Um jovem negro, de 18 anos, foi morto a tiros por um sargento da Polícia Militar (PM) durante uma operação da corporação no Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, nesta segunda-feira (28). O policial foi preso em flagrante, segundo registrado no boletim de ocorrência.
Segundo a família, Ryan Pablo da Silva Martins Ribeiro foi alvo de dois disparos, nas costas e na cabeça. A irmã dele, a estudante Ana Lívia da Silva Martins, de 22 anos, contou que estava dormindo, na casa do namorado, quando foi acordada por um telefonema do irmão mais novo dizendo que Ryan tinha sido baleado.
“Me contaram que o Ryan estava em casa, tomou banho e saiu para o beco onde a gente mora. Quando ele se deparou com os policiais, levantou a mão, gritou ‘perdi’ e virou de costas, e o policial atirou nele. Se o menino estava errado, por que não levaram ele preso? Por que tinham que matar meu irmão?”, questionou Ana Lívia.
De acordo com o boletim de ocorrência da PM, Ryan foi morto durante uma operação “com foco na prevenção de homicídios e na repressão ao tráfico de drogas”. A ação começou na Rua Caraça.
Na versão do boletim, os militares estavam se deslocando por um beco quando cinco homens teriam começado a correr na direção deles, com sacolas e rádios comunicadores nas mãos. Os policiais deram ordem de parada, que não foram acatadas.
Ainda segundo a ocorrência, o sargento teria entrado em luta corporal com um dos suspeitos e, neste momento, Ryan teria chutado a mão do policial, com o objetivo de pegar a arma dele. O militar, então, efetuou o primeiro disparo. Como as agressões teriam continuado, atirou outra vez.
Ryan foi encaminhado para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, mas não resistiu. De acordo com o boletim, posteriormente, foram encontrados 180 buchas de maconha, dinheiro e celular na sacola do jovem.
Ana Lívia contou que a mãe está em choque. A estudante foi à Corregedoria da PM por duas vezes, mas não foi atendida.
“Meu irmão realmente vendia drogas, mas ele não era uma pessoa má, não fazia mal a ninguém. Ele era preto, favelado, logo acham que é bandido, mas no aglomerado tem muita gente boa. Eu vou fazer de tudo para que isso não fique impune. Hoje minha família que chora, amanhã pode ser outra”, lamentou.
PM fala em ‘legítima defesa’
Procurada para se posicionar, a PM disse que durante a operação, cinco infratores “investiram contra a guarnição policial, resistindo ativamente à abordagem policial”, e tentaram “tomar a arma de fogo de um dos policiais militares, desferindo chutes na mão em que o militar segurava o armamento”, o que poderia colocar em risco a vida dos militares.
O uso da arma de fogo foi um “ato legítimo de defesa”, segundo a Polícia Militar:
“Diante da intensificação das injustas e iminentes agressões à guarnição, não houve outra alternativa, senão a do uso da arma de fogo, em um ato legítimo de defesa para salvaguardar a vida dos policiais militares, que chegaram prontamente a socorrer com vida o cidadão infrator alvejado para o Hospital de Pronto Socorro João XXIII. O policial militar sofreu luxações em uma das mãos e passou por atendimento médico.”
A corporação também enviou uma foto (veja abaixo) de materiais apreendidos durante a operação e disse que o jovem morto “foi identificado como autor de diversas práticas criminais, como tráfico ilícito de drogas, associação para o cometimento de tráfico ilícito de entorpecentes e ameaça naquela comunidade”.
No boletim de ocorrência constava a prisão em flagrante do policial autor dos disparos: “Segue em andamento no 22º BPM os trâmites de polícia judiciária militar onde está sendo lavrado o auto de prisão em flagrante” do sargento.
O G1 perguntou à PM se o policial militar continua preso, se ele está sendo investigado, quais medidas estão sendo adotadas em relação a ele e se algum outro policial envolvido no caso foi preso. Estas perguntas não foram respondidas até a última atualização desta reportagem.
A reportagem também procurou a Polícia Civil para ver se foi aberta investigação e aguarda retorno.
Caso revolta moradores da comunidade
A morte de Ryan gerou revolta e indignação entre os moradores do Aglomerado da Serra.
A Associação Mulheres da Quebrada, que atua na comunidade, postou um comunicado nas redes sociais em solidariedade com a família do jovem.
“Viver na favela é lutar pela sobrevivência. Hoje acordamos mais tristes, mais um jovem negro foi morto pela polícia militar no Aglomerado da Serra. Ryan Pablo da Silva Martin Ribeiro, um jovem de 18 anos, cheio de sonhos e de planos é a nova vítima do Estado e seu braço armado, que sobe as favelas com a intenção de eliminar a população pobre e negra”, diz a postagem.
Na tarde desta terça-feira (29), um ônibus da linha 2102 (Gameleira/ Serra) foi parcialmente incendiado no Aglomerado da Serra, na Rua Caraça, onde a operação policial que terminou com a morte de Ryan foi iniciada.
O coletivo estava parado no ponto final quando homens entraram, mandaram o motorista desembarcar e atearam fogo. As chamas foram apagadas por policiais militares.