Política

Covaxin: um dia após Anvisa negar certificação, Saúde insistiu em antecipar o ‘máximo’ de doses

Um dia após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negar a certificação de boas práticas de fabricação à Bharat Biotech, empresa indiana que desenvolveu a vacina Covaxin, o Ministério da Saúde insistiu em pedir ao laboratório que antecipasse “o máximo possível” de doses ao Brasil.

A informação consta de uma nota informativa enviada pela pasta à CPI da Covid do Senado no início de junho, ao qual a TV Globo teve acesso — a comissão parlamentar de inquérito investiga o contrato de compra pelo governo de doses da Covaxin depois que um servidor do Ministério da Saúde ter apontado indícios de corrupção na compra e informado ao presidente Jair Bolsonaro sobre essas suspeita.

Em 30 de março, o ministério reenviou dois ofícios à Bharat Biotech solicitando “a antecipação do máximo possível de doses ao Brasil”.

A pasta tinha feito o mesmo pedido 15 dias antes. Segundo o documento, os primeiros ofícios, que também solicitaram o adiantamento das vacinas, foram enviados ao presidente da Precisa Medicamentos, representante da Bharat Biotech no Brasil, e ao diretor-presidente da farmacêutica indiana.

O documento não esclarece o motivo pelo qual o ministério decidiu reenviar os documentos à Bharat.

A insistência da pasta, já sob gestão do atual ministro Marcelo Queiroga, ocorreu em março, um dia após a Anvisa rejeitar a certificação de boas práticas do laboratório indiano, um dos requisitos para o registro de um medicamento ou vacina no Brasil — a certificação acabou sendo concedida no último dia 9.

Ao negar a certificação em março, a agência apontou problemas sanitários, de controle de qualidade e de segurança na fabricação do imunizante. A decisão da Anvisa, datada do dia 29 de março, foi publicada no “Diário Oficial da União” no dia seguinte.

E, dia 31 de março, a diretoria da Anvisa decidiu, de forma unânime, negar a autorização excepcional e temporária para importação e distribuição de 20 milhões de doses da Covaxin.

No documento enviado à CPI, o próprio ministério aponta a cronologia dos fatos:

  • 15 de março de 2021: envio do Ofício nº 645/2021/SE/GAB/SE/MS e do Ofício nº 661/2021/SE/GAB/SE/MS, ao presidente da Precisa Medicamentos, e ao diretor-presidente da Bharat Biotech, solicitando a antecipação do máximo possível de doses ao Brasil.
  • 29 de março de 2021: O pedido de certificação de boas práticas de fabricação foi indeferido pela Anvisa.
  • 30 de março de 2021: reenvio do Ofício nº 645/2021/SE/GAB/SE/MS e do Ofício nº 661/2021/SE/GAB/SE/MS, à Bharat Biotech, solicitando a antecipação do máximo possível de doses ao Brasil.
  • 31 de março de 2021: Anvisa não autoriza a importação da vacina Covaxin.

 

O mesmo documento enviado à CPI mostra que, em 6 de março, o Ministério da Saúde tratou com a Precisa Medicamentos sobre a aquisição de 50 milhões de doses extras da Covaxin, adicionalmente ao contrato de 20 milhões de vacinas assinado em 25 de fevereiro.

Alvo de investigação

 

O contrato do Ministério da Saúde com a empresa Precisa Medicamentos, intermediária da empresa indiana que desenvolve a vacina, é alvo de investigação da CPI e do Ministério Público Federal.

A Covaxin é a vacina mais cara contratada pelo Brasil, por R$ 80,70 a dose. Sputnik (R$ 69,36), Coronavac (58,20), Pfizer (R$ 56,30) Janssen (R$ 56,30) e Astrazeneca (R$ 19,87) foram vendidas a preços menores.

A negociação por 20 milhões de doses do imunizante indiano envolve mais de R$ 1,6 bilhão. O dinheiro chegou a ser reservado para pagamento, mas, segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, “nenhum centavo” foi efetivamente pago.

Nesta sexta-feira (25), a comissão ouve o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda, ex-chefe de Importação do Departamento de Logística em Saúde, que relatou, em depoimento ao Ministério Público Federal, “pressão atípica” dentro da pasta pela importação de doses da vacina indiana Covaxin.