, afirmou Barros.
projeto em tramitação no Congresso Nacional busca alterar uma lei de 1992, que regulamenta o Artigo 37 da Constituição (trata do crime de improbidade).
Para o relator, Carlos Zarattini (PT-SP), é preciso atualizar a lei porque há casos de condenações de agentes públicos por fatos “banais”.
“São incontáveis os casos de condenações por irregularidades banais, que não favorecem nem prejudicam ninguém além do próprio agente público, punido severamente com multas vultosas e suspensão de direitos políticos”, afirmou.
Segundo Zarattini, atualmente a lei contém “tipos abertos”, que permitem interpretações diversas e, por isso, causou diversas injustiças.
“A extirpação da modalidade culposa da improbidade administrativa é extremamente necessária na medida em que ações negligentes, imprudentes ou imperitas, ainda que causem danos materiais ao Estado, não podem ser enquadradas como atos de improbidade, pois lhes falta o elemento de desonestidade”, afirma o texto.
Pelo texto, “o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”.
Pelo projeto, servidores públicos que tomarem decisões com base na interpretação de leis, jurisprudência não poderão ser condenados por improbidade.
Conforme o relator, o Direito não é ciência exata, e interpretações divergentes não podem ser consideradas incorretas.
O texto também determina que só será cabível ação por improbidade se houver dano efetivo ao patrimônio público.
Acordo de não-persecução
O texto também prevê que o Ministério Público poderá fechar acordo de não-persecução penal, no qual o Estado decide não processar um criminoso por determinado delito.
Segundo o texto, o acordo só poderá ser feito se forem cumpridos os seguintes requisitos:
Conforme a proposta, a celebração deste acordo levará em conta:
O projeto estabelece ainda que o acordo poderá ser feito:
A competência para firmar o acordo será de exclusividade do MP. Se o investigado descumprir os termos do acordo de não persecução, ficará 5 anos sem poder fazer novo acordo do tipo com o órgão.
Outros pontos
Saiba outros pontos previstos no projeto:
Pela proposta inicial do relatório, casos de nepotismo, com nomeação ou designação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta até o terceiro grau, seriam enquadrados como ato de improbidade se o nomeado a cargo público não prestar concurso ou não tiver qualificação para a função de confiança para a qual foi escolhido.
Esse ponto foi criticado por deputados, porque poderia abrir margem para nomeação de parentes, desde que tivessem formação para o cargo. Por isso, o relator acolheu uma emenda e fixou a redação de uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) que trata de nepotismo.
Com isso, será configurado nepotismo na seguinte hipótese: “nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas”.
Atualmente, a lei não define o nepotismo como uma das hipóteses de improbidade.
Em caso de enriquecimento ilícito, o projeto aumenta de até 10 anos para até 14 anos a suspensão dos direitos políticos do agente. O texto também prevê multa equivalente ao valor incorporado ao patrimônio, que pode ser dobrada (hoje, a lei estabelece multa de até três vezes o valor). Condenados também ficarão sem poder contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais do governo por até 14 anos (hoje são 10 anos).
Em caso de prejuízo ao erário, a suspensão de direitos políticos passará de até 8 anos para até 12 anos. A multa será equivalente ao valor desviado (a lei atual estabelece multa de até duas vezes). A proibição de contratar e receber incentivos do Poder Público será de até 12 anos (hoje são 5 anos).
Em caso de atos que atentem contra princípios da administração pública, foi excluída a suspensão de direitos políticos. A multa cairá de até 100 vezes o valor do salário do agente para até 24 vezes. A proibição de contratar com o Poder Público e receber incentivos subiu de 3 anos para até 4 anos.